segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Da relação entre mata ciliar e equilíbrio hidrológico




* Ecio Rodrigues
Em suma, a existência de florestas, notadamente as que são consideradas especiais e que ocupam as faixas de mata ciliar, não vai impedir a alteração no regime de chuvas – cuja dinâmica depende do processo de mudanças climáticas, guardando certo grau de imprevisibilidade.
Todavia, se não é possível prever com exatidão a quantidade de chuvas que irá cair numa certa localidade, num espaço de tempo significativo (durante uma determinada estação do ano, por exemplo), já é possível afirmar, de outra banda, que a presença duma quantidade maior de biomassa nas margens de um rio – seja mediante a ampliação da largura da faixa de mata ciliar, seja mediante o adensamento da quantidade de árvores ali existentes – garante maior equilíbrio hidrológico ao rio.
Significa dizer que o rio não só apresentará diferenças de vazão menos acentuadas como também (e mais importante) apresentará maior resiliência, ou seja, maior capacidade para reagir às flutuações abruptas de vazão.
Portanto, continuando o raciocínio, pode-se dizer que as funções exercidas pela mata ciliar vão muito além dos corriqueiros e difundidos serviços de controle de assoreamento e de manutenção de habitat para fauna terrestre.
Essas funções incluem, por exemplo, o isolamento da água do rio de queimadas e incêndios florestais, que elevam a temperatura e matam a ictiofauna; ou, ainda, o sequestro de carbono, possibilitando a imobilização duma expressiva quantidade desse gás, considerado o mais perigoso para o efeito estufa.
Sendo assim – e ainda que à primeira vista essa constatação possa aparentar algum exagero – a restauração florestal da faixa de mata ciliar existente ao longo dum rio poderá auxiliar na estabilidade da vazão e no equilíbrio hidrológico desse curso d’água, reduzindo os efeitos de eventos extremos, como secas e alagações prolongadas.
Abram-se aqui parênteses, a fim de esclarecer o emprego – proposital – do termo “prolongado” na adjetivação dos eventos extremos.
A aferição do tempo de duração das calamidades (em especial no caso das alagações) é uma tendência cada vez mais comum, já que essa intermitência temporal irá repercutir nas ações estatais levadas a cabo de maneira geral e, em especial, na assistência prestada aos atingidos.
Em síntese, não só os extremos de vazão estão cada vez mais preocupantes (ou seja, os níveis mínimos de água estão cada vez mais mínimos, e os máximos, cada vez mais máximos) como também o tempo de duração desses extremos de vazão vem se alargando. A cada evento percebe-se que o rio permanece por mais tempo muito seco e por mais tempo muito alagado, exigindo da sociedade um investimento cada vez maior de recursos públicos.
A boa notícia é que existe uma saída, e ela está na mata ciliar. Todavia, como a relação entre a água que flui no rio e a floresta presente na mata ciliar demorou a chamar a atenção dos pesquisadores, ainda existem poucos estudos sobre o tema.
Cabe à política pública promover a realização de pesquisas sobre a relação entre a mata ciliar e a ocorrência de eventos extremos, bem como fomentar a execução de projetos voltados para a restauração desse tipo peculiar de florestas.  
Somente por meio duma política púbica que considere os serviços prestados pela mata ciliar – reconhecendo, inclusive, a conveniência em remunerar-se o produtor pelo manejo dessas formações florestais, com o objetivo precípuo de favorecer a interação água/floresta – será possível alcançar o equilíbrio hidrológico do rio.
Afinal, uma coisa é certa. Quanto mais biomassa florestal existir na mata ciliar, maior será a influência no equilíbrio hidrológico do rio.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Experiência do Projeto Ciliar Só-Rio Acre completa cinco anos

* Ecio Rodrigues


 A discussão sobre as espécies que devem ser empregadas na restauração florestal das áreas de mata ciliar persiste, a despeito de o Código Florestal e a Resolução 429/2011 (do Conama) expressamente exigirem o plantio de árvores que sejam nativas e endêmicas no respectivo trecho de mata ciliar objeto de restauração. Não há espaço legal ou técnico para o plantio de árvores frutíferas e a transformação da mata ciliar num grande pomar, por uma razão simples: a produção de frutas não melhora a quantidade e a qualidade da água que flui no rio. A água é o produto ofertado pela mata ciliar, não as frutas, como querem os desavisados.

