quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Animais selvagens amazônicos para PET




* Ecio Rodrigues
É mais fácil possuir um avestruz como bicho de estimação (PET, da sigla em inglês) do que um papagaio nascido e criado na Amazônia.
Essa afirmação, embora verdadeira, evidencia uma grande anomalia. Resta perguntar que tipo de diretriz técnica pode sustentá-la. Quer dizer, o que leva o Estado brasileiro a dificultar de forma tão drástica o licenciamento ambiental para a criação de animais silvestres, a ponto de criar esse tipo de contrassenso.
Na completa ausência de subsídios técnicos para sustentar o pressuposto de que a criação de animais amazônicos como PET pode acarretar danos ao ambiente florestal da Amazônia ou à economia da região, a resposta a essas perguntas mais assusta que conforta.
Os ambientalistas mais ortodoxos, aqueles que acreditam piamente que é possível impedir a exploração da floresta amazônica pelo homem, costumam considerar que os três maiores problemas ambientais que afligem a região são: lixo; queimada em quintais; e caça e captura clandestina de bichos na floresta para fins de alimentação e domesticação.
Trata-se de um grande equívoco. Por sinal, a quantidade de equívocos presentes nesses três “pecados capitais” é tamanha, que qualquer argumentação contrária exigiria muito mais que um breve artigo de jornal.
Mas, só a título de explicação, é importante deixar claro quais são os reais problemas ambientais amazônicos, cujo combate deveria concentrar os esforços de todos: desmatamento de florestas e queimada.
De qualquer forma, o ponto é que esse tipo de raciocínio tortuoso, que prescinde de justificativa técnica, frequentemente vigora nos órgãos de licenciamento, levando por sua vez ao entendimento de que a transformação de um papagaio em PET ajudaria a engrossar as estatísticas relacionadas à caça clandestina. Nada mais enganoso.
Durante toda a história da humanidade, muitas espécies foram tiradas do ambiente selvagem para servir aos seres humanos como fonte de proteína, como matéria-prima para indumentárias e calefação, e até como meio de transporte. No âmbito desses propósitos (alimentação, aquecimento, transporte), as espécies mais dóceis, aquelas que conquistaram a amizade das pessoas, se transformaram em bichos de estimação.
Em nenhum momento da história da relação do homem com os bichos de estimação houve interferência na população de animais existente em ambiente selvagem. Ou seja, caça clandestina e oferta legalizada de bichos de estimação são, como dizem os estatísticos, variáveis com comportamento indiferente entre si. Não há comprovação de influência de uma sobre outra.
Por outro lado, animais vendidos em criatórios legalizados jamais correram risco de extinção. Tome-se o exemplo dos bichos exóticos vendidos aqui no Brasil – como o avestruz acima citado.
A conclusão é que a criação doméstica de animais amazônicos vai, no médio prazo, ajudar a resolver pelo menos duas questões prementes e cruciais: reduzir o risco de extinção de espécies e, o mais importante, ampliar o valor do habitat desses animais, ou seja, da floresta.
Afinal, depois de mais de 50 anos de vigência das legislações de proteção à fauna – quer dizer, depois de 50 anos de fiscalização e aplicação de multas –, os animais silvestres amazônicos continuam ameaçados.
Óbvio, portanto, que esse não é o caminho. E o mercado de PET pode ajudar a transformá-lo.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Cacau nativo vale mais que cultivado

Desde 2007, um grupo de pesquisadores vinculados à Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre, Ufac, estuda o manejo florestal comunitário do cacau nativo. A ideia principal é instituir procedimentos técnicos que possibilitem a ampliação da produtividade do cacaueiro localizado em ambiente natural, a fim de atender a uma crescente demanda de mercado.
Ou seja, como há evidências de que existem compradores no mercado dispostos a adquirir até quatro vezes mais que a quantidade de cacau nativo anualmente produzido, o desafio é conseguir quadruplicar essa produção, sem apelar para a solução usual da domesticação e do cultivo.
Ocorre que o diferencial de mercado do chocolate produzido com sementes de cacau nativo, em comparação com o cacau cultivado e melhorado geneticamente, é o fato de que a semente do cacau nativo possui um sabor considerado especial por ser selvagem, primitiva e original.
Como dizem os franceses, o “flavor” (combinação entre o sabor e o aroma do chocolate) produzido pela semente de cacau nativo é deveras superior. Mesmo não existindo uma comprovação científica acerca da superioridade do flavor do cacau nativo, o mercado tem crescido a taxas consideráveis.
A produção de cacau nativo possui duas características principais. Em primeiro lugar, todo o processo produtivo é realizado por meio de um fluxo contínuo de atividades que podem ser melhoradas mediante a adoção de inovações tecnológicas elementares; em segundo lugar, a semente de cacau, para ser produzida com a qualidade requerida pelo mercado, exige rotina de produção e disciplina rigorosas, definidas pelo tempo necessário para cada etapa do processo.
