quinta-feira, 5 de março de 2015

Será que o mercado legal de animais amazônicos aquece o mercado ilegal?




* Ecio Rodrigues
Muitos produtos florestais poderiam ganhar importância econômica expressiva na Amazônia. Contudo, em absolutamente nenhum estado amazônico a produção florestal é considerada prioridade pela política pública. E o que é pior: esse desdém da ação pública se funda em argumentos que não resistem a uma análise minimamente criteriosa.
No caso, por exemplo, da fauna silvestre, o manejo florestal de animais nativos para a produção de carne e mesmo para a comercialização dos chamados bichos de estimação (reconhecidos pela sigla em inglês PET) não é prioridade nem sequer é levado em consideração pela política pública, por razões que chegam a ser risíveis diante de sua improbabilidade, mas que atrapalham a capacidade de análise de uma sociedade como a nossa, carente de informações de qualidade.
O raciocínio simplório – e equivocado, sob o ponto de vista econômico e ambiental – funciona mais ou menos assim: deve-se criar dificuldades para o licenciamento do manejo de fauna, uma vez que a organização de uma cadeia produtiva para a oferta de animais silvestres irá acobertar a captura ilegal desses animais no interior da floresta.
Por mais absurdo que pareça, esse raciocínio tortuoso prevalece no âmbito dos órgãos de controle ambiental e sempre contamina qualquer discussão envolvendo o estabelecimento de um mercado legalizado para a fauna. Pois os resultados obtidos em décadas de contradição e falta de rumo são mais que evidentes nas estatísticas concernentes ao comércio de animais silvestres oriundos da Amazônia.
Estatística fornecida pela Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (Cites, na sigla em inglês) dá conta que no período entre 2000 e 2006 o Brasil, oficialmente, exportou 52 araras, 100 papagaios, 61 saguis, 6 jibóias e nenhum iguana. No mesmo período, a Holanda exportou 2.213 papagaios; a Inglatera, 520 saguis; a República Checa, 12.531 jiboias; os Estados Unidos, 683 araras e 13.486 iguanas.
Nem o mais otimista dos ambientalistas defensores da hipocrisia de se evitar um mercado legal para animais silvestres amazônicos poderá endossar que a ausência de um mercado forte e legalizado tem ajudado a evitar a comercialização desses animais, vivos ou mortos, por baixo dos panos e das bancas de feiras livres.
Tratados como se fossem drogas, os animais amazônicos continuam sendo negociados – ou traficados – na região e fora dela, a despeito das penas cominadas para o infrator – ou traficante –, uma vez que o comércio ilegal de animais silvestres é tipificado como crime ambiental, e durante certo tempo foi considerado até inafiançável.
Para contornar o fato e a evidência de que comprometer o mercado legal não ajuda a combater o ilegal, eles, os ambientalistas, distantes da realidade, depositam suas expectativas e direcionam sua frustração para o óbvio: a falta de capacidade de fiscalização do aparato estatal de controle.
Não conseguem entender que um aparato de fiscalização “ideal” é simplesmente inviável, por seu custo e amplitude imensuráveis. Não conseguem entender, de outra banda, que os custos da fiscalização levada a cabo pelo Estado, extremamente elevados, são pagos pela sociedade, que, por sua vez, não vê nenhum retorno, embora conviva com o eterno paradoxo de concordar em financiar algo que não resolve nada, na singela esperança de que um dia venha a resolver.
Todavia, a pergunta permanece. Será que o mercado legal de animais silvestres aquece o mercado ilegal na Amazônia? A resposta é um sonoro NÃO.
         A probabilidade de um produto comercializado no mercado legalizado acobertar ou aquecer o produto do mercado ilegal contraria todas as premissas da teoria econômica, sendo, desse modo, ínfima, inferior a 0,1% para alguns produtos.
Mas, como a ínfima probabilidade existe, parece ser suficiente para que o mercado legal não vingue e o ilegal prolifere. Que fazer? 

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Manejar a fauna amazônica é proibido?




