domingo, 24 de junho de 2018

A guerra de canudos do Rio


* Ecio Rodrigues
Em 2003, a cidade do Rio de Janeiro impôs (a estabelecimentos como lanchonetes e restaurantes) a obrigatoriedade do emprego de canudos de plástico.
Em 2018, os canudos de plástico estão a ponto de ser proibidos. Trata-se de um projeto de lei proposto por um vereador e já aprovado na Câmara, à espera apenas da sanção do prefeito.
Há 15 anos, a justificativa para compelir o uso do canudo foi de ordem sanitária: a intenção era proteger a saúde pública, evitando o contato da boca do cliente com copos e garrafas.
Agora, o argumento dos vereadores cariocas para banir do mercado o canudo de plástico, substituindo-o pelo de papelão, decerto é mais inteligente; ademais, está em consonância com os ideais de sustentabilidade preconizados no mundo – respaldando-se, inclusive, no adjetivo biodegradável, um termo muito caro aos ambientalistas.
Diz-se que um produto é biodegradável quando ele desparece da natureza num curto espaço de tempo. É o caso dos produtos confeccionados à base de papel. Diversamente, o plástico pode permanecer por 5 mil anos no ecossistema.
Pior, o destino final dos produtos de plástico acaba sendo os oceanos, onde vão parar no estômago de animais marinhos, ou na famigerada ilha de lixo do Pacífico, uma mancha de detritos com mais de 1 milhão de km² e que continua crescendo. É tão grave a situação, que existe um movimento para transformar a ilha num país-membro da ONU, como forma de atribuir responsabilidades e buscar soluções.
Quanto ao papel, além de ser uma matéria-prima biodegradável, também é renovável. Quer dizer, não precisa de reciclagem, como se tenta fazer há muito tempo (e pouco sucesso) com artigos manufaturados com resíduos de petróleo, como PVC e plástico.
Talvez resida aí o ponto mais importante da louvável iniciativa dos vereadores – que, como dito, ainda depende de sanção.
Poucos conseguem entender a diferença entre as matérias-primas renováveis e não renováveis, mas esse detalhe faz toda a diferença na composição final do lixo produzido pela humanidade, e no impacto ambiental dele decorrente.
Cabe destacar aqui que, no campo do cultivo de árvores, em especial dos gêneros eucalipto e pinus, a Engenharia Florestal brasileira é internacionalmente reconhecida, tendo logrado obter elevada produtividade por hectare plantado e alta qualidade na madeira produzida.
Dadas as condições de solo e clima presentes em território nacional, com superioridade comprovada das regiões Sudeste e Sul (nessa ordem para os dois gêneros acima), atualmente é possível colher uma árvore adulta de eucalipto com menos de 6 anos de idade, para fins de industrialização da celulose e fabrico de papel de excelente qualidade.
Há quem questione a sustentabilidade da celulose – que, para ser produzida, depende da derrubada de árvores. Um questionamento comum, contudo, extremamente equivocado.
Compreender essa – digamos – equação da sustentabilidade é a chave para definir a conveniência ou não do consumo de quase tudo o que hoje se produz.
Acontece que o papel é uma matéria-prima renovável, uma vez que a árvore de eucalipto colhida para a sua produção é substituída por outra muda de eucalipto, a ser extraída em até 6 anos, quando uma nova muda de eucalipto é plantada, e o ciclo se fecha, num sustentável processo de renovação.
Não apenas os canudos devem ser de papelão/celulose, a lista dos vereadores cariocas poderia ser ampliada com pratos, talheres, copos, sachês de mostarda e ketchup, invólucros de balas e bombons, pazinhas de sorvete... E assim por diante.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 17 de junho de 2018

