segunda-feira, 13 de março de 2017

Terceiro Setor não é problema, é solução



* Ecio Rodrigues
Vez ou outra a mídia nacional descobre que existem organizações da sociedade civil e que essas entidades são constituídas por gente preocupada em educar crianças, cuidar de doentes, conservar o meio ambiente. Tudo muito bonito.
Depois a mesma mídia se dá conta que essas organizações podem receber dinheiro do Estado. Estabelece-se a desconfiança, a entidade beneficiária passa a ser chamada pejorativamente de ONG, as coisas ficam feias e, óbvio, começam a ser assombradas pelo fantasma da corrupção.
No primeiro caso, é certo que os recursos oriundos do orçamento estatal vão ajudar a levar a efeito alguma política pública, que, a despeito de sua importância social, é muito difícil de ser implementada na esfera governamental.
Tome-se o exemplo de uma associação de amigos dum determinado igarapé, voltada para a revitalização desse corpo d’água, e que desenvolve atividades como produção de mudas para recuperação da mata ciliar; realização de mutirões para limpeza do leito; conscientização e remoção de moradores de áreas de risco.
Ainda que se trate de demanda de interesse da sociedade, decerto o Estado vai encontrar muitas limitações nesse tipo de intervenção, inclusive (ou, talvez, principalmente) de ordem financeira.
Não é preciso ser nenhum expert para compreender que, se no contexto de uma entidade ambiental (que pode contar, por ex., com o trabalho voluntário para redução de gastos) um projeto pode ser executado a um custo módico, na administração pública esses custos podem facilmente decuplicar.
O fato é que, a partir da redemocratização do país, inúmeras organizações surgiram para atuar no âmbito da sociedade civil – seja na defesa de interesses corporativos, seja na defesa dos chamados direitos difusos, como os assuntos relacionados à proteção do meio ambiente.
O fenômeno, claro, não é genuinamente brasileiro: a influência dessas organizações é reconhecida mundo afora, a ponto de o seu campo de ação ser classificado como Terceiro Setor, que por sua vez cresce a taxas superiores às do Primeiro Setor (Estado) e do Segundo Setor (mercado).
Especificamente no que se refere às entidades ambientalistas, a crise ecológica decorrente do aquecimento do planeta conferiu-lhes ainda mais relevância. Não à toa, nas conferências das Nações Unidas e nas negociações de pactos globais como o Acordo de Paris, que tem como alvo a redução do carbono presente na atmosfera, os representantes dessas instituições recebem posição de destaque nos espaços deliberativos.
Lamentavelmente, os governos populistas, em especial em países em desenvolvimento, costumam limitar o papel das organizações da sociedade civil, arvorando-se em únicos conhecedores dos interesses do povo. Preferem inventar mecanismos fortuitos de participação popular ao invés de promover o protagonismo da sociedade.
Voltando aos deslumbramentos e desconfianças, diga-se que, conquanto duas CPIs tenham sido instauradas, nenhum grande esquema de corrupção foi desvendado, nenhum estratagema de repasse sistemático de dinheiro a ONGs foi comprovado.
Certamente que, da mesma forma como acontece em relação aos órgãos estatais e às empresas, as entidades da sociedade civil não estão imunes a casos isolados de desvios e irregularidades. Mas o país dispõe de sistemas de controle e de organismos como o Ministério Público e a Polícia Federal, que demandam investimento enorme da sociedade para coibir a corrupção em todos os três setores.
Se por um lado não existe tramoia para desvio contumaz de verba governamental, por outro parece evidente que a despeito de sua natureza privada, as organizações da sociedade civil precisam contar com recursos oriundos do orçamento público para realizar atividades que são igualmente de interesse público.
A experiência demonstra que quanto mais atuante é a sociedade, mais proeminente é o Terceiro Setor e maior é a eficiência estatal na aplicação do dinheiro público.
  
