terça-feira, 2 de maio de 2017

A Funtac e os 30 anos da Floresta Estadual do Antimary



* Ecio Rodrigues
Neste ano de 2017, o pioneiro Projeto Antimary está completando 30 anos. Se poucos sabem disso, menos ainda compreendem a importância dessa iniciativa para a pesquisa florestal e o desenvolvimento do Acre e da Amazônia.
Todas as homenagens à Funtac, a Fundação de Tecnologia estadual, instituição responsável pela concepção do projeto e captação dos recursos financeiros necessários, e que há muito tempo se encontra no “limbo” governamental.
Mesmo hoje é difícil imaginar que um pequeno grupo de engenheiros com pouca experiência, praticamente recém-graduados, conseguiria elaborar e aprovar, junto à Organização Internacional de Madeira Tropical (ITTO, na sigla em inglês) um projeto nos moldes requeridos pelos países desenvolvidos, no valor de 3 milhões de dólares – um montante bastante expressivo para a época.
Foi o que aconteceu na Funtac.   
No longínquo ano de 1987, diante da constatação de que o desmatamento no Acre e na Amazônia não daria trégua no médio prazo, e que as taxas de ampliação anual da destruição da floresta colocavam em risco um patrimônio inestimável em biodiversidade, os técnicos da Funtac vislumbraram o que ainda soa como inovador – a saída pelo uso múltiplo da floresta.
A elaboração do projeto se sustentou numa premissa que continua atualíssima, a saber: enquanto o desmatamento ilegal não é controlado pela fiscalização estatal, o desmatamento legal mantém a taxa anual de destruição florestal a níveis perigosos para a bacia hidrográfica. 
Tratava-se, portanto, de uma proposta de desenvolvimento produtivo, no campo do Manejo Florestal, que permitiria, ao final, estabelecer um pacote tecnológico para a exploração sustentável da biodiversidade florestal da Amazônia. Uma empreitada inédita no âmbito estadual, que nunca foi repetida.
Na ocasião, e como contrapartida para receber a doação em dólares pela ITTO, o Estado do Acre se comprometeu a segregar uma área de floresta primitiva, com o maior grau de preservação possível para realidade de então.
Depois de analisar a disponibilidade das terras arrecadadas pelo Incra para assentamento rural, os pesquisadores escolheram uma área com cobertura florestal representativa da vegetação local – com porções de florestas densa e aberta associadas a palmeira e taboca – e localizada nas proximidades da capital, no município de Bujari.
A fim de promover a regularização fundiária da terra, de forma a fornecer segurança jurídica ao vultoso investimento a ser realizado, a área foi transformada em unidade de conservação, posteriormente classificada pelo Snuc (Sistema Nacional de Unidades de Conservação) como floresta de rendimento.
Foi criada assim a Floresta Estadual do Antimary.
Diga-se que, só com o ato de criação, uma área aproximada de 70.000 ha de floresta nativa foi retirada do processo nocivo de desmatamento praticado pelos colonos e reservada à conservação florestal – condição que perdura até os dias atuais.
Uma vez aprovada a proposta, uma equipe composta por 12 jovens profissionais assumiu a responsabilidade de tornar o Projeto Antimary uma realidade. Inicialmente, levaram a cabo um detalhado mapeamento das experiências em manejo florestal que se encontravam em operação na região.
As pesquisas desenvolvidas pelo Inpa (Instituto de Pesquisas da Amazônia) e pela Embrapa, no intuito de viabilizar a exploração de madeira na Amazônia, tornaram-se referência para o projeto.
Os pesquisadores da Funtac, no entanto, como é da natureza dos jovens, eram audazes e arrojados. Eles não pensavam só em madeira, almejavam o uso múltiplo da biodiversidade.
Mas isso já é outra história.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.