Uma vez colhido, o fruto tem que ser quebrado em até 5 dias. Uma vez quebrado, a semente tem que ser fermentada em até 7 dias. Uma vez fermentada, a semente tem que ser seca em até 40 dias. Só depois desses procedimentos, a semente é embalada em sacos de lona e embarcada em balsa que leva até 60 dias para chegar à Europa. Desvios nesses prazos estragam a semente e acarretam perdas irreparáveis.
A solução apontada pelos engenheiros florestais reforça a necessidade de se elaborar o Plano de Manejo Florestal Comunitário para o Cacau Nativo. Esse documento orienta os manejadores sobre como proceder em todo o processo produtivo, de forma a aumentar a produtividade.
Sob o apoio do CNPq, os pesquisadores definiram um conjunto de 6 protocolos de manejo florestal comunitário, que, uma vez executado, ajuda a alcançar uma produtividade satisfatória de sementes de cacau em 3 anos.
Os manejadores de cacau nativo poderão obter maior produtividade mantendo o cacaueiro em ambiente florestal nativo, de modo a atender a um mercado que apresenta potencial elevado de demanda. Trata-se de um nicho de mercado para chocolates exclusivos e que paga maior preço pelo produto.
Por outro lado, a produção de cacau nativo é bastante atrativa do ponto de vista econômico. Estudos realizados junto aos manejadores localizados no rio Purus demonstram que a produção de cacau nativo é a que melhor remunera o trabalho realizado pelas comunidades ribeirinhas, chegando a 50 reais a diária, o que adquire importância sensível para dinâmica econômica local.
Finalmente, a produção manejada de sementes de cacau nativo pelas comunidades se viabiliza, na medida em que exige investimentos adequados à realidade do pequeno produtor florestal amazônico, que pode optar por iniciar sua produção no curto prazo, com a oferta de uma quantidade expressiva de sementes.
Trata-se de um produto único, pois possui, além do flavor, o ingrediente da sustentabilidade, ao favorecer a manutenção da floresta na Amazônia




Desde 2007, um grupo de pesquisadores vinculados à Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre, Ufac, estuda o manejo florestal comunitário do cacau nativo. A ideia principal é instituir procedimentos técnicos que possibilitem a ampliação da produtividade do cacaueiro localizado em ambiente natural, a fim de atender a uma crescente demanda de mercado.
Ou seja, como há evidências de que existem compradores no mercado dispostos a adquirir até quatro vezes mais que a quantidade de cacau nativo anualmente produzido, o desafio é conseguir quadruplicar essa produção, sem apelar para a solução usual da domesticação e do cultivo.
Ocorre que o diferencial de mercado do chocolate produzido com sementes de cacau nativo, em comparação com o cacau cultivado e melhorado geneticamente, é o fato de que a semente do cacau nativo possui um sabor considerado especial por ser selvagem, primitiva e original.
Como dizem os franceses, o “flavor” (combinação entre o sabor e o aroma do chocolate) produzido pela semente de cacau nativo é deveras superior. Mesmo não existindo uma comprovação científica acerca da superioridade do flavor do cacau nativo, o mercado tem crescido a taxas consideráveis.
A produção de cacau nativo possui duas características principais. Em primeiro lugar, todo o processo produtivo é realizado por meio de um fluxo contínuo de atividades que podem ser melhoradas mediante a adoção de inovações tecnológicas elementares; em segundo lugar, a semente de cacau, para ser produzida com a qualidade requerida pelo mercado, exige rotina de produção e disciplina rigorosas, definidas pelo tempo necessário para cada etapa do processo.
Uma vez colhido, o fruto tem que ser quebrado em até 5 dias. Uma vez quebrado, a semente tem que ser fermentada em até 7 dias. Uma vez fermentada, a semente tem que ser seca em até 40 dias. Só depois desses procedimentos, a semente é embalada em sacos de lona e embarcada em balsa que leva até 60 dias para chegar à Europa. Desvios nesses prazos estragam a semente e acarretam perdas irreparáveis.
A solução apontada pelos engenheiros florestais reforça a necessidade de se elaborar o Plano de Manejo Florestal Comunitário para o Cacau Nativo. Esse documento orienta os manejadores sobre como proceder em todo o processo produtivo, de forma a aumentar a produtividade.
Sob o apoio do CNPq, os pesquisadores definiram um conjunto de 6 protocolos de manejo florestal comunitário, que, uma vez executado, ajuda a alcançar uma produtividade satisfatória de sementes de cacau em 3 anos.
Os manejadores de cacau nativo poderão obter maior produtividade mantendo o cacaueiro em ambiente florestal nativo, de modo a atender a um mercado que apresenta potencial elevado de demanda. Trata-se de um nicho de mercado para chocolates exclusivos e que paga maior preço pelo produto.