 Com reconhecimento obtido ao vencer o Prêmio Samuel Benchimol edição 2011, na categoria ambiental, o Projeto Ciliar Só-Rio Acre completa em 2015 cinco anos de execução. A sugestiva denominação “Ciliar Só-Rio” faz referência, obviamente, à mata ciliar (que, por sua vez, recebe essa designação em alusão aos cílios dos olhos) – expressando ainda a ideia de simplicidade e de alegria: basta restaurar a cobertura florestal presente na mata ciliar para que o rio Acre volte a sorrir, volte a ser um rio, com suas características ambientais restauradas. A premissa de que a restauração florestal da mata ciliar ampliaria a resiliência do rio – entendendo-se resiliência como a capacidade de o rio assimilar e reverter impactos ambientais – foi apresentada ao CNPq ainda em 2006. Em 2010, a instituição aprovou, por meio de edital, um orçamento de 200 mil reais destinados ao investimento em ações relacionadas à mata ciliar, a serem executadas nos municípios do Acre atravessados pelo rio de mesma designação. De maneira sucinta, o investimento foi direcionado para: 1. Mapear, por meio do emprego de imagens de satélite (atualizadas), uma faixa de dois quilômetros de largura em cada margem, no perímetro em que o rio corta o Estado do Acre; 2. Diagnosticar, por meio de inventário florestal, os tipos de florestas, a fitossociologia e a dinâmica da vegetação presente ao longo daquela faixa de dois quilômetros; 3. Identificar os trechos desmatados de mata ciliar considerados críticos em cada um dos oito municípios cortados pelo rio em território estadual; 4. Calcular, mediante o emprego de um indicador concebido pela equipe de pesquisadores (denominado IVI-Mata Ciliar), as 20 espécies arbóreas e de palmeiras a serem prioritariamente empregadas em futuros projetos de restauração florestal; e 5. Promover uma campanha de conscientização direcionada para a aprovação de uma Lei Municipal da Mata Ciliar, a fim de definir a chamada Largura Técnica da faixa de mata ciliar a ser obedecida em cada município. Durante os primeiros 36 meses de execução do projeto, um total de 12 pesquisadores se envolveu na medição de mais de 4.800 árvores, distribuídas na mata ciliar do rio Acre, entre Assis Brasil, nas proximidades da nascente, até bem perto da foz, em Porto Acre. O estudo dessas formações florestais possibilitou a organização de uma promissora linha de pesquisa, chamada preliminarmente de “Interação água e floresta na Amazônia”, cuja demanda por trabalhos técnicos ainda está por ser definida. Tanto a metodologia adotada pelo projeto – ancorada no tripé mapeamento por satélite, inventário da tipologia florestal e mobilização para aprovação de legislação municipal – quanto as inovações tecnológicas desenvolvidas, baseadas nas formulações matemáticas que resultaram no indicador IVI-Mata Ciliar e no cálculo da Largura Técnica da faixa de mata ciliar, possibilitaram a elaboração e o teste de procedimentos especificamente destinados a estudos sobre matas ciliares. Diante do desempenho alcançado, não há dúvida que esses procedimentos são adequados para a realidade do bioma Amazônia, sendo passíveis de ser adotados, com algumas modificações, em outras localidades. A experiência do Ciliar Só-Rio já foi reproduzida no igarapé Batista (que corta a cidade de Rio Branco), no igarapé Santa Rosa (que nasce e morre no município de Xapuri), e também no Purus, na área de influência da cabeceira desse rio. Os resultados são reveladores de uma realidade na qual a política pública pode e deve intervir. * Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 7 de junho de 2015