O Fundo de Compensação Ambiental e a Amazônia


* Ecio Rodrigues
Desde sua criação, há mais de 10 anos, o órgão responsável pelo gerenciamento das unidades de conservação federais, conhecido pelo sofrível acrônimo ICMBio, usa as desculpas de sempre para se defender das críticas que recebe, por conta de sua flagrante ineficiência: falta de dinheiro, de pessoal, de viaturas.
Ultimamente, essas desculpas foram substituídas por um mantra que ecoa nos corredores do órgão em Brasília e nas regionais espalhadas pelo país, e que responsabiliza a “ausência de vontade política do atual governo” por um “retrocesso na condução da política nacional de meio ambiente”.
O mantra é exaustivamente repetido por um número considerável de organizações ambientalistas que, sabe-se lá por quais motivos, odeiam o atual governo e sonham com a volta do anterior.
Essa insatisfação, contudo, não é nada razoável. As ações empreendidas e os resultados alcançados pela área ambiental do governo demonstram, ao contrário do que se apregoa, avanços inequívocos em relação a temas que permaneceram travados nos últimos 15 anos.
Importa ressaltar de imediato uma crucial mudança de postura no tocante à Amazônia, já que é clara a prioridade conferida a assuntos de relevância para a região. Os fatos demonstram que a floresta amazônica voltou a gozar do merecido status de projeto nacional, renegado desde 2003.
Entre as iniciativas levadas a efeito, a promulgação da Lei 13.668/18, proposta pela Presidência da República para alterar a Lei do Snuc, merece destaque por várias razões, em especial por indicar uma saída à reiterada falta de orçamento do ICMBio.
A norma cria um fundo para a integralização dos recursos oriundos da compensação ambiental. Como se sabe, esse mecanismo existe desde a instituição do Snuc, em 2000, todavia, por falta de regulação, o dinheiro não podia ser movimentado, tendo ficado à espera de destinação durante quase 20 anos. 
De acordo com o diploma legal, o ICMBio irá selecionar um banco estatal para administrar os valores depositados pelas empresas a título de compensação ambiental. Trata-se de um montante hoje estimado (por baixo) em 1,2 bilhão de reais. Desse expressivo saldo, 60% serão empregados na indenização das áreas já desapropriadas e transformadas em unidades de conservação, com óbvia primazia para a Amazônia.
A expectativa é que os 40% restantes sejam investidos na elaboração e execução de planos de manejo, principal referência técnica a orientar o uso econômico da biodiversidade no âmbito das unidades de conservação.
A lei traz outra novidade, introduzida pelo relator do projeto no Congresso, senador Jorge Viana (PT/AC). Quiçá inspirado pela decisão da Prefeitura de São Paulo, que pretende privatizar a gestão dos parques municipais – e contrariando, por suposto, tudo o que seu partido prega –, o parlamentar teve a ousadia de incluir dispositivo prevendo a possibilidade de conceder à iniciativa privada a exploração das unidades de conservação.
É certo que as unidades de conservação continuarão sob a jurisdição do perdido ICMBio. Significa que a solução para o recorrente problema de gestão que leva à degradação dessas áreas (e que já foi diagnosticado inclusive pelo TCU) vai continuar a depender da presteza do órgão.
Sem embargo, diante da nova legislação, não dá mais para justificar a incompetência apontada pelo TCU com a eterna ladainha da falta de dinheiro e de compromisso da administração federal.
Pode ser que o ICMBio não acorde e tudo continue na mesma. Entretanto, mais do que nunca, a culpa será só dele.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 3 de junho de 2018

Diesel subsidiado influenciará desmatamento na Amazônia


* Ecio Rodrigues
Políticos populistas subiram no palanque em favor dos pobres caminhoneiros, que não conseguem pagar o combustível nem o pedágio das rodovias – cuja manutenção, diga-se de passagem, tem custos elevados para toda a sociedade justamente por causa dos caminhões.
Ganharam, de pronto, o apoio igualmente entusiasmado de um jornalismo irresponsável, que nunca consegue explicar o que é, de fato, importante para o país – como se existissem somente interesses do governo e da oposição.
Embalada pela narrativa do coitadinho que precisa da ajuda do governo, não do país, a sociedade – ou a opinião pública, como se diz – saiu em defesa de uma existência romântica e cheia de aventuras pelas estradas da vida, e que estava sendo destruída pelo preço do diesel.
Todos se uniram na grita em torno da culpa do malvado presidente da outrora falida e agora recuperada Petrobras e, como não poderia deixar de ser, contra o governo, que foi acusado de ser fraco e irresponsável (para dizer o mínimo).
Por sinal, o governo demonstrou habilidade e paciência para negociar com caminhoneiros intransigentes, que, externando uma incapacidade assustadora (para dizer o mínimo) de interpretação da realidade brasileira, chegaram a clamar por intervenção militar(!) – sem parar para pensar que as ditaduras militares não são lá muito complacentes com esse tipo de “manifestação”.
É provável que a avaliação mais realista e pertinente sobre as causas desse evento desastroso tenha sido empreendida pelo articulista Samuel Pessôa, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas, que, em sua coluna dominical no jornal “Folha de São Paulo”, observou:
“O programa de crédito muito barato [para compra de caminhões com subsídio do BNDES, iniciado em novembro de 2009] persistiu até o primeiro mandato da presidente Dilma. De 2009 até hoje a frota de caminhões aumentou 40%. A economia, no mesmo período, cresceu 11%”.
Ou seja, uma ação populista ocasionou a explosão de oferta no serviço de transporte, derrubando o preço do frete e levando o preço do diesel a ter uma participação maior na planilha de custo do frete.
Parece claro que decisões erradas de política econômica, levadas a cabo durante os governos encabeçados por partidos ditos de esquerda (os mesmos que, aliás, maldizem o atual governo) arrastaram o país a uma crise sem precedentes, a pior em mais de 100 anos. Não à toa, o PIB bateu recorde negativo de quase 4%, nos anos de 2015 e 2016, algo inédito na história nacional.
Decisões como o controle de preços de combustíveis por decreto deixaram de considerar regra elementar, preconizada pela teoria econômica, a da curva de oferta e demanda: quem dita o preço de um bem ou serviço é o mercado, e nunca – nunca! – a burocracia estatal.
Os prejuízos para a sociedade brasileira serão bem mais expressivos, por certo, que o dinheiro a ser deslocado de áreas como educação e saúde para acertar a diferença entre o que os caminhoneiros aceitam pagar e o preço de mercado do diesel. Ou, ainda, para pagar as compensações devidas às concessionárias de pedágio, por conta da gratuidade concedida aos caminhões sem carga.
No caso da Amazônia, sendo o diesel um dos principais itens de custo da indústria do desmatamento, em especial o desmatamento legalizado pelo Código Florestal, podemos nos preparar para o pior.
Até porque estamos em período eleitoral, quando o populismo para angariar apoio dos pecuaristas chega ao auge, sobretudo nos estados de economia frágil, como o Acre.
No fim das contas, a sociedade vai pagar pelo diesel consumido no desmatamento da Amazônia.  Mas, quem quer saber disso?


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.