segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Bolivianos não querem mais do mesmo




* Ecio Rodrigues
Pode ser que o inusitado resultado do plebiscito realizado na Bolívia no último domingo, dia 21 de fevereiro, não reforce a tese de que uma profunda guinada no panorama político está em curso na América do Sul; por outro lado, pode ser que reforce, sim.
Para explicar. O resultado foi considerado inusitado por estudiosos e cientistas políticos e, inclusive, pelo governo boliviano. Perguntados se aceitavam mudar a Constituição de seu país para permitir que o atual presidente concorresse a uma nova eleição presidencial em 2019, 51,31% dos bolivianos disseram “Não”, contra 48,69% que votaram pelo “Sim”.
Duas questões chamam a atenção nessa consulta. A primeira diz respeito à precocidade de sua realização. Ora, se o presidente permanecerá no exercício do seu mandato até o início de 2020, por que razões indaga – já agora, em 2016 – se poderá disputar as próximas eleições, a fim de continuar no cargo até 2025?
Certamente existem várias respostas para essa pergunta, todavia, é provável que a razão principal esteja no que os sociólogos chamam de “realidade objetiva”.
Na conjuntura boliviana, essa realidade se traduz numa aprovação recorde do governo atual – em face, sobretudo, dos números apresentados pela economia, considerados prodigiosos.
Diferente do que acontece no vizinho Brasil, o PIB da Bolívia cresceu a uma taxa média de 4,8% nos últimos dez anos. Mais relevante ainda, a concentração de renda reduziu, e as camadas menos favorecidas da população receberam um expressivo aporte de ajuda por meio de programas sociais, muitos dos quais copiados do vizinho.
O momento parecia mais que oportuno para fazer a consulta, uma vez que a estratégia era não correr risco de derrota. No entanto – e felizmente – os bolivianos, demonstrando incomum discernimento político, conseguiram separar os indicadores econômicos de um importantíssimo princípio democrático (especialmente no caso do contexto latino-americano): a alternância de poder.
Poucos se dão conta, mas juntamente com transparência na gestão e participação popular, a alternância de poder constitui um dos pilares que sustentam o tripé do sistema democrático.
Claro que a importância e imprescindibilidade da alternância de poder não aludem, exclusivamente, a circunstâncias como a da Bolívia, em que um indivíduo manipula as regras democráticas para se manter na presidência, não admitindo que outro candidato, ainda que do mesmo partido, assuma o governo do país.
Também dizem respeito a situações em que um mesmo grupo político permanece por longo tempo no poder – malgrado o fato de que, a cada eleição, uma cara nova é lançada à escolha dos eleitores, fazendo valer o indefectível jargão cunhado pelos marqueteiros: “mais do mesmo”.
Citando-se o caso da Argentina, a alternância de poder naquele país se traduziu, em última análise, numa guinada para outro modelo econômico e político, mais focado na eficiência na aplicação dos recursos públicos, e avesso ao populismo que caracterizava o governo anterior.
Na Venezuela, por sua vez, desde as últimas eleições o parlamento não é mais dominado pelo mesmo grupo que comanda o governo federal há quase 20 anos.
Enfim, conquanto não tenha sido essa a intenção, é provável que os bolivianos tenham reforçado o recado já dado pelos argentinos e venezuelanos, o de que um novo modelo econômico e político está por vir.
Vamos esperar que esse novo modelo também chegue por aqui.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

