domingo, 7 de junho de 2015

Cacau nativo comporá cesta de produtos florestais




* Ecio Rodrigues
Decerto que a ampliação do número de produtos florestais que podem ser manejados por comunidades que habitam o ecossistema florestal da Amazônia é uma das diretrizes para viabilizar a atividade do manejo florestal comunitário – que, por sua vez, se configura na principal, senão única, alternativa econômica à criação de boi.
O manejo florestal comunitário surgiu no Acre no início da década de 1990, em especial após a criação das reservas extrativistas. Portanto, a despeito de não ser ainda objeto de consenso, trata-se de uma tecnologia concebida e testada com sucesso há 25 anos, tendo ganhado força em toda a Amazônia.      
A expectativa inicial era a de que, no curto prazo – até 2010, digamos –, pelo menos 20.000 seringueiros transformados em manejadores florestais aderissem a essa tecnologia, para ofertar uma cesta variada de produtos florestais, incluindo-se, obviamente, a madeira.
Frustrou-se a expectativa, e passos lerdos têm sido dados desde então. Vez ou outra aparece um produto que ganha alguma importância comercial e faz com que as atenções se voltem para o manejo florestal comunitário. Uma atenção fugidia, que logo recua ao lugar comum da nefasta criação de boi realizada no interior da floresta.
É provável que a principal novidade, nas idas e vindas entre o manejo florestal e a pecuária praticada nas reservas extrativistas (ou em áreas de floresta ainda sem regularização fundiária definida), seja a produção de cacau nativo.
O componente que diferencia o cacau nativo em relação à pupunha, à seringueira, à pimenta longa, entre outros produtos florestais que ganharam importância comercial, reside no fato de que o cacau não pode ser (novamente) domesticado: a domesticação desse produto ocorreu lá atrás, ainda no século XVII.
Quer dizer, é como se fosse, o cacau nativo, um novo produto introduzido no mercado, que não concorre com o cacau domesticado, melhorado geneticamente e caracterizado pela alta produtividade. Em face do sabor original que marca o seu chocolate, o cacau nativo apresenta o que os economistas chamam de “nicho de mercado”, ou seja, um público com necessidades ou exigências específicas, cuja exploração pode representar grande oportunidade de negócio.
Atualmente praticado pelos ribeirinhos do Purus, o manejo comunitário do cacau nativo tem potencial para ser aplicado em outras partes da Amazônia. A boa notícia é que os expedientes técnicos para a elaboração do respectivo Plano de Manejo Florestal já foram desenvolvidos.
O Plano de Manejo serve a dois fins. Primeiro, orienta os manejadores quanto aos procedimentos executados durante todo o processo produtivo, empregando inovações tecnológicas no intuito de alcançar a produtividade demandada pelo mercado.
Segundo, possibilita o licenciamento ambiental da atividade perante os órgãos de controle, e o monitoramento da produção florestal, o que fornece segurança para o manejador.
Mas, para elaborar um documento com esse nível de exigências é necessário um cabedal de informações subsidiárias.
Mediante projeto de pesquisa empreendido no Acre em 2007, sob o apoio do CNPq, logrou-se conceber metodologia para o levantamento de algumas dessas informações, a saber: mapeamento da dispersão dos povoamentos de cacau por meio de imagens de satélite de média resolução (para o levantamento da ocorrência de cacau); inventário do cacau nativo (para o levantamento da quantidade de pés de cacau existentes no local de ocorrência); aferição da importância do cacau para a geração de emprego e renda junto aos manejadores; e otimização do sistema produtivo.
O desafio principal foi superado e a tecnologia, desenvolvida; falta convencer os políticos que manejar cacau é melhor que criar boi. Mas isso leva tempo. Muito tempo.    

