sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O Terceiro Setor e as cidades



Aurisa Paiva*
Estudos abrangendo a importância das organizações criadas pela sociedade para o cotidiano das cidades ainda são deveras incipientes.
De maneira geral, tanto a população quanto os gestores públicos não se preocupam com o ambiente de negócios (como gostam de dizer os administradores) em que atuam as entidades incluídas na denominação Terceiro Setor.
Para aqueles que preferem chamar de Organização Não Governamental (o que é um tanto pejorativo) ou Organização da Sociedade Civil (o que traduz um viés equivocado de esquerda), explica-se que o termo Organização do Terceiro Setor parece mais coerente, uma vez que não sugere juízo de valor e pretende tão somente diferenciar essas organizações de outros dois setores sociais e econômicos: o estatal e o de mercado.
Explicando melhor, o Primeiro Setor corresponde às pessoas jurídicas de direito público que possuem a função precípua de aplicar os recursos oriundos dos impostos pagos pela sociedade em serviços inerentes à ação estatal – tais como regulação de atividades, exercício do poder de polícia, elaboração e aplicação das normas –, sejam esses serviços afetos ao Executivo, ao Legislativo ou ao Judiciário.
São serviços que não podem ser delegados ao Segundo Setor, composto, por sua vez, pelas pessoas jurídicas de direito privado que atuam no mercado. O Segundo Setor inclui empreendimentos industriais, comerciais e de serviços, responsáveis por ofertar vestimentas, comida, transporte, saúde, educação – enfim, um rol de bens e serviços, comercializados sob um determinado preço, obviamente, de acordo com a demanda da sociedade.
O que em tese caracteriza as entidades do Terceiro Setor é o fato de que, a despeito de sua natureza privada, não fazem distribuição de dividendos (ou seja, não estão inseridas no âmbito do mercado) e prestam um serviço considerado público.
Todavia, na falta de um marco legal para distinguir corretamente esse tipo de organização, a denominação “terceiro setor” acaba por abrigar um amplo leque de perfis institucionais, abrangendo desde entidades que atuam exclusivamente na defesa de interesses privados (como as associações profissionais e de moradores) até instituições que operam na tutela de direitos difusos – como as entidades ambientalistas do feitio do Greenpeace e do WWF (Fundo Mundial para a Natureza).
Enquanto o setor estatal e o de mercado recebem destacada atenção da sociedade, em especial no que se refere à promoção de suas funções, o Terceiro Setor patina entre a incompreensão e o preconceito.
Sem embargo, a superação desse dilema certamente é o que vai diferenciar, no futuro, as cidades com maior IDH.
*Procuradora da cidade de Rio Branco.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Energia elétrica com carvão mineral é o fim, melhor manter o veto



* Ecio Rodrigues
Durante a discussão que culminou na conversão em lei da Medida Provisória 735/2016, conhecida como MP do Setor Elétrico, enquanto um grupo de senadores se propôs a repetir o triste espetáculo da defesa de uma tarifa zero para a população carente (uma espécie de “bolsa-energia”), outros se preocuparam em chamar a atenção para o risco que a MP embutia, ao prever a retomada do carvão mineral.
Deixando de lado os resquícios de populismo anacrônico, de fato a parte assustadora da MP residia em seu artigo 20, que prescrevia o seguinte:
Art. 20. O poder concedente deverá criar programa de modernização do parque termelétrico brasileiro movido a carvão mineral nacional para implantar novas usinas que entrem em operação a partir de 2023 e até 2027 [...]
Ora, depois da elogiada atuação da diplomacia brasileira no processo que levou o país a aderir ao Acordo de Paris, a aprovação de uma legislação para promover as usinas termoelétricas movidas a carvão mineral seria, no mínimo, um insulto às nações que subscreveram o pacto global.
Insulto que se agrava na medida em que, entre as ações propostas pelo Brasil para reduzir sua contribuição na produção mundial de carbono a partir de 2020, provavelmente a principal delas se refere à construção de novas hidrelétricas, como forma de ampliar as fontes limpas de geração de energia elétrica.
Cabe aqui um esclarecimento. Sob a perspectiva do aquecimento planetário, as hidrelétricas e as termoelétricas movidas a óleo diesel representam dois extremos: as primeiras são reconhecidas como uma das fontes mais limpas de geração de energia elétrica, enquanto as segundas são uma das mais sujas. As primeiras são o ideal, as segundas, o fim do mundo. Assim mesmo.
No que se refere ao carvão, o raciocínio não é tão simples, mas vamos lá.
Quando o combustível empregado na caldeira (para gerar energia elétrica) é o carvão mineral, não há muita diferença em relação ao óleo diesel – o fim do mundo é o mesmo. Ambos os combustíveis são obtidos de jazidas de fósseis ricas em carbono, que, por sua vez, vai parar na atmosfera e aquece o planeta depois de queimado.
Tudo muda radicalmente quando o carvão a ser queimado é o vegetal, que é obtido de matérias-primas renováveis, como a madeira e o ouriço de castanha. Nesse caso, diz-se que o balanço do carbono é zero, pois a quantidade de carbono jogada na atmosfera, em tese, é assimilada no sistema pelas novas árvores plantadas para a produção de madeira.
Voltando à MP do Setor Elétrico: a insensatez prevaleceu e os senadores e deputados, convertendo a MP na Lei 13.360/2016, aprovaram o artigo 20 para promover o carvão mineral.
Felizmente, o bom-senso foi recuperado quando o Executivo vetou o dispositivo, sob a justificativa sucinta de que o artigo 20:
“... estimula matriz energética que vai de encontro a acordos internacionais dos quais o país é signatário.”
Assim mesmo. É inegável que o veto foi uma atitude corajosa, especialmente quando se considera que o país precisa de medidas impopulares para salvar as contas públicas – medidas que certamente não serão aprovadas por parlamentares insatisfeitos. Mas, embora tenha sido uma vitória louvável, não nos livramos da ameaça do carvão mineral.
O veto volta, em algum momento, ao encontro da insensatez dos parlamentares – e o carvão mineral poderá ressurgir das cinzas. 
 
