domingo, 31 de janeiro de 2016

Argentina trilha um novo caminho




* Ecio Rodrigues
Passada a ressaca eleitoral no país vizinho, o povo argentino se depara agora com decisões que certamente remetem a uma forma diferente de governar.
Num resultado eleitoral considerado histórico, os argentinos fizeram uma mudança sem precedentes no governo daquele país, colocando em xeque o modelo político e, mais importante ainda, o modelo econômico levado a efeito na América Latina, sobretudo a partir do ano 2000.
Um modelo político de certa maneira cultivado no Brasil e na Venezuela, e que rapidamente se alastrou por Bolívia, Peru, Paraguai e Equador, somente para ficar nos mais próximos. Um modelo que se desgastou em todos esses países nos quais foi implantado e que sofreu seu primeiro revés expressivo na Argentina.
Considerado, de forma um tanto romântica pela imprensa, como “de esquerda”, esse modelo político, resumidamente, tem como principal referência a ascensão de um sindicalismo que se preocupa menos com o aprimoramento das relações entre capital e trabalho e mais com o poder político representado pelas vitórias eleitorais.
Possivelmente a designação mais acertada para esse modelo seja “populismo de centro-esquerda”, uma vez que propugna um assistencialismo exacerbado (por isso o viés populista), associado a um corolário econômico que se intitula socialista (por isso o viés de esquerda), mas que não pode fugir das exigências do capitalismo globalizado (por isso o viés de centro).
Complexo para explicar e mais ainda para entender. O fato é que o modelo se mostrou dependente de uma composição política que distribui cargos em quantidade suficiente para manter a governabilidade. Equipes de gestores são formadas em função de sua fidelidade ao modelo, mesmo que essa escolha comprometa a governança – devido a uma inequívoca falta de vocação para a gestão estatal.
Um erro manifesto, evidente. Ocorre que equipes de governo devem ser compostas para garantir governança, e não governabilidade. Quer dizer, o foco deve estar na eficiência para o gerenciamento da máquina pública.
Diferentemente, quando as equipes são compostas para atender, como dizem os cientistas políticos, demandas de governabilidade, o propósito se resume em evitar (como no caso brasileiro) que os políticos eleitos tenham seus mandatos cassados ou, dizendo de oura forma, venham a ser impitimados (para usar uma palavra aportuguesada do inglês e um tanto estranha).
Os resultados desastrosos desse recorrente equívoco são facilmente observados nas incompetências usuais da gestão pública brasileira, em que o gestor público é amiúde escolhido e nomeado (com pouquíssimas exceções) independentemente de sua formação ou experiência profissional.
No modelo rejeitado pelos argentinos, a incompetência na gestão estatal era, paradoxalmente, reforçada por um Estado cada vez mais presente na vida das pessoas. Um Estado caro, colossal, inchado e ineficiente, que impede a sociedade de promover a dinâmica da economia.
Espera-se que a decisão dos argentinos repercuta na região e que a prestação dum serviço público mais satisfatório para a sociedade seja percebida logo de imediato – lá e, claro, nos países vizinhos.
Espera-se mais, que fatores como currículo e formação técnica da equipe de gestores públicos argentinos logrem engendrar na sociedade o consenso de que o Estado não pode cuidar de empresas aéreas ou de mais de 140 empresas que produzem de peixe a computador, como acontece por aqui.
Menos órgãos públicos, mais empresas privadas e mais sociedade civil. Se o rótulo para isso é liberalismo, que seja. Esse, o principal recado dos argentinos para a região.   

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Em 2015, Amazônia se distancia da sustentabilidade




