domingo, 27 de julho de 2014

A insustentável pressão local na municipalização ambiental




* Ecio Rodrigues
Existe uma demanda antiga do movimento ambientalista que parecia esquecida, mas que vem ressurgindo com vigor. A municipalização das ações de gestão ambiental é defendida como mecanismo crucial para alcançar-se eficiência na execução das “obrigações de Estado” relacionadas à Política Nacional de Meio Ambiente.  
O principal argumento para a defesa da municipalização do gerenciamento do tema ambiental reporta-se à crença de que os gestores municipais e a sociedade local têm mais chance de acerto nas decisões sobre meio ambiente, uma vez que vivem no espaço territorial onde o impacto ambiental se concretiza.
Se por um lado esse argumento da localização do impacto ambiental tem sua validade, não há dúvida, por outro, que as pessoas que vivem no município são mais suscetíveis às pressões sociais e políticas que pesam sobre as decisões mais severas ou impopulares.
No tema do controle das queimadas, por exemplo, as medidas para impedir ou reduzir o emprego dessa perigosa mas perseverante prática agrícola foram tomadas, na maior parte das vezes, na esfera federal.
Outro importante exemplo diz respeito à ousada normativa de restrição ao desmatamento baixada pelo Ministério do Meio Ambiente em 1999. A chamada “Moratória do desmatamento” estabeleceu taxa zero de desmate durante 120 dias, e justamente no período do ano em que todos os produtores se preparam para desmatar e queimar.
Assim, entre maio e agosto daquele ano, nenhum desmatamento poderia ser licenciado e qualquer intervenção na floresta seria passível de punição. A reação foi imediata: em praticamente todos os estados amazônicos, políticos, técnicos, produtores protestaram contra a acertada medida, e a pressão para impedir a publicação da norma foi muito grande.
Vale dizer, é improvável que os gestores municipais tenham o necessário lastro social e político para adotar medidas tão controversas, mas de inegável relevância para o desenvolvimento regional.
Ocorre que no âmbito federal é maior a possibilidade de se pensar no global em detrimento do local, uma vez que a pressão oriunda de outras nações e de organismos internacionais é mais significativa do que as injunções levadas a efeito por estados e municípios.
Não é de se admirar, desse modo, que uma eventual ameaça, por parte de um país, no sentido de não importar soja nacional produzida em áreas objeto de desmatamento ilegal ou de conflitos com populações indígenas tenha mais potencial para preocupar o governo federal, diante de suas evidentes implicações sobre a macroeconomia, do que protestos provenientes de produtores e autoridades locais.
Cabe observar que a produção nacional de soja, carne bovina e álcool, somente para citar os três principais produtos do agronegócio, tem sido alvo de constante pressão internacional. 
Sem embargo, contudo, da prerrogativa do distanciamento de que se vale a União, o fato é que, mediante a imposição de regras que minimizem os efeitos dessa insustentável pressão local, a municipalização da gestão ambiental pode ser o caminho.
Num país de dimensões continentais e que possui mais de 5.000 municípios, o domínio da realidade sem dúvida representa uma grande vantagem, e as cidades devem aproveitá-la, de forma a levar sua esfera de ação a um conjunto relevante de temas na área ambiental.
O mais importante, que a sociedade espera, é que o gerenciamento das ações em meio ambiente seja eficiente – o que ainda não aconteceu. 
 
* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 20 de julho de 2014

A Lei Complementar 140 e a municipalização da gestão ambiental



* Ecio Rodrigues
A proposta de levar as ações relativas ao licenciamento e controle ambiental para a alçada da gestão municipal configura uma antiga e reiterada reivindicação das entidades que atuam no movimento ambientalista brasileiro.
Nas principais discussões públicas concernentes à matéria ambiental – desde a mais importante delas, que culminou na aprovação da Política Nacional de Meio Ambiente em 1981, passando pelas conturbadas negociações para aprovação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação em 2000, e chegando mesmo aos debates em torno do novo Código Florestal aprovado em 2012 – os municípios sempre surgiram como opção preferencial para o exercício da gestão ambiental.
Não obstante, pouco se avançou. Em nenhum desses momentos o país conseguiu caminhar em direção a uma efetiva municipalização das questões ambientais.
Foi necessária a edição de um novo instrumento legal – a Lei Complementar 140, publicada em 8 de dezembro de 2011 – para reacender a expectativa positiva em relação ao envolvimento dos municípios com o tema do meio ambiente.
Espera-se que, com o advento dessa norma legal, a gestão ambiental seja aprimorada, de forma a evitar-se duas mazelas comuns e persistentes na esfera pública: a omissão e a sobreposição.
No primeiro caso, o da omissão, o Governo Federal não atua, sob o argumento de que a respectiva ação de controle compete ao governo estadual, que, por sua vez, tenta transferir a responsabilidade para os municípios, com resultados frustrantes para a sociedade.
No segundo caso, o da sobreposição, as consequências são ainda mais graves, diante do frequente desperdício de recursos decorrente da justaposição de ações por parte de diferentes órgãos públicos.
A LC 140/2011, contudo, certamente agregará eficiência, eficácia e efetividade à atuação estatal, na medida em que prevê a ação articulada entre os entes federativos, conforme o disposto no inciso III do art. 3º – que elenca, entre os objetivos ditados pela norma, o seguinte:
III - harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa eficiente. 
Diga-se que o atendimento desse objetivo depende de duas condições fundamentais: vontade política em âmbito federal e estadual para repassar atribuições; e estrutura operacional e orçamentária em âmbito municipal para a assimilação das novas incumbências e responsabilidades.
Não por acaso, a LC 140, por seu art. 5º, delineia os critérios para a delegação de competência, estabelecendo expressamente que só poderão ser destinatários de encargos os entes – ou seja, os municípios, já que a preocupação não diz respeito aos estados – que dispuserem de órgão ambiental capacitado:
Art. 5º O ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas nesta Lei Complementar, desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente.
         Sob o apoio do Ministério Público, que tem cobrado a observância da lei, é possível que, pelo menos em algumas cidades, a municipalização da gestão ambiental se concretize, como esperam os ativistas em meio ambiente.
         No entanto, se a municipalização irá resolver o recorrente problema da falta de gerenciamento na área ambiental, isso já é outra história. É esperar para ver.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