Cacau nativo comporá cesta de produtos florestais




* Ecio Rodrigues
Decerto que a ampliação do número de produtos florestais que podem ser manejados por comunidades que habitam o ecossistema florestal da Amazônia é uma das diretrizes para viabilizar a atividade do manejo florestal comunitário – que, por sua vez, se configura na principal, senão única, alternativa econômica à criação de boi.
O manejo florestal comunitário surgiu no Acre no início da década de 1990, em especial após a criação das reservas extrativistas. Portanto, a despeito de não ser ainda objeto de consenso, trata-se de uma tecnologia concebida e testada com sucesso há 25 anos, tendo ganhado força em toda a Amazônia.      
A expectativa inicial era a de que, no curto prazo – até 2010, digamos –, pelo menos 20.000 seringueiros transformados em manejadores florestais aderissem a essa tecnologia, para ofertar uma cesta variada de produtos florestais, incluindo-se, obviamente, a madeira.
Frustrou-se a expectativa, e passos lerdos têm sido dados desde então. Vez ou outra aparece um produto que ganha alguma importância comercial e faz com que as atenções se voltem para o manejo florestal comunitário. Uma atenção fugidia, que logo recua ao lugar comum da nefasta criação de boi realizada no interior da floresta.
É provável que a principal novidade, nas idas e vindas entre o manejo florestal e a pecuária praticada nas reservas extrativistas (ou em áreas de floresta ainda sem regularização fundiária definida), seja a produção de cacau nativo.
O componente que diferencia o cacau nativo em relação à pupunha, à seringueira, à pimenta longa, entre outros produtos florestais que ganharam importância comercial, reside no fato de que o cacau não pode ser (novamente) domesticado: a domesticação desse produto ocorreu lá atrás, ainda no século XVII.
Quer dizer, é como se fosse, o cacau nativo, um novo produto introduzido no mercado, que não concorre com o cacau domesticado, melhorado geneticamente e caracterizado pela alta produtividade. Em face do sabor original que marca o seu chocolate, o cacau nativo apresenta o que os economistas chamam de “nicho de mercado”, ou seja, um público com necessidades ou exigências específicas, cuja exploração pode representar grande oportunidade de negócio.
Atualmente praticado pelos ribeirinhos do Purus, o manejo comunitário do cacau nativo tem potencial para ser aplicado em outras partes da Amazônia. A boa notícia é que os expedientes técnicos para a elaboração do respectivo Plano de Manejo Florestal já foram desenvolvidos.
O Plano de Manejo serve a dois fins. Primeiro, orienta os manejadores quanto aos procedimentos executados durante todo o processo produtivo, empregando inovações tecnológicas no intuito de alcançar a produtividade demandada pelo mercado.
Segundo, possibilita o licenciamento ambiental da atividade perante os órgãos de controle, e o monitoramento da produção florestal, o que fornece segurança para o manejador.
Mas, para elaborar um documento com esse nível de exigências é necessário um cabedal de informações subsidiárias.
Mediante projeto de pesquisa empreendido no Acre em 2007, sob o apoio do CNPq, logrou-se conceber metodologia para o levantamento de algumas dessas informações, a saber: mapeamento da dispersão dos povoamentos de cacau por meio de imagens de satélite de média resolução (para o levantamento da ocorrência de cacau); inventário do cacau nativo (para o levantamento da quantidade de pés de cacau existentes no local de ocorrência); aferição da importância do cacau para a geração de emprego e renda junto aos manejadores; e otimização do sistema produtivo.
O desafio principal foi superado e a tecnologia, desenvolvida; falta convencer os políticos que manejar cacau é melhor que criar boi. Mas isso leva tempo. Muito tempo.    