A bolsa e a madeira




* Ecio Rodrigues
Embora a notícia tenha passado despercebida pela imprensa, que geralmente prefere divulgar as improfícuas e espalhafatosas investidas em fiscalização realizadas pelos órgãos de monitoramento ambiental, é bem provável que o mercado ilegal de madeira na Amazônia tenha sofrido seu mais duro golpe.
Numa inusitada saída encontrada pelos próprios agentes econômicos que operam no mercado de madeira serrada (para quem não sabe, “mercado” é uma entidade costumeiramente demonizada pelos ambientalistas ortodoxos e pouco informados) parece estar a solução para encerrar um ciclo interminável de produção e consumo de madeira extraída de forma ilegal na Amazônia.
Antes de continuar, é preciso esclarecer um ponto importante. Há uma confusão temerária que se faz entre a madeira legalizada e a madeira extraída sem atender às rigorosas prescrições de manejo desenvolvidas pela ciência florestal brasileira para a Amazônia nos últimos 40 anos.
Quer dizer, a extração ilegal de madeira com certeza não se dará sob a tecnologia de manejo florestal – causando, portanto, estragos perigosos para a conservação da floresta explorada. Todavia, e é aqui que mora o perigo, madeira legalizada não é sinônimo de madeira manejada. Se a madeira for oriunda de um desmatamento legalizado (uma área destinada a pastagem, p. ex.), essa madeira é legal, independentemente de ser manejada.
Enfim, a distinção crucial a ser feita é que no mercado legalizado de madeira serrada amazônica existem 3 produtos diferentes, com valores de venda igualmente diferenciados e, o mais importante, cuja exploração causa consequências significativas para a sustentabilidade da floresta.
A madeira legalizada mas não manejada é a menos valorizada e funcionaria como primeiro degrau para o empresário do setor chegar à produção de madeira manejada.
Na condição de produto superior, a madeira manejada, por sua vez, possui maior preço de mercado, em face da garantia de uma produção permanente e sustentável do ponto vista ecológico, que conserva as relações entre as espécies presentes na floresta.
Embora não existam dados sobre o processo de maturação do mercado de madeira certificada, pode-se dizer que a madeira certificada é o produto final e mais valorizado da cadeia produtiva da madeira serrada, pois o selo comprova que a exploração ocorreu com aplicação da técnica de manejo e respeito às regras trabalhistas, entre outras exigências do certificador. No âmbito da Amazônia, o procedimento de certificação mais reconhecido e valorizado é o promovido pelo FSC (Forest Stewardship Council).
Voltando ao duro golpe sofrido pelo comércio ilegal de madeira serrada amazônica, a partir deste ano, 2016, a Bolsa de Valores Ambientais, que integra o Instituto BVRio, passará a negociar lotes de madeira legalizada.
Para assegurar a legalidade da madeira a ser comprada por interessados mundo afora, foi organizado um complexo sistema de cruzamento de informações, que inclui bancos de dados sobre produtores e empresas transportadoras, rastreia autuações aplicadas pelo Ibama e até consulta (via Renavan) o registro de veículos utilizados no transporte.
Espera-se que a Bolsa de Valores logre fazer o que a fiscalização estatal não é capaz: expandir o mercado de madeira legalizada na Amazônia.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Carnaval, agronegócio, árvores e sustentabilidade




* Ecio Rodrigues
No desfile do carnaval carioca deste ano, as duas escolas de samba que apresentaram enredos relacionados ao meio rural confundiram o universo caipira – que em tese se refere ao modelo de produção da agricultura familiar – com o mundo do agronegócio. Não obstante, trata-se de duas concepções insuspeitadamente distintas e até mesmo incompatíveis.
Para entender melhor. A Unidos da Tijuca, ao homenagear o Mato Grosso, um dos maiores (senão o maior) produtor nacional do agronegócio de soja e gado, cometeu o erro de associar esse modelo produtivo à agricultura familiar, que se caracteriza, por sua vez, pela pequena produção – aquela que, por exemplo,  vende ovo caipira em feirinhas de agricultores. A Imperatriz Leopoldinense repetiu o equívoco, ao vincular os caipiras da pequena propriedade aos produtos do agronegócio.
Antes de tudo, é necessário esclarecer que, no que concerne à Amazônia, ambos os modelos se configuram insustentáveis: qualquer plantio, seja em grande escala, no caso da soja, seja em pequena escala, no caso da maniva (mandioca) plantada pelos pequenos agricultores amazônidas, requer o desmatamento da floresta. Sem embargo, não há dúvida que o grau de insustentabilidade do primeiro é incomparavelmente maior do que o do segundo.
A diferença entre um e outro modelo pode ser constatada também em termos de concentração de terra, uma das mazelas que travam o desenvolvimento do país. A alta concentração de terra é comprovada pelo Coeficiente de Gini, índice que mede a desigualdade e que, em relação à concentração fundiária, equivale a 0,82 no Brasil.
Ou seja, muita terra na mão de poucos, pouca terra na mão de muitos. As grandes propriedades, usadas para o agronegócio, constituem a absoluta maioria das terras do país e se concentram nas mãos de alguns proprietários; as pequenas propriedades, por outro lado, representam uma pequena porcentagem dessas terras, mas se distribuem entre um grande número de produtores.
O fato é que esse tipo de imprecisão conceitual cometido pelas duas escolas de samba é bastante comum quando se trata do tema sustentabilidade.
E ainda falando de carnaval, um erro mais grave do que misturar agronegócio com produção familiar diz respeito à escolha das matérias-primas para a confecção das fantasias e carros alegóricos. Geralmente, e indevidamente em nome da sustentabilidade, opta-se pelo uso de plástico, dito reciclado, sem atentar para um detalhe fundamental – essa enganosa reciclagem cria um novo uso para algo que não deveria ter uso nenhum.
Na verdade, o melhor caminho para reverter o impacto ambiental causado por megaeventos como o carnaval carioca é o plantio de árvores. Todavia, para que se tenha sucesso na empreitada, é imprescindível a definição de três pontos: o que plantar; onde plantar; e quem vai gerenciar o plantio.
A escolha das espécies mais indicadas para o plantio exige a expertise de um engenheiro florestal e vai depender da resposta para a segunda questão (onde serão realizados os plantios).
Diante da crise hídrica atual, em que a falta ou o excesso de água tem causado transtornos irreparáveis, a restauração florestal da mata ciliar dos rios parece ser o propósito mais nobre para tornar o carnaval sustentável.
Por fim, como não existe um órgão público para se confiar, o mais indicado é que empresas e organizações sociais gerenciem os reflorestamentos.   
   
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.