segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Mais mata ciliar



* Ecio Rodrigues
Depois de muita discussão e controvérsia, o Código Florestal aprovado em 2012 acabou por não aumentar a faixa mínima de mata ciliar a ser obrigatoriamente mantida nas propriedades rurais, tendo estabelecido a mesma largura de 30 metros prevista na legislação anterior.
Pior: nos casos de recomposição – quer dizer, nas situações em que a mata ciliar já foi desmatada além dos 30 metros –, a largura obrigatória cai para insignificantes 5 metros, algo totalmente insano.
A decisão dos legisladores se mostrou um erro por várias razões – especialmente porque torna consciencioso quem cumpre a lei, apesar de não adiantar muita coisa.
Quando se fala nos serviços prestados pela mata ciliar, geralmente faz-se referência apenas à prevenção de assoreamentos e desbarrancamentos; contudo, pesquisas demonstram a estreita relação que existe entre a quantidade de biomassa florestal presente na mata ciliar e o equilíbrio hidrológico dos rios.
A interação entre água e florestas se evidencia sobretudo na Amazônia, diante da ocorrência de sucessivos eventos extremos, envolvendo secas e alagações. O fato é que, embora as florestas não possam evitar esses eventos, os efeitos deles decorrentes são potencializados pelo desmatamento da mata ciliar.  
Todavia, uma faixa de 30 metros de largura não oferece o mínimo indispensável, em termos de biomassa florestal, para possibilitar a necessária interação e promover influência significativa sobre o fluxo do rio.
Por outro lado, há mais um fator a objetar a largura mínima prevista no Código Florestal: o fogo. Ocorre que na Amazônia, região designada como “Terra das águas”, por conta de sua imensa rede hidrográfica, a prática agrícola da queimada é legitimada pelas normas ambientais.
Ora, com meros 30 metros de largura, a mata ciliar arde junto com o pasto submetido à queimada e não impede que o fogo atinja os corpos d’água. Não há umidade suficiente nessa exígua quantidade de biomassa florestal para evitar a propagação do fogo – que vai aquecer a água, aumentar a evaporação, e comprometer a fauna terrestre e a ictiofauna no local.
Ante a óbvia constatação de que a largura mínima da mata ciliar não pode ser determinada em função da disponibilidade de terras para criação de gado, a pressão internacional levou o país a se comprometer, perante o “Acordo de Paris” (pacto global que entrou em vigor em novembro de 2016), com a recuperação de doze milhões de hectares de florestas nativas, a maior parte em mata ciliar, até 2030.
É uma meta ambiciosa para os padrões nacionais, já que isso nunca foi objeto de prioridade. Por meio do Decreto 8.972/2017, o Executivo instituiu o que chamou de Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa - Proveg.
Trata-se de usar o dinheiro do orçamento federal para estimular estados e municípios a conceber um plano, denominado por sua vez de Planaveg, prevendo a restauração da mata ciliar dos rios que correm em seus respectivos territórios.
A expectativa é que o Planaveg logre alargar a reduzida largura fixada pelo Código Florestal para a faixa de mata ciliar, e forneça atratividade econômica a esse tipo especial de floresta.
Melhor ainda, as atividades de restauração florestal de mata ciliar, que abrangem coleta de sementes de espécies nativas, produção de mudas e o próprio plantio restaurador, podem se converter em importante mecanismo de geração de emprego e renda para as frágeis economias das cidades do interior da Amazônia.
Jamais a extensão da mata ciliar poderia ser contraposta à quantidade de solo disponível para a criação de gado ou a produção de alimentos – foi aí que o debate perdeu o bom senso e descarrilou de vez.
Afinal, quem precisa de comida não vive sem água.  

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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