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Consulta pública: IFC e FGV apresentam diretrizes para investimento na Amazônia

Documento, que tem como objetivo embasar decisões em planejamento e implementação de obras de infraestrutura para a região amazônica, está em consulta pública até 12 de fevereiro
A International Finance Corporation (IFC), do Grupo Banco Mundial, e o Gvces (Centro de Estudos em Sustentabilidade) da FGV/EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas) abriram consulta pública sobre um conjunto de diretrizes para planejamento, implementação e operação de grandes projetos de infraestrutura na Amazônia. Acesse aqui: http://consulta-grandesobras.gvces.com.br/
As orientações foram construídas ao longo de 2015 e 2016 e contaram com a participação ativa de mais de 300 pessoas, representantes de mais de 130 instituições e lideranças de diversos setores (governo federal, governos locais, bancos, universidades, representantes de comunidades tradicionais, povos indígenas e quilombolas, organizações da sociedade civil, investidores, setor privado), que compartilharam em oficinas, fóruns e grupos de trabalho experiências e aprendizados para a criação de relações mais harmônicas entre os grandes empreendimentos e os territórios que os recebem.
A consulta, que termina em 12 de fevereiro de 2017, aborda os seis eixos temáticos trabalhados no processo participativo:
Planejamento e Ordenamento Territorial
Capacidades Institucionais
Instrumentos Financeiros
Povos Indígenas, Comunidades Tradicionais e Quilombolas
Crianças, Adolescentes e Mulheres
Supressão Vegetal Autorizada
“O setor privado tem um papel chave para ajudar a viabilizar o programa ambicioso de infraestrutura do Brasil, e os vários gargalos que precisam ser superados. Como instituição de desenvolvimento, queremos apoiar esse processo, para que ele ocorra da melhor forma possível”, comenta Hector Gomez Ang, Gerente Geral da IFC no Brasil. “Estas diretrizes fortalecem a ideia de que um processo de instalação mais previsível, ordenado e harmônico dialoga com a gestão de riscos pertinente a governos, setor empresarial e comunidade financeira”, explica.
“O que esperamos como resultado é que o documento receba a contribuição dos mais diversos setores e que, ao ser concluído, sirva de inspiração para investidores, empreendedores e comunidades, e para a elaboração de políticas públicas”, diz Mario Monzoni, coordenador-geral do Gvces. “As diretrizes foram elaboradas em um processo participativo e representativo, e por isso podem colaborar como um novo modelo de estímulo ao desenvolvimento territorial, que leve em consideração as necessidades locais e reduza os riscos ambientais, sociais e econômicos do investimento.”
O objetivo é que o documento seja constantemente atualizado de acordo com as mudanças econômicas e sociais na região, mas que sirva sempre como uma base de referência para a implementação de grandes obras na Amazônia no futuro.
CONTEXTO
A região amazônica deve receber nos próximos anos vultosos investimentos em obras de infraestrutura, como hidrelétricas, portos, mineração e corredores logísticos, como forma de alavancar o desenvolvimento regional e a economia do Brasil. Ao mesmo tempo, há um extenso histórico de conflitos na realização desses projetos, ao passo que a região amazônica em geral ainda convive com alguns dos piores indicadores sociais do País.
Além disso, as tendências de flexibilização do licenciamento ambiental apontam para aumento dos riscos associados aos impactos socioambientais, tanto para comunidades locais quanto para empresas, governos e financiadores.
O processo de consolidação das diretrizes surgiu como uma oportunidade para que os mais diversos públicos afetados por decisões no tema e na região dialogassem e reunissem aprendizados para sistematizar melhores práticas para mitigar riscos para empresas, investidores e comunidades afetadas.
DIRETRIZES/PRINCIPAIS MENSAGENS
1 Um processo de planejamento territorial precisa complementar as medidas e concertações hoje lideradas pelo licenciamento ambiental, com arranjo de governança próprio, dinâmico e representativo dos diferentes interesses do território impactado
2 Instrumentos financeiros devem interagir com os recursos existentes, suplantar lacunas associadas ao desenvolvimento da região, com estratégia financeira adequada e tomada de decisão representativa e transparente. Idealmente, devem ser de caráter antecipatório.
3 O fortalecimento das capacidades institucionais é fundamental para os processos, e deve incluir os empreendedores, o poder público na esfera federal e estadual, e a própria sociedade civil Deve incorporar não apenas recursos humanos, tecnológicos e financeiros, mas também comportamentos e valores
4 Povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas devem ter seus direitos garantidos,sendo envolvidos nas tomadas de decisão em grandes obras, de forma a respeitar a consulta prévia e seu conhecimento tradicional, além de possibilitar o acompanhamento/entendimento adequado do licenciamento ambiental.
5 Os impactos a crianças, adolescentes e mulheres devem ser identificados nas fases preliminares e ações devem ser desenvolvidas para o fortalecimento da rede de proteção, incluindo-se as infraestruturas necessárias.
6 Deve ocorrer planejamento adequado dos usos do recurso florestal oriundo de supressão vegetal autorizada, priorizando usos que apoiem novas cadeias florestais e o desenvolvimento local

Fonte: FGV / http://amazonia.org.br