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


segunda-feira, 25 de maio de 2015

Rotular transgênicos não resolve nada



* Ecio Rodrigues
O governo não consegue expor para a sociedade, de forma clara, a posição do Estado brasileiro em relação aos organismos geneticamente modificados, os chamados transgênicos. Entre a ojeriza da sociedade pouco informada e a completa omissão da classe política, as discussões sobre a matéria sempre ocorrem como se fosse a primeira vez, como se a produção de transgênicos no Brasil não fosse uma realidade.
Mal comparando, é mais ou menos o que acontece com o tema das hidrelétricas. Existem mais de 120 usinas hidrelétricas em funcionamento no Brasil e não há a menor possibilidade de que não venham a ser construídas, no mínimo, outras 50. Mas a sociedade gosta de se posicionar contrariamente à construção de cada nova usina.
A explicação para esse paradoxo está justamente na omissão dos políticos, que, temendo perder votos, não esclarecem que a opção pela geração de energia elétrica por meio do aproveitamento da força das águas foi feita pelo país há pelo menos 50 anos. No final das contas, não se discute o que tem que ser discutido, ou seja, o porquê dessa opção e as suas decorrências.
No caso dos transgênicos, aliás, discursar contra e decidir a favor tem sido a máxima empregada pelos políticos, sobretudo nos últimos 10 anos.
A primeira legalização de um plantio de sementes geneticamente modificadas em território brasileiro ocorreu em 2003. O Brasil, atualmente, é um dos líderes mundiais na produção de soja transgênica.
Por outro lado, grande parte dos produtos do agronegócio – soja, algodão e milho, para ficar nos mais comuns – já se encontra no que os especialistas chamam de terceira geração do melhoramento genético.
Para exemplificar, vamos dizer que certa espécie importante para alimentar, vestir ou transportar a humanidade foi alterada em sua genética, a fim de resistir ao ataque de uma vespa. Antes da primeira geração modificada dessa espécie, a vespa era controlada por meio do uso de agrotóxicos, o que passou a não ser mais necessário.
Continuando, digamos que a espécie do exemplo se deteriorasse rapidamente. Da colheita ao supermercado ou à sua industrialização, suportasse não mais que 24 horas. Um prazo que foi alargado para cinco dias com a segunda geração modificada da espécie.
Porém, o cultivo totalmente mecanizado da espécie rendia duas toneladas por hectare de matéria-prima, o que era pouco para atender à demanda da humanidade. A ampliação do plantio iria requerer o desmatamento de 100 mil hectares de florestas todos os anos, a um custo elevadíssimo. Com a terceira geração, a produtividade foi multiplicada por quatro.
Dispensar a identificação explícita no rótulo dos produtos cuja industrialização emprega até 1% de espécies transgênicas, como aprovado pela Câmara em abril último, contribui para reduzir a omissão dos políticos. Esse, sim, o maior problema. Se o país não sabe se libera ou não o cultivo dos transgênicos, não pode se aferrar à discussão do rótulo.
O ponto não está no rótulo, mas na opção que o país fez, de basear sua economia no agronegócio. O agronegócio brasileiro, para não perder competitividade, está aderindo à produção de transgênicos, como fizeram os americanos e os chineses.
No frigir dos ovos, a produção de transgênicos exige regulamentação internacional, o que, por sinal, tem sido tema de debate no âmbito da ONU. Mas desprezar o emprego de espécies geneticamente modificadas no agronegócio é um tiro no pé. Nenhum produtor, ou região produtora, ou, ainda, nenhuma nação para a qual o agronegócio representa quase a metade de seu Produto Interno Bruto, como é caso do Brasil, irá deixar de usar espécies transgênicas, se os demais países usam.
Discursar sobre a afixação duma caveira no rótulo dos produtos agrada e não resolve nada. Mas parece que a ideia é essa.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


segunda-feira, 11 de maio de 2015

Terceirização no setor florestal na Amazônia




* Ecio Rodrigues
Ainda que setores ditos progressistas da política nacional, com certo apoio da mídia, tenham considerado como retrocesso a eleição, para a presidência da Câmara, de um representante da bancada evangélica (cujas posições são muitas vezes questionadas pelos movimentos ligados aos direitos humanos), uma coisa é inegável: a produtividade dos parlamentares aumentou visivelmente.
Ao que parece, um pouco de personalidade e a recusa em manifestar subserviência na relação com o governo federal foram o bastante para conferir eficiência à atuação do presidente da Casa do Povo. Sem receio de contrariar o Executivo, os deputados estão sendo levados a discutir projetos polêmicos, antes engavetados por orientação do governo.
Como é o caso do projeto de lei que regulamenta a terceirização de serviços. A despeito do fato comprovado pela ciência econômica de que a terceirização decorre da especialização do trabalho – que por seu turno é ponto inexorável, ou seja, vai ocorrer por ser inerente ao sistema capitalista – parece haver certa relutância da sociedade em aceitá-la.
No âmbito da atividade florestal exercida na Amazônia não é diferente. Todavia, a relutância em aceitar a terceirização, nesse caso, importa em manifesta contradição, que se amplia ante a pouca ou nenhuma informação disponível sobre esse setor econômico crucial para a economia regional.
Acontece que os procedimentos relativos à derrubada de uma árvore no interior da floresta amazônica; ao processamento primário dessa árvore para o fim de transformá-la em toras; ao arraste das toras aos pontos de estocagem; ao transporte das toras até uma indústria de processamento – todos esses procedimentos, enfim, encerram uma grande quantidade de operações.
Essa lista, evidentemente, não se encerra aí, e cada um desses procedimentos requer a atuação de profissionais qualificados e, portanto, especializados. A lógica é: quanto maior a especialização, maior será a eficiência com que cada operação será realizada.
Por conseguinte, quanto maior essa eficiência, maior será a produtividade de cada operação, e menor (talvez esse seja o ponto mais importante) será o preço final a ser pago pelo consumidor. Significa dizer que uma maior especialização do trabalhador representa a entrega de um produto de melhor qualidade e menor custo para o consumidor.
Sem embargo, chegar a um nível tal de especialização que se traduza em eficiência, maior qualidade e menor preço é tarefa impraticável na alçada de um único empreendimento. Ainda mais levando-se em conta que parte das operações acontece dentro da floresta, onde as condições de trabalho são, para dizer o mínimo, muito complexas, e que a industrialização da madeira ocorre mediante o emprego de máquinas pesadas e difíceis de operar.
A correlação entre a especialização do trabalhador, a terceirização e o preço final do produto parece ser o ponto nevrálgico para compreender a importância da primeira e a inevitabilidade da segunda.
Para resumir, sem querer causar controvérsia: no que se refere à atividade florestal na Amazônia, não há especialização sem terceirização – simples assim. E para ser ainda mais incisivo, a terceirização florestal se processa desde a função elementar de abrir picadas (desempenhada pelo chamado “picadeiro”) até o serviço especializado exercido pelo engenheiro florestal.
Para o cluster florestal da Amazônia, a especialização do trabalhador e a decorrente terceirização do trabalho serão, sempre, as mais amplas possíveis.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.