*Ecio Rodrigues
Segundo
os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe, até o dia 18 de
setembro de 2016, um domingo, faltando ainda 3 meses e meio para o fim do ano,
o Acre bateu novo recorde de ocorrências de queimadas, com a contagem de 5.903
focos de calor desde janeiro.
Esses
dados descartam a cômoda hipótese insistentemente divulgada e que apregoa, com
certo grau de insensatez, que só os produtores rondonienses, mato-grossenses e
bolivianos queimam – os do Acre são altruístas e não fazem isso.
Também
descartam a igualmente cômoda hipótese segundo a qual a culpa pela fumaça é de fenômenos
climáticos como o El Niño, que reduzem a umidade relativa e a precipitação a
níveis muito baixos, dando origem a queimadas descontroladas (sic).
Por
“queimada descontrolada” entenda-se uma queimada “legal”, licenciada, mas sobre
a qual o produtor supostamente perdeu o controle. Parte-se do mesmo
contrassenso aplicado ao desmatamento – o de que é possível conviver com as
queimadas licenciadas e que as clandestinas podem ser combatidas com
fiscalização.
A
fragilidade desse raciocínio fica evidente diante dos números atestados pelo
Inpe. Ora, é improvável que o recorde se deva às queimadas clandestinas. E
mesmo que assim fosse, seria necessário um aparato de fiscalização gigantesco, com
um custo simplesmente proibitivo, para ser capaz de encontrar todos os focos de
calor, ir até os respectivos locais, identificar as propriedades, os
proprietários e, por fim, averiguar se estes – parafraseando o famoso agente
secreto inglês – têm licença para queimar.
Na
verdade, só será possível chegar a uma solução para as queimadas que destroem a
floresta e o rio Acre há mais de 30 anos quando os gestores públicos assumirem
três constatações e, por conseguinte, suas inconveniências eleitorais.
Primeiro,
que a fumaça é daqui, portanto, discutir a origem da fumaça é perda de tempo e
não contribui em nada para a solução do problema.
Segundo,
que a decisão de investimento na queimada, tomada na alçada privada de cada
produtor, tem motivação econômica. Embora as alterações nas variáveis
climáticas trazidas pelo El Niño contribuam para melhorar a eficiência da
queimada, a decisão de queimar sempre será do produtor.
Terceiro,
que decorre da política pública o estímulo para o produtor investir na
queimada. Em última instância, são os modelos de produção rural defendidos pelo
prefeito e pelo governador que levam o produtor a optar pela queimada, ao invés
de, por exemplo, manejar a floresta.
Exemplos
de política pública que induzem o produtor a decidir pela queimada são
recorrentes. Há muito tempo a política estadual direcionada ao setor primário
apoia a criação de boi (ou de cabritos e ovelhas, dá no mesmo) em todos os elos
da cadeia produtiva – “do rabo ao chifre”, como se diz no meio rural.
Não
faltam crédito, vacinação, assistência técnica, ramal, abatedouro, e assim por
diante. Investiu-se recurso público considerável para credenciar o Acre como
zona livre de doenças e possibilitar a exportação de gado sabe-se lá para onde.
Fazer
uso do fogo para limpar áreas de floresta recém-desmatadas ou praticar a
queimada para fertilizar pastos já formados é a resposta do produtor ao
incentivo vindo da política pública voltada para a criação de gado.
O fato
é que governadores e prefeitos aconselham o produtor a aumentar sua criação de
boi sempre que aparecem na televisão.
Todavia,
não há como criar boi e evitar recordes de queimadas.
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro
florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
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