domingo, 18 de janeiro de 2015

Em 2014, Amazônia se aproxima da sustentabilidade




* Ecio Rodrigues
Em 2014, o desmatamento na Amazônia reduziu 18%, tendo alcançado uma área inferior a 5.000 km².
Não se trata, obviamente, de uma área pequena – longe disso. Todavia, depois do susto tomado em 2013, quando o desmatamento cresceu 28% e os analistas chegaram a prever um “repiquete”, vale dizer, uma nova e perigosa fase de elevação, a queda de 2014 foi recebida com entusiasmo.
Mas ainda é cedo para conjecturas, e a concretização de alguma tendência, de declínio ou de ascensão, vai depender do que ocorrer daqui para a frente. Se houver recuperação econômica, junto com obras de expansão da infraestrutura (por exemplo, o asfaltamento da rodovia BR 319, entre Porto Velho e Manaus), certamente o risco da ampliação do desmatamento aumentará consideravelmente.
Além da redução ocorrida na taxa de desmatamento, 2014 trouxe outras boas novas para a Amazônia e a conquista da sustentabilidade.
Os resultados obtidos na COP 20, reunião da ONU realizada em Lima, foram positivos, na medida em que um novo acordo climático global, em substituição ao Protocolo de Kyoto, deverá ser assinado em Paris no final de 2015.
A expectativa é a de que o novo acordo climático seja inflexível em relação ao desmatamento e, o melhor, estabeleça mecanismos para a valorização das formações florestais como instrumento-chave da chamada economia de baixo carbono.
Significa que, num futuro cada vez mais próximo, o país que conservar áreas de florestas, sobretudo nativas e especialmente na Amazônia, terá acesso a recursos financeiros compensatórios e volumosos.
A composição do Fundo das Mudanças Climáticas, que recebeu aportes consideráveis dos países desenvolvidos, demonstra que o tema do aquecimento do planeta chegou à condição de prioridade política internacional.
E falando em ganhos para a sustentabilidade da Amazônia, não se pode deixar de fazer referência – por mais contraditório que possa parecer – às implicações decorrentes da crise de água no Sudeste do país.
Tudo indica que, no caso da expressiva queda observada no volume d’água do Sistema Cantareira (para dar o exemplo de são Paulo), os efeitos das alterações no clima se concretizaram na falta de chuvas.
Pois bem. Existem evidências científicas de que o desmatamento na Amazônia, sua localização e ampliação anual, interfere no regime pluviométrico da região Sudeste, aumentando ou reduzindo a quantidade de água que cai do céu.
Ou seja, a destruição das florestas – de longe o mais grave problema ambiental da Amazônia – além dos inúmeros prejuízos sociais e econômicos que causa na própria região, ainda pode ter parcela de culpa na seca que aflige São Paulo.
Mas, enfim, sem querer fazer apologia da tese “quanto pior, melhor”, não há dúvida que esse tipo de constatação é importante para a sustentabilidade, já que ajuda a fechar o cerco contra o desmatamento.
Resta mencionar, finalmente, o estudo desenvolvido pela Embrapa e que, tendo sido praticamente ignorado pela imprensa, pôs em xeque a produtividade da pecuária na Amazônia, onde para cada boi criado é necessário desmatar um hectare de floresta.
Quem sabe, as conclusões desse estudo tragam à tona o que deveria ser óbvio: o fato de que uma atividade com produtividade tão irrelevante não pode ser financiada com dinheiro público.
A desmitificação da pecuária como atividade importante para a região aproxima a Amazônia da sustentabilidade. Se é para criar boi, que seja longe daqui.
    

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Sobre árvores de garrafa PET