segunda-feira, 10 de abril de 2017

Terceirização pode destravar economia florestal na Amazônia



* Ecio Rodrigues
Não dá pra entender a histeria causada pela aprovação de legislação regulando a terceirização nas relações de trabalho. Apesar da gritaria geral, o que se observa é que os contrários não possuem conteúdo e, especificamente no caso da Amazônia, apelam para argumentos alheios à região, ou limitados ao decadente modelo da Zona Franca de Manaus.
Explica-se o motivo da decadência. Parece evidente que qualquer modelo de promoção do desenvolvimento que dependa de benesses estatais, como a isenção de tributos por mais de cem anos, tem um problema grave de origem, não é economicamente viável. E quer queira ou não, um dia perece de podre que é, devido à própria dinâmica econômica.
É insana a alegação de que a possibilidade de uma empresa contratar os serviços de outra empresa especializada em determinada atividade pode levar à precarização da relação entre trabalhador e empresário. No mínimo, deve-se exigir de quem faz esse tipo de afirmação que aponte onde exatamente se encontra a tal da precarização.
Vai faltar fundo de garantia? Décimo terceiro? Abono de férias? A resposta é não, uma vez que esses direitos estão assegurados na CLT ou mesmo no próprio texto constitucional, e não dizem respeito à legislação sobre terceirização que foi aprovada.
É provável que uma das maiores comprovações da inevitabilidade da terceirização esteja no setor florestal da Amazônia.
Ocorre que existe razoável consenso no fato de que a saída para a economia da Amazônia está no uso econômico da biodiversidade presente na floresta.
Mas a concretização desse propalado uso econômico exige o emprego da tecnologia de manejo florestal concebida na Amazônia desde a década de 1990, por meio da elaboração do Plano de Manejo Florestal. Trata-se de um documento bastante técnico e previsto em lei, que possibilita a execução das operações de extração sustentável de madeira, açaí, copaíba e mais um sem-número de produtos oriundos do ecossistema.
Os pequenos e médios produtores florestais, que representam a imensa maioria dos empreendimentos do setor primário da região, não possuem condições financeiras para bancar o plano de manejo, como é exigido por lei, o que os impede de obter renda com a exploração de sua floresta.
Um dos itens mais onerosos na planilha de custos do plano de manejo é o trabalho do engenheiro florestal, profissional que domina a tecnologia de manejo florestal e é formado no Brasil desde 1965.
Contudo, passada a fase de elaboração do plano, que dura cerca de 3 meses, o dono da floresta não vai precisar do serviço permanente do engenheiro, sendo necessárias apenas algumas visitas técnicas por ano, depois de iniciada a exploração.
No âmbito do serviço público, são raros os órgãos (em esfera municipal, estadual e federal) que realizaram concurso para admissão de engenheiros florestais. A falta desses profissionais é apontada como um dos principais gargalos que impedem o avanço do manejo florestal no contexto dos pequenos e médios produtores.
E diante da falência do Estado, não há a menor possibilidade de serem contratados profissionais na dimensão demandada pela realidade florestal amazônica.
De outra banda, no Acre, por exemplo, existem mais de 300 engenheiros florestais formados à procura de trabalho, mas não há perspectivas de realização de concursos públicos nem vagas na esfera privada, já que os produtores não têm como custeá-los.
Com a terceirização, será possível ao Estado resolver o gargalo, mediante a contratação de empresas constituídas por engenheiros florestais e especializadas na elaboração de planos de manejo.
A empresa terceirizada irá se especializar cada vez mais e subsidiará os governos no estabelecimento de regras de exploração florestal adequadas à realidade do produtor e da floresta – o que não é o caso das regras atuais.
Todos, sem dúvida, só têm a ganhar.
  

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Terceirização é imperativo para economia florestal da Amazônia



* Ecio Rodrigues
Não é preciso ser engenheiro florestal, embora seja esse o caso, para entender as razões pelas quais a terceirização se configura ponto-chave para a consolidação da economia florestal na Amazônia.
Depois da histeria generalizada em torno da lei sancionada pela Presidência da República em 31 de março último – reação um tanto incompreensível, quiçá por ignorância sobre como ocorrem atualmente as relações trabalhistas neste país –, parece oportuno uma discussão menos panfletária e emocional a respeito da importância da terceirização para economias frágeis, como as das cidades amazônicas.
Sob o entendimento de que está na exploração econômica da biodiversidade a única saída para a ocupação produtiva da Amazônia, a perspectiva é no sentido de que a terceirização ajudará a consolidar o setor florestal, de modo que esse setor contribua com a maior parcela da formação do PIB regional.
Incluindo o Pará, que apresenta o PIB mais pujante da região, os estados amazônicos não possuem condições financeiras para contratar, por meio de concurso público, engenheiros florestais e técnicos de nível médio, na dimensão requerida pelo setor florestal da Amazônia.
Raciocínio análogo pode-se fazer para os municípios – mesmo para as capitais que possuem dinâmica econômica mais robusta. O custo de contratar e manter um corpo técnico com alto grau de especialização se mostra, no médio prazo, bastante expressivo. Ademais, há que se considerar o efeito sazonal na demanda pelos serviços, o que pode resultar n’algum nível de ociosidade durante determinados períodos do ano.
Sem inchar o já inviável aparato estatal com novos servidores públicos, a terceirização permitirá aos governos atender à demanda do produtor florestal mediante a contratação de empresas de pequeno ou médio porte, constituídas primordialmente por engenheiros florestais; essas empresas podem se aprimorar cada vez mais, de forma a obter mais renda com a exploração da floresta e ao mesmo tempo garantir sua conservação.
A despeito de ser crucial para elevar o patamar técnico da exploração dos recursos florestais, esse tipo de especialização laboral, que os desavisados costumam tratar como “área-fim”, em geral não ocorre nas administrações públicas (mormente no âmbito do Executivo), por várias razões. Duas delas vale comentar: falta de planejamento e generalização do trabalho.
Servidores públicos, como eles mesmos costumam afirmar, trabalham “apagando incêndios”.
Nossa cultural dificuldade para planejar e, pior, para transformar o planejado em realidade, associada à demanda permanente de uma sociedade acostumada a recorrer aos órgãos estatais para todo tipo de problema, impede a formação de equipes de trabalho focadas num determinado resultado de médio ou longo prazo.
Salvo raríssimas exceções, inexistem nos órgãos públicos equipes de servidores especializadas na implantação de planos de manejo para a exploração de produtos oriundos da biodiversidade amazônica. Nem mesmo para a madeira.
A generalização é uma regra. Os servidores têm que “saber um pouco de tudo”. Se e quando há alguma distinção por mérito, sendo que a meritocracia é raridade, ela ocorre para aqueles que dominam as atividades de um ou vários setores. Por sinal, no caso da área ambiental, os servidores são muitas vezes estimulados a migrar do Ibama para o ICMBio e deste para o Serviço Florestal.
Em última análise, a obtenção de experiência não combina com especialização, e sim com generalização.
Embora tendo serventia para o órgão estatal, a generalização não irá aprimorar a tecnologia de manejo florestal praticada na Amazônia. A terceirização vai.
  
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.