* Ecio Rodrigues
Não devido à crise econômica e à irresponsabilidade com o orçamento estatal, mas é bom reconhecer, em 2015 a sustentabilidade na Amazônia ficou ainda mais distante.
Pontos negativos para reforço dessa tese não faltam. Alguns podem ser facilmente elencados, começando pela calamitosa alagação que castigou sem perdão o Acre e o sul do Amazonas (com destaque para a cidade de Boca do Acre), e que consumiu os quatro primeiros meses do ano, chegando até meados de maio em algumas localidades.
Além de chamar a atenção diante dos extremos de vazão alcançados pelos rios Acre e Purus, que apresentaram quantidade de água e concentração espacial assustadoras, a alagação atípica de 2015 alertou os pesquisadores para uma nova variável: o tempo de duração.
No caso do Estado do Acre, pela primeira vez, as áreas situadas sob a influência da bacia hidrográfica do Rio Acre foram submetidas a mais de 60 dias de níveis elevados de vazão – já que o rio, como se diz, teimava em não baixar.
E a despeito desse fato não ser levado em conta, a duração da alagação tem implicações diretas sobre os custos suportados pela sociedade. Quer dizer, o custo financeiro da alagação de 2015 foi bem superior, por exemplo, aos investimentos necessários para aumentar a resiliência dos rios. O que não foi feito até agora.
Sem embargo, a taxa de desmatamento está na raiz dos males que assolam a região. E embora exista farta comprovação científica quanto a essa constatação, a verdade é que, em toda a Amazônia, incluindo o Acre obviamente, a taxa de desmatamento em 2015 demonstrou uma dinâmica preocupante – para dizer o mínimo.
Por sinal, a ladainha da falta de alternativa econômica para o desmatamento não procede, carecendo de base científica. Trabalhos publicados pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre outras instituições que gozam de credibilidade insuspeita, comprovam a superioridade, sob a ótica da sustentabilidade, de uma economia florestal para a região amazônica.
Apresentando, na atualidade, a madeira como produto prioritário, a organização dum Cluster Florestal com condições de colocar no mercado um leque com mais de 40 produtos e serviços pode ser a alternativa para futura geração de emprego e renda na região, embora dependa de ações urgentes no curto prazo. O que não foi feito até agora.
Para se ter uma ideia, o número de áreas de florestas entregues à iniciativa privada e à sociedade, para exploração sob o regime de concessão, é irrisório em face da quantidade existente e da demanda igualmente elevada.
Os gestores públicos responsáveis pelo Serviço Florestal Brasileiro provavelmente vão culpar a crise que se abate sobre o governo federal – o que não é de todo verdade. A legislação que regula as concessões de florestas públicas, que está completando 10 anos em 2016, prevê mecanismos que reservam certa autonomia diante das amarras comuns a um Estado ineficiente.
Para piorar, a inserção das Unidades de Conservação na dinâmica econômica da região, ponto também crucial para a consolidação do Cluster Florestal, retrocedeu em função da ampliação do desmatamento e da criação de boi no âmbito dessas áreas. Auditoria do Tribunal de Contas da União já comprovou a incompetência do órgão estatal que gerencia as Unidades de Conservação, conhecido pelo sofrível acrônimo ICMBio.
Sem a participação das concessões florestais e das Unidades de Conservação na dinâmica econômica não haverá floresta a ser manejada. Não haverá aproveitamento do potencial econômico da biodiversidade e nem gente ganhando dinheiro com isso.
Enquanto o desmatamento aumentar e o Cluster Florestal não vingar, a sustentabilidade na Amazônia estará cada vez mais distante.
  
* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Animais selvagens amazônicos para PET




* Ecio Rodrigues
É mais fácil possuir um avestruz como bicho de estimação (PET, da sigla em inglês) do que um papagaio nascido e criado na Amazônia.
Essa afirmação, embora verdadeira, evidencia uma grande anomalia. Resta perguntar que tipo de diretriz técnica pode sustentá-la. Quer dizer, o que leva o Estado brasileiro a dificultar de forma tão drástica o licenciamento ambiental para a criação de animais silvestres, a ponto de criar esse tipo de contrassenso.
Na completa ausência de subsídios técnicos para sustentar o pressuposto de que a criação de animais amazônicos como PET pode acarretar danos ao ambiente florestal da Amazônia ou à economia da região, a resposta a essas perguntas mais assusta que conforta.
Os ambientalistas mais ortodoxos, aqueles que acreditam piamente que é possível impedir a exploração da floresta amazônica pelo homem, costumam considerar que os três maiores problemas ambientais que afligem a região são: lixo; queimada em quintais; e caça e captura clandestina de bichos na floresta para fins de alimentação e domesticação.
Trata-se de um grande equívoco. Por sinal, a quantidade de equívocos presentes nesses três “pecados capitais” é tamanha, que qualquer argumentação contrária exigiria muito mais que um breve artigo de jornal.
Mas, só a título de explicação, é importante deixar claro quais são os reais problemas ambientais amazônicos, cujo combate deveria concentrar os esforços de todos: desmatamento de florestas e queimada.
De qualquer forma, o ponto é que esse tipo de raciocínio tortuoso, que prescinde de justificativa técnica, frequentemente vigora nos órgãos de licenciamento, levando por sua vez ao entendimento de que a transformação de um papagaio em PET ajudaria a engrossar as estatísticas relacionadas à caça clandestina. Nada mais enganoso.
Durante toda a história da humanidade, muitas espécies foram tiradas do ambiente selvagem para servir aos seres humanos como fonte de proteína, como matéria-prima para indumentárias e calefação, e até como meio de transporte. No âmbito desses propósitos (alimentação, aquecimento, transporte), as espécies mais dóceis, aquelas que conquistaram a amizade das pessoas, se transformaram em bichos de estimação.
Em nenhum momento da história da relação do homem com os bichos de estimação houve interferência na população de animais existente em ambiente selvagem. Ou seja, caça clandestina e oferta legalizada de bichos de estimação são, como dizem os estatísticos, variáveis com comportamento indiferente entre si. Não há comprovação de influência de uma sobre outra.
Por outro lado, animais vendidos em criatórios legalizados jamais correram risco de extinção. Tome-se o exemplo dos bichos exóticos vendidos aqui no Brasil – como o avestruz acima citado.
A conclusão é que a criação doméstica de animais amazônicos vai, no médio prazo, ajudar a resolver pelo menos duas questões prementes e cruciais: reduzir o risco de extinção de espécies e, o mais importante, ampliar o valor do habitat desses animais, ou seja, da floresta.
Afinal, depois de mais de 50 anos de vigência das legislações de proteção à fauna – quer dizer, depois de 50 anos de fiscalização e aplicação de multas –, os animais silvestres amazônicos continuam ameaçados.
Óbvio, portanto, que esse não é o caminho. E o mercado de PET pode ajudar a transformá-lo.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.