* Ecio Rodrigues
Importante ressaltar de pronto: sob a perspectiva da sustentabilidade, não adianta reciclagem sem reuso.
Como o que importa, em termos ecológicos, é a redução das matérias-primas indesejáveis no meio ambiente, dar novos usos a produtos confeccionados com PET (politereftalato de etileno) não traz nenhum benefício para a sustentabilidade ecológica do planeta. Pelo contrário, a cada novo uso, uma quantidade maior desse material indesejável será, obviamente, produzida.
Para entender melhor. A produção de PET é indesejável por uma razão de fácil compreensão: geração de lixo inorgânico. Ocorre que esse tipo de matéria-prima, usada em especial na fabricação de embalagens de alimentos e bebidas, demora cerca de 1.000 anos para desaparecer do ambiente.
Significa, então, que as embalagens de PET usadas e descartadas permanecem nos lixões por um período não inferior a mil anos – ou seja, para sempre. Resíduos orgânicos como papel também lotam os lixões, porém com uma diferença fundamental: desaparecem (ou voltam ao ciclo natural) em semanas ou dias.
A demanda pela produção de PET surgiu e se ampliou justamente em função da possibilidade de reciclagem, já que se trata de uma matéria-prima com propriedades termoplásticas, que pode ser reprocessada diversas vezes. Embora inventada pelos britânicos na década de 1940, somente na década de 1970 deu-se a produção das primeiras garrafas.
Depois, na década de 1980, americanos e canadenses começaram a reciclar garrafas PET, inicialmente para a manufatura de tecidos, lâminas e recipientes para produtos não alimentícios; mais tarde, já nos anos 1990, chegou-se ao uso do PET reciclado para o acondicionamento de bebidas e alimentos.
O fato é que, como a cada novo uso a demanda aumenta, atualmente a produção de PET alcança cifras assustadoras, a ponto de representar expressivo fator de receita para a multimilionária indústria do petróleo. Quer dizer, essa poderosíssima indústria, que vende gasolina e diesel, por incrível que pareça, teme perder ou ter que reduzir o seu setor de PET.
Voltando ao título desse artigo, há uma questão que deve ser levantada, sobre a qual existe muita desinformação. Se não adianta reciclagem sem reuso, a confecção de árvores de natal com garrafas PET não traz nenhum benefício para o meio ambiente.
Suponha-se que todas as cidades, das mais de cinco mil existentes no Brasil, fizessem sua decoração de natal com árvores de garrafa PET. O que tal medida representaria para a redução da quantidade de PET produzida no país? A resposta é: nada, coisa nenhuma.
Pior ainda, como as garrafas usadas nas árvores de natal não voltam a ser garrafas, o que acaba acontecendo – repita-se – é a ampliação da demanda por PET. No fim, vai tudo parar nos lixões, aumentando ainda mais a poluição.
Pois bem. Se, por um lado, o Natal de PET não implica ganhos para a sustentabilidade do planeta, por outro, possui valor estético discutível, já que as árvores de garrafa, decididamente, não são nenhum exemplo de refinamento. No fim das contas, portanto, não faz o menor sentido usar garrafas PET na decoração natalina.
E, se não faz sentido em qualquer lugar do país, o que dizer no caso das cidades amazônicas? Na Amazônia, além de evidenciar desconhecimento sobre o tema da sustentabilidade, as arvores de garrafas PET são quase uma heresia. Afinal, estamos falando da maior floresta tropical do mundo, onde árvores de verdade não faltam!
Natal de PET. Não deixa de ser sintomático que, em plena floresta amazônica, as árvores de garrafa PET sobreponham-se às verdadeiras.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Natal de lixo na Amazônia




* Ecio Rodrigues
Ao que parece, a Prefeitura de Porto Velho resolveu contratar um borracheiro para enfeitar a cidade para o Natal. Nada contra os borracheiros, mas convenhamos que improvisar árvores de natal com pneus não é bem o que se espera de uma decoração natalina.
Três pressupostos deveriam pautar a tomada de decisão de um agente público, no que concerne à decoração natalina de uma cidade.
Antes de discutir esses pressupostos, contudo, é preciso reforçar o que todo o mundo já sabe: que os enfeites de natal servem para aumentar a estima da população para com a cidade, o que se reflete em atitudes positivas em relação ao pagamento de impostos, à conservação de equipamentos públicos, em ações, enfim, de cidadania e urbanidade.
O primeiro pressuposto para a escolha dos arranjos natalinos é, como não poderia ser diferente, o efeito estético que a ornamentação irá causar, considerando-se sua adequação à paisagem urbana e, o mais importante, o que a sociedade local valoriza nessa paisagem.
Nesse quesito, as árvores de natal de pneu são exemplo de insensatez. Expostas nos canteiros da Avenida Jorge Teixeira, uma das principais de Porto Velho, elas destoam completamente do jardim ao redor. Pintados de verde, numa demonstração de mau gosto, os pneus tentam imitar as árvores reais. Por outro lado, não dá para imaginar que os habitantes daquela capital prefiram pneus usados, em detrimento, por exemplo, das próprias plantas presentes no jardim.
O segundo pressuposto diz respeito ao orçamento. Por mais que muitos brasileiros sigam acreditando que os serviços públicos não têm custos, o preço dos enfeites certamente pesa no orçamento das municipalidades menos abastadas, levando à escolha da decoração que importe em menor gasto.
A opção pelo menor preço, evidentemente, encontra limites. Mesmo que os custos com a compra de materiais esdrúxulos (como pneus usados) sejam bem menores que uma ornamentação mais sofisticada, a decisão da autoridade pública deve se basear no que os economistas chamam de custo/benefício.
Quer dizer, não adianta o baixo custo, se os benefícios são duvidosos. De que vale uma decoração barata, se o valor estético dessa decoração é discutível?
Finalmente, há também o pressuposto da sustentabilidade. Numa época em que o mundo tenta encontrar caminhos para a consolidação da denominada economia de baixo carbono, em substituição ao atual sistema econômico baseado no petróleo, parece adequado, especialmente no caso das cidades amazônicas, que os enfeites de natal espelhem algum grau de preocupação com o destino da humanidade.
Ironicamente, é provável que justamente esse pressuposto tenha sido a maior justificativa para a criação das árvores de pneus. Nada mais equivocado. Ocorre que existe uma confusão perigosa entre o significado dos termos “reciclagem” e “reuso”.
Sob a perspectiva da sustentabilidade, não adianta reciclagem sem reuso, uma vez que o princípio a ser observado, necessariamente, é o da diminuição das matérias-primas indesejáveis no meio ambiente. Para que essa diminuição ocorra, por sua vez, a matéria-prima reciclada deve ser transformada num produto idêntico ao original; isto é, os produtos reciclados devem forçosamente retornar ao mesmo uso.
Se, como ocorre com as árvores de pneu e de PET, é criado um uso novo para a matéria-prima reciclada, ao invés de diminuir, ela irá aumentar no meio e, obviamente, nos lixões.
Enquanto decisões públicas forem tomadas com indiferença, na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, as árvores de natal serão de lixo.
  
* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.