Por outro lado, a produção de cacau nativo é bastante atrativa do ponto de vista econômico. Estudos realizados junto aos manejadores localizados no rio Purus demonstram que a produção de cacau nativo é a que melhor remunera o trabalho realizado pelas comunidades ribeirinhas, chegando a 50 reais a diária, o que adquire importância sensível para dinâmica econômica local.
Finalmente, a produção manejada de sementes de cacau nativo pelas comunidades se viabiliza, na medida em que exige investimentos adequados à realidade do pequeno produtor florestal amazônico, que pode optar por iniciar sua produção no curto prazo, com a oferta de uma quantidade expressiva de sementes.
Trata-se de um produto único, pois possui, além do flavor, o ingrediente da sustentabilidade, ao favorecer a manutenção da floresta na Amazônia.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Acordo do clima selado na COP 21 de Paris




* Ecio Rodrigues
A Convenção sobre Mudança Climática foi assinada em 1992, durante a realização da Rio 92. A partir de então, todos os anos os países se reúnem para discutir o tema e negociar as metas destinadas a mitigar os efeitos do aquecimento do planeta.
E ainda que no início – sobretudo até 1997, quando da aprovação do Protocolo de Kyoto – houvesse um pequeno grupo de países e cientistas que teimava em negar a ocorrência do aquecimento, hoje é possível dizer que a Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima, COP da sigla em inglês, se transformou num dos principiais eventos realizados sob a chancela das Nações Unidas, a ONU, sempre gerando muita expectativa em âmbito mundial.
Embora a sociedade cobre mais empenho para o estabelecimento de regras que minimizem a crise ecológica atual, o fato é que, sob a velha sistemática que prevê um passo de cada vez, nos últimos 20 anos se conseguiu avançar de maneira surpreendente e até certo ponto inusitada para o padrão ONU.
Em 2015, depois de superarem as resistências quanto à constatação de que o clima do planeta está sendo alterado e, mais importante ainda, de reconhecerem que essa mudança não é natural, mas decorrente do modo de vida atual, os países associados à ONU chegaram à realização da 21ª COP, em Paris.
Pela primeira vez os Estados Unidos se uniram à União Europeia e também aos países insulares (mais afetados pelo aquecimento, em função do aumento do nível do mar causado pelo derretimento das calotas polares), formando uma coligação com o sugestivo nome “Coalizão da Ambição” – numa alusão às 3 principais expectativas que, esperava-se, fossem atendidas no processo de negociação.
Em primeiro lugar, e suplantando-se o voluntarismo característico do Protocolo de Kyoto, as metas de redução do carbono (leia-se fumaça) lançado na atmosfera deveriam ser obrigatórias – ou legalmente vinculantes, no dizer dos diplomatas.
Em segundo, e mais importante para as nações desenvolvidas, essas metas deveriam ser anualmente quantificadas, para só então ser avaliadas. Para tanto, o primeiro passo foi obrigar os países a estimar, ainda antes da abertura da COP 21 e no intuito de demarcar um índice para as negociações, a quantidade de carbono que deixariam de emitir a cada ano.
Por fim, a terceira expectativa, e provavelmente a mais importante para os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, diz respeito ao pagamento da conta necessária para a adaptação desses países a uma economia que reduza paulatinamente o uso de petróleo e carvão mineral em suas matrizes energéticas.
As expectativas do mundo foram atendidas no “Acordo de Paris”, o pacto aprovado no sábado, dia 12/12/2015. Por essa razão, e também porque foi assinado por todos os 195 países associados à ONU, o acordo imediatamente passou a ser considerado um documento histórico.
As metas são obrigatórias, na medida em que as ações com as quais os países se comprometeram serão auditadas e revisadas pela ONU a cada 5 anos, a partir de 2020. Definiu-se como objetivo no documento uma redução, na temperatura do planeta, “muito abaixo de 2o C”, fazendo-se referência a uma minoração “ideal” de 1,5o C.
Criou-se o “Fundo de Adaptação”, no montante anual de 100 bilhões de dólares, para subvenção das economias frágeis. O dinheiro deverá sair da conta dos países ricos e abastecer um fundo internacional, que, por sua vez, vai estabelecer as regras de transferência para os países em desenvolvimento. Regras complexas, mas aferíveis, de forma a vincular o recebimento do dinheiro à realização de ações voltadas para evitar o desmatamento, diminuir a dependência do petróleo e assim por diante.
Trata-se, não há dúvida, de uma guinada nos rumos da existência humana, e a história há de registrá-la. Cabe a nós, brasileiros, honrar a palavra dada ao mundo de zerar o desmatamento na Amazônia – o legal e o ilegal.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.