quarta-feira, 16 de julho de 2014

Copa do Mundo e novas florestas




* Ecio Rodrigues
A realização da Copa do Mundo de futebol ampliará a contribuição do Brasil para a emissão de carbono na atmosfera. Até há pouco tempo, uma frase como essa não fazia o menor sentido: o fato de um país sediar um grande evento esportivo significava tão somente uma expressiva promoção da dinâmica econômica, o que, por sua vez, importaria em potencial melhora nas condições de vida.
Hoje, entretanto, existe uma crescente preocupação com a crise ecológica acarretada pelo aquecimento do planeta – que é determinado, por seu turno, pelo aumento da concentração de carbono e outros gases causadores do efeito estufa, o que, por conseguinte, traz alterações significativas no clima e, enfim, amplia os riscos de ocorrência de tragédias como alagação, furacões, seca e tsunamis (apenas para ficar nas mais comuns).
Ou seja, sem embargo das melhorias econômicas carreadas por um evento da dimensão da Copa do Mundo, o fato é que a percepção inequívoca de geração de riqueza vem perdendo espaço para uma preocupação cada vez maior, relacionada com a sustentabilidade.
Querendo sair bem na foto, o governo brasileiro tem se esforçado para demonstrar que a realização da Copa não trará prejuízos para a sustentabilidade do planeta. Não obstante, aposta suas fichas em medidas anódinas, como obras de urbanização (incluindo-se até mesmo a construção de hotéis); troca de créditos de carbono entre empresas (algo de finalidade incompreensível); e, ainda, coleta seletiva de lixo. Sempre sob exaltações românticas à natureza que não levam a lugar nenhum e que já não convencem.
Prefere-se esse jogo de cena a investir-se em projetos que de fato promovam a sustentabilidade, mediante ações destinadas a zerar o carbono extra lançado na atmosfera por conta da realização do evento.
De outra banda, embora não se duvide que a forma mais eficiente para retirar o carbono da atmosfera e imobilizá-lo no sistema econômico seja o plantio de florestas, no âmbito dessa questão os ambientalistas discordam sobre os pontos mais elementares – por exemplo, a escolha da respectiva área para a implantação da floresta e das espécies a serem cultivadas.
As zonas periurbanas, onde existam áreas degradadas pela ocupação antrópica desordenada, o que ocorre na maioria das metrópoles com mais de 500 mil habitantes, deveriam ser priorizadas para o plantio de novas formações florestais. Da mesma maneira, regiões deterioradas, localizadas próximas ou na área de influência de bacias hidrográficas.
Quanto às espécies florestais, muitos defendem o cultivo de espécies nativas, por considerar que as exóticas, como eucalipto e pinus, causam impactos no solo, na fauna e na água. Trata-se de um juízo equivocado, e a quantidade significativa de áreas de florestas formadas com essas espécies só demonstra a importância delas.
Diga-se, ademais, que – ainda que mais atraente – o plantio de espécies nativas é também extremamente mais complicado. Essas árvores costumam ser bem mais exigentes quanto ao solo e, o pior, quanto aos cuidados necessários para se estabelecerem, o que aumenta significativamente os custos do plantio.
Outro ponto polêmico diz respeito ao aproveitamento das árvores depois que atingem a maturidade. Florestas não são ociosas, elas prestam serviços cruciais para a sociedade, que podem ser de natureza paisagística ou de fornecimento de alguma matéria-prima, como é o caso da madeira.
De qualquer forma, a despeito das controvérsias, o mais importante é que novas florestas sejam, efetivamente, plantadas. E disso, nenhum governo quer saber.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.