segunda-feira, 29 de abril de 2019

Conservação, ou uso econômico da floresta: esse é o caminho



* Ecio Rodrigues
Desde o início da década de 1960, em especial no âmbito da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), começaram a ter lugar as discussões em torno do uso e do não uso de florestas nativas.
Como não poderia ser diferente, considerando o papel preponderante da Amazônia em relação ao tema das florestas nativas, muitos especialistas brasileiros têm assento nas reuniões da IUCN, representando tanto o governo quanto a sociedade civil.
Criada em 1948, a IUCN conta, em seu quadro de associados, com Estados Nacionais; organizações governamentais e não governamentais; além de mais de 10 mil membros individuais.
Em decorrência dessa representatividade, única no mundo, a IUCN pode ser considerada uma das mais importantes organizações mundiais – exercendo influência direta sobre as decisões oriundas da ONU, em seus diversos fóruns de deliberação a respeito do meio ambiente.
Não à toa, o embate entre os que defendem a segregação de territórios cobertos por florestas sem a presença humana e os que pregam a exploração sustentável dessas florestas sempre teve muito espaço na agenda da IUCN.
Segundo John McCormick, em seu esclarecedor livro “Rumo ao Paraíso: a história do movimento ambientalista”, publicado no Brasil em 1992, da conciliação entre preservacionistas e conservacionistas surgiu o conceito de desenvolvimento sustentável, conforme praticado, na primeira metade do século XX, por engenheiros florestais alemães e indianos.
Essa conciliação possui, inclusive, uma data ou momento histórico, que, de acordo com McCormick, corresponde a uma reunião da IUCN realizada em 1961, na cidade de Arusha, Tanzânia – país situado na porção oriental do continente africano. O documento final resultante dessa reunião afirma que:
“[...] somente pela utilização planejada da vida selvagem como um recurso natural renovável [...] podem sua conservação e seu desenvolvimento ser economicamente justificados em competição com a agricultura, a pecuária e outras formas de uso do solo”.
Parece não haver dúvida que o uso econômico da biodiversidade florestal, na qualidade de instrumento para a floresta competir e superar o agronegócio, configura estratégia a ser adotada pelos países – em especial, claro, pelo Brasil. 
Os conservacionistas, por suposto, venceram o embate na IUCN.
A partir daí, nas rodadas de reuniões que se seguiram, tanto na jurisdição da IUCN quanto da Unesco, do Pnuma, do Pnud, e até mesmo das Assembleias Gerais da ONU, houve um esforço diplomático orientado para duas diretrizes: delimitar o conceito de desenvolvimento sustentável; e incorporar, nos empréstimos realizados pelo Banco Mundial e FMI, a visão conservacionista sobre as florestas, na condição de critério para aprovação de projetos.
É lamentável, mas ainda soam bem atuais os obstáculos apontados por McCormick para a consolidação da visão conservacionista na instância dos financiadores de projetos de desenvolvimento: falta de procedimentos claros para a avaliação ambiental; falta de critérios para a avaliação de impacto ambiental; falta de metodologias de análise e de contabilidade, no que se refere aos efeitos sociais e ambientais de médio e longo prazos; e carência de pessoal técnico qualificado.
Para quem convive com a realidade amazônica em 2019, quase 60 anos depois da reunião de Arusha, é frustrante saber que as terras cobertas por florestas continuam sendo desmatadas, todos os anos, porque a floresta não consegue competir com o agronegócio.
Ainda que a conservação, ou exploração econômica sustentável da biodiversidade florestal, seja o único caminho, os amazônidas persistem no erro.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Biodiversidade florestal e agronegócio no Acre



* Ecio Rodrigues
Uma oposição ávida por governar, depois de amargar 20 anos de ostracismo, logrou vencer as eleições no Acre em 2018, defendendo o agronegócio como modelo de desenvolvimento.
De outra banda, a força política que saiu derrotada – ou pegou a balsa para Manacapuru, como reza o folclore local – prometia apoiar o agronegócio, na condição de referência para a economia.
A conclusão, óbvia e indiscutível, é que não havia escapatória – de um jeito ou de outro, o agronegócio seria, como de fato foi, o grande vencedor das eleições.
Há quem diga que o agronegócio defendido por um grupo se distingue do defendido pelo outro. Contudo, essa diferenciação (com o perdão do trocadilho) não passa de conversa pra boi dormir, pois agronegócio no Acre equivale à criação de gado – e não ao cultivo de soja, algodão, milho ou outra espécie vegetal valiosa para o mercado de commodities.
Trata-se, portanto, de uma atividade que depende do desmatamento da floresta para ampliar sua importância econômica na composição do PIB estadual.
Mas ninguém – ninguém! –, durante a campanha eleitoral, se dispôs a discutir com a sociedade o aumento do desmatamento para atendimento da demanda da pecuária, no que se refere à ocupação de novas terras cobertas por florestas.
Igualmente, não houve discussão quanto ao aproveitamento econômico de 10 milhões de hectares de áreas protegidas, onde por lei é proibido desmatar. Em relação a essa superfície, que corresponde a 60% do território estadual, só há um caminho – o reconhecimento da vocação florestal do Acre.
Inúmeros estudos demonstram a competitividade da biodiversidade florestal frente ao agronegócio da criação de boi.
Essas pesquisas corroboram a tese de que o estabelecimento de arranjos produtivos florestais locais – particularizados de acordo com a diversidade social e biológica – contribui para a superação de antigas e permanentes mazelas que acompanham a história da ocupação econômica e social do estado.
Por mazelas, entenda-se desmatamento, queimada, desrespeito aos direitos das populações tradicionais e comprometimento do equilíbrio hidrológico dos rios (o que leva a secas e alagações).
Entretanto, é evidente que isso não ocorrerá de maneira natural, como se fosse uma consequência do processo de ocupação produtiva. Da mesma forma que o agronegócio obteve no passado e continua recebendo elevado investimento público para sua consolidação, seria incorreto supor que a economia da biodiversidade florestal não precisa ser fomentada, e pode se viabilizar por vontade divina.
Nesse contexto, a política pública dispõe de duas as alternativas para ampliar a competitividade da biodiversidade florestal. Taxar, por meio de tributos ou pauta de ICMS, todo desmatamento voltado para a ampliação da pecuária e/ou subsidiar a exploração da biodiversidade florestal.
Como a taxação da pecuária envolve um custo político que nenhum governo se propõe a assumir, em especial por afetar pequenos e grandes produtores, resta a segunda alternativa.
Subsidiar significa criar espaço – em âmbito público, empresarial e não governamental –, de modo a promover um ambiente de negócios propício a todo produto ou serviço originado da exploração florestal.
A construção da ponte sobre o rio Madeira foi um sucesso como estratégia eleitoral, entretanto, o futuro do Acre vai depender do que passará por cima dela: se bois ou produtos oriundos da biodiversidade.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.