segunda-feira, 22 de maio de 2017

De extrativista a manejador florestal



* Ecio Rodrigues
Tornou-se de certa forma comum associar o nome de Chico Mendes ao extrativismo da borracha nativa e às Reservas Extrativistas (um tipo especial de unidade de conservação), para explicar o cotidiano da produção florestal na região amazônica durante a década de 1980.
Entretanto, a história econômica da Amazônia, como de resto tudo o mais, não é tão simples assim.
Após o período inicial de conquista do mercado internacional de látex pela borracha nativa, por volta de 1880, veio o apogeu da produção e o fim do monopólio amazônico, ocorrido em 1911, com os seringais plantados da Malásia.
Recuperado, por conta do isolamento dos produtores da Malásia durante a Segunda Guerra, o mercado para a borracha da Amazônica voltaria com força no decorrer das décadas de 1940 e 1950, período no qual se organizou um aparato estatal – caríssimo, diga-se – destinado à oferta de borracha aos países aliados.
Passado o esforço de guerra e liberados os seringais cultivados da Malásia, o extrativismo da borracha na Amazônia enfrentaria novo declínio, desta feita sem volta – em caráter definitivo.
Durante a década de 1960 desmontou-se a estrutura de fomento à extração de borracha na região, cujo fim fora oficialmente decretado com a transferência da atenção estatal para a produção gomífera levada a efeito nos seringais cultivados de São Paulo.
Observando taxas decrescentes todos os anos, a produção de borracha nos seringais nativos amazônicos ressentia-se da ausência do apoio estatal, que foi redirecionado, na região, para a expansão da pecuária de gado. A insignificância econômica da produção de borracha levou seu principal ator social, o seringueiro extrativista, a ser esquecido pelas políticas públicas.
Contudo, a figura do extrativista inexistente na década de 1970 ganharia visibilidade com a ampliação do desmatamento para a instalação da pecuária.
Acontece que, mesmo sem produzir borracha, ou produzindo quantidades desprezíveis para a estatística oficial, o seringueiro teimou em continuar na sua unidade produtiva, a chamada “colocação”, fazendo surgir um inevitável conflito com os pecuaristas.
Na década de 1980 o extrativismo seria redescoberto, sob certo deslumbramento, pelas instituições de pesquisas e, sobretudo, pelo movimento ambientalista internacional: associado à conservação da floresta, foi alçado à condição de atividade produtiva adequada aos ideais de sustentabilidade.
Tendo sido esquecido na década de 1970 e redescoberto na de 1980, o extrativista viria a se tornar ambientalista na década de 1990.
A despeito do deslumbramento com o extrativista-ambientalista, todavia, não se deu o passo em direção à diversificação dos produtos florestais explorados (considerando-se que a borracha não era mais uma opção), de modo a elevar a renda do produtor, pelo menos, até o mesmo patamar assegurado pela pecuária.
A opção pelo boi era inevitável, e o extrativista da década de 2000 se tornou pecuarista. A tendência à agropecuarização hoje observada nas Reservas Extrativistas em toda a Amazônia reflete a desastrosa realidade do extrativista encantado com a pecuária. Daí a reivindicar o aumento da área desmatada de sua colocação é, como se diz, um pulo – que vem sendo dado ano após ano.
Contudo, ainda há tempo para transformar o extrativista da década de 2020 em manejador florestal, capaz de explorar um leque de produtos florestais, obedecendo a uma escala de extração e reposição determinada pelas técnicas de manejo.
Um mercado que pode ser monopolizado, da mesma forma como acontecia com o da borracha, já que se trata de produtos extraídos diretamente do interior de uma floresta peculiar, que só existe na Amazônia.
Uma produção adequada à realidade florestal amazônica e que possibilitará ao produtor a obtenção de renda sem apelar para o desmatamento e para a nefasta criação de boi.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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