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


segunda-feira, 25 de maio de 2015

Rotular transgênicos não resolve nada



* Ecio Rodrigues
O governo não consegue expor para a sociedade, de forma clara, a posição do Estado brasileiro em relação aos organismos geneticamente modificados, os chamados transgênicos. Entre a ojeriza da sociedade pouco informada e a completa omissão da classe política, as discussões sobre a matéria sempre ocorrem como se fosse a primeira vez, como se a produção de transgênicos no Brasil não fosse uma realidade.
Mal comparando, é mais ou menos o que acontece com o tema das hidrelétricas. Existem mais de 120 usinas hidrelétricas em funcionamento no Brasil e não há a menor possibilidade de que não venham a ser construídas, no mínimo, outras 50. Mas a sociedade gosta de se posicionar contrariamente à construção de cada nova usina.
A explicação para esse paradoxo está justamente na omissão dos políticos, que, temendo perder votos, não esclarecem que a opção pela geração de energia elétrica por meio do aproveitamento da força das águas foi feita pelo país há pelo menos 50 anos. No final das contas, não se discute o que tem que ser discutido, ou seja, o porquê dessa opção e as suas decorrências.
No caso dos transgênicos, aliás, discursar contra e decidir a favor tem sido a máxima empregada pelos políticos, sobretudo nos últimos 10 anos.
A primeira legalização de um plantio de sementes geneticamente modificadas em território brasileiro ocorreu em 2003. O Brasil, atualmente, é um dos líderes mundiais na produção de soja transgênica.
Por outro lado, grande parte dos produtos do agronegócio – soja, algodão e milho, para ficar nos mais comuns – já se encontra no que os especialistas chamam de terceira geração do melhoramento genético.
Para exemplificar, vamos dizer que certa espécie importante para alimentar, vestir ou transportar a humanidade foi alterada em sua genética, a fim de resistir ao ataque de uma vespa. Antes da primeira geração modificada dessa espécie, a vespa era controlada por meio do uso de agrotóxicos, o que passou a não ser mais necessário.
Continuando, digamos que a espécie do exemplo se deteriorasse rapidamente. Da colheita ao supermercado ou à sua industrialização, suportasse não mais que 24 horas. Um prazo que foi alargado para cinco dias com a segunda geração modificada da espécie.
Porém, o cultivo totalmente mecanizado da espécie rendia duas toneladas por hectare de matéria-prima, o que era pouco para atender à demanda da humanidade. A ampliação do plantio iria requerer o desmatamento de 100 mil hectares de florestas todos os anos, a um custo elevadíssimo. Com a terceira geração, a produtividade foi multiplicada por quatro.
Dispensar a identificação explícita no rótulo dos produtos cuja industrialização emprega até 1% de espécies transgênicas, como aprovado pela Câmara em abril último, contribui para reduzir a omissão dos políticos. Esse, sim, o maior problema. Se o país não sabe se libera ou não o cultivo dos transgênicos, não pode se aferrar à discussão do rótulo.
O ponto não está no rótulo, mas na opção que o país fez, de basear sua economia no agronegócio. O agronegócio brasileiro, para não perder competitividade, está aderindo à produção de transgênicos, como fizeram os americanos e os chineses.
No frigir dos ovos, a produção de transgênicos exige regulamentação internacional, o que, por sinal, tem sido tema de debate no âmbito da ONU. Mas desprezar o emprego de espécies geneticamente modificadas no agronegócio é um tiro no pé. Nenhum produtor, ou região produtora, ou, ainda, nenhuma nação para a qual o agronegócio representa quase a metade de seu Produto Interno Bruto, como é caso do Brasil, irá deixar de usar espécies transgênicas, se os demais países usam.
Discursar sobre a afixação duma caveira no rótulo dos produtos agrada e não resolve nada. Mas parece que a ideia é essa.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.