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Mais mata ciliar



* Ecio Rodrigues
Depois de muita discussão e controvérsia, o Código Florestal aprovado em 2012 acabou por não aumentar a faixa mínima de mata ciliar a ser obrigatoriamente mantida nas propriedades rurais, tendo estabelecido a mesma largura de 30 metros prevista na legislação anterior.
Pior: nos casos de recomposição – quer dizer, nas situações em que a mata ciliar já foi desmatada além dos 30 metros –, a largura obrigatória cai para insignificantes 5 metros, algo totalmente insano.
A decisão dos legisladores se mostrou um erro por várias razões – especialmente porque torna consciencioso quem cumpre a lei, apesar de não adiantar muita coisa.
Quando se fala nos serviços prestados pela mata ciliar, geralmente faz-se referência apenas à prevenção de assoreamentos e desbarrancamentos; contudo, pesquisas demonstram a estreita relação que existe entre a quantidade de biomassa florestal presente na mata ciliar e o equilíbrio hidrológico dos rios.
A interação entre água e florestas se evidencia sobretudo na Amazônia, diante da ocorrência de sucessivos eventos extremos, envolvendo secas e alagações. O fato é que, embora as florestas não possam evitar esses eventos, os efeitos deles decorrentes são potencializados pelo desmatamento da mata ciliar.  
Todavia, uma faixa de 30 metros de largura não oferece o mínimo indispensável, em termos de biomassa florestal, para possibilitar a necessária interação e promover influência significativa sobre o fluxo do rio.
Por outro lado, há mais um fator a objetar a largura mínima prevista no Código Florestal: o fogo. Ocorre que na Amazônia, região designada como “Terra das águas”, por conta de sua imensa rede hidrográfica, a prática agrícola da queimada é legitimada pelas normas ambientais.
Ora, com meros 30 metros de largura, a mata ciliar arde junto com o pasto submetido à queimada e não impede que o fogo atinja os corpos d’água. Não há umidade suficiente nessa exígua quantidade de biomassa florestal para evitar a propagação do fogo – que vai aquecer a água, aumentar a evaporação, e comprometer a fauna terrestre e a ictiofauna no local.
Ante a óbvia constatação de que a largura mínima da mata ciliar não pode ser determinada em função da disponibilidade de terras para criação de gado, a pressão internacional levou o país a se comprometer, perante o “Acordo de Paris” (pacto global que entrou em vigor em novembro de 2016), com a recuperação de doze milhões de hectares de florestas nativas, a maior parte em mata ciliar, até 2030.
É uma meta ambiciosa para os padrões nacionais, já que isso nunca foi objeto de prioridade. Por meio do Decreto 8.972/2017, o Executivo instituiu o que chamou de Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa - Proveg.
Trata-se de usar o dinheiro do orçamento federal para estimular estados e municípios a conceber um plano, denominado por sua vez de Planaveg, prevendo a restauração da mata ciliar dos rios que correm em seus respectivos territórios.
A expectativa é que o Planaveg logre alargar a reduzida largura fixada pelo Código Florestal para a faixa de mata ciliar, e forneça atratividade econômica a esse tipo especial de floresta.
Melhor ainda, as atividades de restauração florestal de mata ciliar, que abrangem coleta de sementes de espécies nativas, produção de mudas e o próprio plantio restaurador, podem se converter em importante mecanismo de geração de emprego e renda para as frágeis economias das cidades do interior da Amazônia.
Jamais a extensão da mata ciliar poderia ser contraposta à quantidade de solo disponível para a criação de gado ou a produção de alimentos – foi aí que o debate perdeu o bom senso e descarrilou de vez.
Afinal, quem precisa de comida não vive sem água.  

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A Estação Ecológica e a produção de água no Rio Acre



* Ecio Rodrigues
Cresce mundo afora o consenso de que as florestas tropicais, sobretudo as da Amazônia, devem ser remuneradas pelos serviços de purificação do ar e da água que prestam à sociedade.
São os chamados “serviços ambientais”. No caso da água, além de influir na qualidade, a floresta também contribui de maneira efetiva na quantidade de água que corre em rios e igarapés. A floresta – para usar um termo técnico – favorece a vazão e o equilíbrio hidrológico dos rios.
Reconhecer o serviço prestado pelas formações florestais no fornecimento de água às populações urbanas é o primeiro passo para se determinar o preço desse serviço – ou precificar, como gostam os economistas.
O último e mais complexo passo dessa equação se refere ao estabelecimento dum mecanismo que faça chegar ao produtor que maneja a floresta o dinheiro pago pelo benefício trazido por ela.
Nesse ponto, é preciso saber com clareza quem demanda e quem oferta o serviço de melhoria na qualidade (e na quantidade) da água. Pelo lado da demanda, as empresas distribuidoras devem pagar pelo serviço; pelo lado da oferta, as propriedades que mantêm formações florestais na área de influência do rio são as provedoras.
Deve ser mínima a participação estatal na intermediação desse contrato especial de prestação de serviço – o ideal é que as empresas paguem diretamente ao produtor, de forma proporcional ao tamanho da área de floresta por ele manejada (ou conservada) em proveito do rio.
A Estação Ecológica do Rio Acre, unidade de conservação criada em 1981 e localizada na nascente do rio que lhe empresta o nome, no município de Assis Brasil, poderia configurar um excelente laboratório para a estruturação dum sistema de pagamento que remunere o serviço de produção de água na Amazônia.
Abrangendo 77.500 hectares de floresta nativa e situada na área de influência da cabeceira do rio, essa Estação Ecológica, como deixa claro o decreto presidencial que a criou, tem importância estratégica para as oito cidades abastecidas pelo rio Acre.
Por outro lado, observa-se que é intensa a degradação florestal da mata ciliar na maior parte dos 890 km cortados pelo rio Acre, desde a nascente até a foz, quando desagua no Purus (no município de Boca do Acre). Essa degradação, não precisa dizer, é causada pela pecuária destinada à criação extensiva de gado.
A realidade da ação antrópica reforça a relevância da área de florestas presente na Estação Ecológica para a manutenção de índices de vazão compatíveis com a demanda urbana por água, atual e futura. As florestas intactas ali existentes (sendo que permaneceram intactas por causa da unidade de conservação) são fundamentais para o equilibro hidrológico do rio.
Lamentavelmente, todavia, o Plano de Manejo que orienta o funcionamento dessa Estação Ecológica, concluído mediante a elaboração dum conjunto expressivo de estudos, não forneceu à produção de água a importância devida.
Por seu turno, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) nunca se preocupou em calcular o valor econômico do serviço que a Estação presta à água do rio Acre – no que se refere ao abastecimento urbano.
Certamente, os recursos auferidos pelo pagamento desse serviço singular, além de custear as atividades de manejo florestal necessárias à produção de água pela Estação Ecológica, ajudariam a dinamizar a frágil e insipiente economia de Assis Brasil.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.