segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Desmatamento absurdo desacredita Governo do Acre na Polônia


* Ecio Rodrigues
Desde a realização da Rio 92, a convenção da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento que teve lugar no Rio de Janeiro, em 1992, os países passaram a se reunir anualmente na cúpula denominada “Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima” – ou, simplesmente, COP.
A 24ª edição dessa conferência, ou COP-24, ocorre agora, entre os dias 03 e 14 de dezembro, na Polônia, sob a difícil missão de reavaliar as metas consignadas no Acordo de Paris, pacto assinado em 2015.
Presença assídua nas COPs, os representantes do governo do Acre costumam assumir a condição de referência para Amazônia, quando o assunto é meio ambiente. Agem e pensam como se fossem paladinos da sustentabilidade regional.
Repetem sem cansar que o Acre possui uma marca de sustentabilidade conquistada desde a década de 1980 – graças, sobretudo, à figura do sindicalista Chico Mendes. O discurso, contudo, nem sempre esteve afinado com a realidade.
Entre todos os argumentos, decerto o mais marcante – e reiterado às tantas nos anos 1990 – remetia ao principal legado do Acre para a Amazônia, as reservas extrativistas, ou resex. Afinal, trata-se de uma categoria especial de unidade de conservação concebida e gestada no Acre.
No discurso, a reserva extrativista é apresentada como um componente de um modelo de ocupação produtiva adequado aos ideais de sustentabilidade, que conserva a floresta, ao tempo em que possibilita a geração de renda aos produtores.
Na realidade, as 5 reservas extrativistas acreanas encontram-se em adiantado processo de agropecuarização, exibindo taxas de desflorestamento que se aproximam das apresentadas pelas fazendas de gado – situação que, inclusive, levanta dúvida acerca da viabilidade ecológica da resex.
Passada a fase das reservas extrativistas, foi a vez de o zoneamento ecológico econômico, ZEE, se transformar na tábua de salvação da sustentabilidade. O discurso em defesa do ZEE passou a ser repetido tal qual ladainha nos eventos internacionais e, claro!, nas COPs.
Especulava-se que, por meio do zoneamento, se chegaria a um arranjo territorial no qual todos saíam ganhando – os criadores de boi que substituem a floresta pelo pasto, e os produtores que vivem da floresta que é transformada em pasto.
No discurso, o ZEE possibilitaria a conservação da floresta e a delimitação das terras (desmatadas) destinadas à pecuária.
Na realidade, o ZEE ampliou a quantidade de terras (antes cobertas por florestas) ocupadas pela pecuária em mais de 30% e, o mais grave, aumentou o desmatamento em todos os municípios do Acre.
Esquecido o ZEE, o discurso passou a alardear a criação da Secretaria Estadual de Florestas, a única, na Amazônia e no país, com a atribuição de executar uma política florestal com dois propósitos inegociáveis: reduzir o desmatamento (a essa altura, fora de controle) e aumentar a participação da produção florestal no PIB estadual.
Na realidade, em 2018 o desmatamento no Acre aumentou 83% - resultado de uma política pública que, entre outras benesses à pecuária, distribuiu tratores e forneceu crédito para a instalação e o aumento do plantel de gado.
Uma ação deliberada de política de governo que, na realidade e não no discurso, estimulou a destruição florestal no Acre. Simples assim.  

Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.



segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Política Florestal fracassou no Acre



* Ecio Rodrigues
Instituída em 2001, por meio da Lei 1.426, a Política Florestal do Acre fracassou na consecução de suas duas prioridades, a saber: ampliar a participação da produção florestal na composição do PIB estadual; e reduzir a taxa anual do desmatamento destinado à criação de gado.
Em ambos os casos, o setor florestal no Acre, no período compreendido entre a edição da política (2001) até o presente (2018), apresenta desempenho desanimador, fornecendo estatísticas que justificam a incômoda conclusão de fracasso generalizado.
Antes de tudo, importa destacar que não é tarefa fácil encontrar indicadores para subsidiar esse tipo de análise. E, tanto no aspecto econômico quanto no ecológico, não foi possível acessar os resultados das importantes pesquisas realizadas pela Embrapa – já que, por conta da dispersão desses dados, seria necessário muito trabalho e muito tempo para sua sistematização.
Pela mesma razão, também foram descartados os trabalhos acadêmicos – quase que exclusivamente oriundos da Universidade Federal do Acre, e mais exclusivamente ainda da Engenharia Florestal, no formato de monografias e dissertações de mestrado.
Dessa forma, a discussão aqui empreendida se esteia na informação oficial disponibilizada pela Secretaria Estadual de Planejamento, Seplan, que todos os anos e sob profissionalismo inaudito, publica o documento intitulado “Acre em números”.
Por outro lado, a produção de madeira foi considerada como referência para a aferição da importância econômica do setor florestal na composição do PIB, uma vez que o aumento da oferta de madeira manejada configurava diretriz primordial da política florestal.
Após observar crescimento surpreendente nos primeiros 5 anos de vigência da política, passando de 287.306 m³ de toras em 2002 e chegando a quase 500.000 m³ em 2005, a produção madeireira inicia um processo permanente e inexplicável de declínio.
Afora o pico, igualmente inexplicável, que sobreveio em 2011, quando a oferta de madeira alcançou 1.064.195 m³, a decadência foi uma constante – ao ponto de, em 2015, chegar a ínfimos 285.000 m³ de toras.
Quer dizer, em 2015, a produção voltou aos mesmos níveis de 2001 – cuja irrelevância motivou a aprovação da política florestal. Esse retrocesso é a evidência concreta de que alguma coisa deu muito errado.
Ou as diretrizes adotadas não foram as mais acertadas para a realidade florestal do Acre, ou os governos dos últimos 20 anos não venceram o preconceito em relação à exploração madeireira, e deixaram de priorizar a política estadual de floresta.
Essa ausência de prioridade, aliás, fica patente em 2012, quando a Secretaria Estadual de Florestas foi simplesmente extinta.
Vale reconhecer o fato de que, atualmente, 90% da madeira ofertada é manejada – uma matéria-prima considerada sustentável e produzida sob impacto ambiental insignificante, quando comparada à pecuária de gado.
 Por sinal, a expectativa era a de que o impulsionamento da produção de madeira atrairia o investimento privado que era (e continua sendo) direcionado à criação de boi. Ledo engano.
E embora a década atual registre, anualmente, cerca de metade da destruição florestal levada a efeito na década anterior, o Acre está bem longe de zerar o desmatamento, mesmo o realizado de forma ilegal.
Provavelmente está aí – na quantidade de florestas devastadas todos os anos – o lado mais perverso do fracasso da política florestal.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.



segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Início da safra de castanha aquecerá economia no Acre e Bolívia


* Ecio Rodrigues
A integração comercial entre Brasil e Bolívia vai bem além da existência e funcionamento do gasoduto que abastece o Sudeste brasileiro com o gás boliviano.
Na fronteira entre o Estado do Acre (Brasil) e o Departamento de Pando (Bolívia), a dinâmica econômica todos os anos se intensifica, com o início, em dezembro, da safra oriunda de uma árvore emblemática da Amazônia: a castanheira, ou Bertholletia excelsa.
A comercialização do fruto dessa árvore, antes identificado como castanha-do-pará (já que até meados da década de 1980 era exportado exclusivamente pelo porto de Belém), depois como castanha-do-brasil, e mais recentemente, devido a razões de mercado, como castanha-da-amazônia, representa mais da metade da renda anual dos produtores florestais que habitam ambas as localidades.
Como uma boa parcela da produção é vendida de um país para o outro, sempre que começa a safra anual tem lugar a discussão que contrapõe, de um lado, as exigências impostas a esse comércio, e de outro, a informalidade em que ele se processa.    
Trata-se, obviamente, de uma operação de exportação/importação – quer dizer, de um procedimento administrativo-fiscal que exige muitos carimbos e, pelo menos no caso do Brasil, o recolhimento de pesados impostos.
O trâmite também requer o cumprimento de normas de vigilância sanitária, diante da natureza alimentar do produto – com o agravante de que envolve séria ameaça à saúde humana, por conta do risco de contaminação pelo fungo aflatoxina (pois grande parte da castanha é negociada in natura, ou seja, com casca).
Entretanto, considerando-se que a compra e venda se dá numa região de fronteira, e que, para consumar a transação, basta que as cargas de castanha atravessem, geralmente por canoa, um rio estreito, com menos de 100m de largura, tanto os acreanos quanto os bolivianos estão pouco se lixando para as formalidades.
Em suma, é o pior dos mundos – a combinação entre excesso de burocracia e total indiferença aos preceitos normativos. Quem perde, claro!, é a sociedade.
Em áreas de fronteira, como se sabe, ocorre acentuada movimentação de pessoas e produtos, e amiúde as populações vizinhas mantêm estreitas relações pessoais e comerciais. É comum uma mesma família se dividir entre os territórios fronteiriços, como é comum viver num país e trabalhar no outro.
O fato é que, no caso da castanha-da-amazônia, as regras de importação e exportação que valem para o restante do país não podem ser as mesmas para a região de fronteira onde o produto é extraído. É evidente que essas regras devem ser flexibilizadas.
Embora sejam compreensíveis as preocupações do fisco e da vigilância sanitária, é questão de bom senso o estabelecimento de condições comerciais que sejam interessantes para os dois países.
Por sinal, por ocasião da construção das pontes ligando os municípios acreanos de Brasileia e Assis Brasil às cidades de Cobija e Iñapari (Bolívia e Peru, respectivamente), havia a expectativa de que o comércio da amêndoa e as relações econômicas de forma geral avançariam.
Todavia, as pontes não trouxeram progresso significativo às trocas comerciais entre essas nações, sobretudo no que diz respeito à castanha. Faltou, tanto à época quanto agora, associar a ligação física à redução das exigências alfandegárias, elemento essencial para melhorar o ambiente de negócios.
Espera-se, para a safra de castanha-da-amazônia que se inicia em dezembro próximo (e que vai até março/2019), a recuperação da produção aos patamares da média anual de 40 mil toneladas – bem superior à pífia safra de 2017, que não passou de 10 mil toneladas.
A flexibilização das regras de exportação da castanha-da-amazônia fomentaria a economia do Acre. Simples assim.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.