* Ecio Rodrigues
         Não é proibido, mas tem que brigar com o Ibama. Essa resposta, espetacular, foi dada por um produtor rural, ao ser confrontado com a pergunta lançada no título deste artigo.
Ocorre que a legislação ambiental brasileira, sempre prenhe de contradições, permite o manejo de animais silvestres sob o sistema intensivo (ou seja, por meio de criatórios), em detrimento do sistema extensivo – isto é, o manejo efetuado na própria floresta, em ambiente natural. Trata-se de um contrassenso porque, seja sob o ponto de vista do animal (seu bem-estar e seu desempenho), seja sob o ponto de vista dos impactos ambientais, não há nenhuma dúvida quanto à superioridade do manejo extensivo em comparação com o intensivo.
Mas os contrassensos não param por aí. Como não há proibição expressa, a legislação na verdade deixa uma brecha, abrindo a possibilidade de o manejo extensivo vir a ser licenciado. Todavia, como toda brecha normativa, está sujeita a interpretações várias, e é aí que mora o perigo.
É que vigora certo senso comum – equivocado, claro, mas que impregna os órgãos de controle ambiental e inclusive entidades ambientalistas mais adeptas do preservacionismo – que considera arriscado o manejo da fauna silvestre de forma geral, e particularmente o praticado de forma extensiva.
Entende-se que o licenciamento do manejo de pacas, catetos, queixadas, capivaras etc. possibilitaria a estruturação de um mercado legalizado que, por sua vez, iria acobertar e ampliar o persistente mercado ilegal de carnes de animais silvestres amazônicos. Dessa forma, a interpretação restritiva da norma para impedir o licenciamento do manejo de fauna, sobretudo o efetuado na floresta, ajudaria a manutenção dessas espécies, prevenindo o risco de extinção.
Um raciocínio tortuoso, mas que se mantém, mesmo sem nenhuma evidência, sem nenhum resultado a lhe conferir alguma validade. Na verdade, as evidências demonstram justamente o contrário: durante os últimos 40 anos, desde a aprovação da legislação sobre a fauna silvestre, o mercado legalizado vem sendo desestimulado, e isso não alterou em nada a realidade amazônica.
Entretanto, ninguém – nem os órgãos ambientais, nem os técnicos que atuam nas instituições de pesquisas, nem mesmo a academia – ninguém se dá ao trabalho sequer de constatar que o fato de não se licenciar o manejo da fauna não pode ser considerado uma solução para o problema do mercado ilegal, pela simples razão de que essa via já foi testada nos últimos 40 anos e não deu certo, em face de um conjunto de motivos facilmente determináveis.
Decerto vai-se gritar que a fiscalização não foi realizada a contento, ou que faltaram campanhas de sensibilização voltadas para persuadir a sociedade, notadamente o produtor rural que vive cheio de preocupações com sua subsistência, a se envolver na denúncia dos caçadores – ou melhor, dos traficantes, como oficialmente se diz. Sem embargo, não se pode negar que uma extraordinária soma de recursos públicos é anualmente consumida pelos órgãos estatais de controle, e o tráfico de animais silvestres é amiúde objeto de caríssimas campanhas de mídia.
Enfim, esses argumentos não passam de um corolário de justificativas sem sentido, que não condizem com a realidade dos animais silvestres, cujo risco de extinção se amplia ano após ano. Tampouco condizem com a realidade das frágeis economias dos municípios amazônicos, em especial os interioranos, que não conseguem transformar em dividendos sociais uma grande vantagem comparativa que detêm – a rica fauna silvestre que habita seus territórios.
Enquanto isso, a criação de gado, alternativa econômica que não encontra embaraços, avança sobre a floresta, deixando a fauna silvestre sem habitat. Mais paradoxal, impossível.         

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.









domingo, 8 de fevereiro de 2015

Prioridades para a política florestal na Amazônia em 2015




* Ecio Rodrigues
O momento é mais que oportuno. Os acordos assinados, ou aqueles que estão sendo negociados no mundo, empurram-nos para isso há pelo menos 20 anos. É hora de finalmente tomar-se a decisão de dar prioridade ao setor florestal na Amazônia.
No curto prazo, a principal demanda para a política florestal na Amazônia, sobretudo em relação às florestas nativas, é a promoção do manejo de uso múltiplo – na condição de tecnologia desenvolvida pela ciência florestal brasileira para a exploração sustentável dos estoques florestais.
Entenda-se por “promoção” o desenvolvimento de iniciativas voltadas para o aperfeiçoamento e a propagação do manejo florestal de uso múltiplo, de forma a demonstrar-se não apenas sua aplicabilidade como também o grande potencial produtivo do ecossistema amazônico.
A divulgação, a qualificação de profissionais para aplicação dessa tecnologia (no Acre, para cada 100 planos de manejo licenciados há apenas 4 novos técnicos habilitados) e a reformulação das regras direcionadas ao seu licenciamento são ações que precisam ser encaradas como prioridades.
No médio prazo, deve-se conferir às questões florestais o mesmo arcabouço garantido ao tema do meio ambiente na década de 1990 e ao da água na década de 2000. Isto é, uma nova institucionalidade, nos âmbitos estatal e privado, deve ser assegurada aos assuntos relacionados à exploração do ecossistema florestal – fazendo-se jus à sua condição de prioridade política. 
Ora, se não existem dúvidas quanto à importância da floresta como solução para minimizarem-se os efeitos do desmatamento, do aquecimento do planeta, das mudanças no clima, das secas e alagações – sem falar das centenas de matérias-primas que podem ser ofertadas mediante a exploração do ecossistema florestal –, parece claro que o tema não pode permanecer na precariedade atual.
Isso significa, por exemplo, que a constituição jurídica do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) deve ser revista, de modo a fornecer-se alguma agilidade operacional a esse órgão; significa ainda que, na condição de organizador do sistema nacional de florestas, o SFB deve migrar da alçada do Ministério do Meio Ambiente para a alçada do Ministério da Agricultura. Isto é, a gestão das florestas deve sair da jurisdição ambiental e retornar ao setor produtivo – que era onde se assentava o antigo IBDF, antecessor do SFB).
Talvez seja mesmo o momento de se discutir a criação de um órgão federal com maior relevância política para cuidar da produção florestal. Diga-se, a propósito, que a produção pesqueira adquiriu considerável proeminência com o advento da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca em 2003, a ponto de obter um ministério exclusivo em 2009.
Também deve ser promovida pelo Governo Federal – inclusive por meio do franqueamento de recursos financeiros – a criação de órgãos estaduais com estrutura e poder político para levar o uso múltiplo da biodiversidade amazônica a um novo patamar.  
Por sinal, enquanto, no Estado do Amazonas, a existência da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável só comprova a importância de uma instituição bem estruturada para gerir a política florestal estadual, no Acre, de forma inexplicável, a Secretaria Estadual de Floresta foi simplesmente extinta – sem que nenhum outro órgão fosse criado em substituição.
Por outro lado, estudos envolvendo a estadualização e municipalização da gestão florestal são muito bem vindos. A análise dos impactos que as decisões locais causam sobre a dinâmica florestal pode trazer resultados expressivos para a ação estatal na gestão das florestas na Amazônia.
No longo prazo, por fim, é necessário acabar com o preconceito que estigmatiza o mais importante produto florestal da Amazônia: a madeira.
      
* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.