* Ecio Rodrigues
Nos
idos de 2009, por meio da Ação Civil Pública n0 2009.30-1438-4
(à época batizada de “Fogo Zero”), os Ministérios Públicos Federal e Estadual
questionaram judicialmente o papel dos gestores estaduais e municipais em
relação ao licenciamento da nefasta prática agrícola da queimada.
Com grande
dose de pioneirismo, o escopo da ação era obrigar o governo estadual a
suspender o licenciamento ambiental das queimadas no Acre.
Argumentou-se,
com sensatez, que, diante da constatação de que as normas federais transferem aos
estados a competência para a regulação do licenciamento ambiental das queimadas,
a decisão pela suspensão definitiva ou temporária desse licenciamento se inclui
nessa competência, sendo, desse modo, de alçada estadual.
A
sentença de 10 grau perfilhou a tese defendida pelos órgãos
ministeriais, reconhecendo, primeiro, que a prática da queimada é intolerável na
Amazônia, já que é causa de prejuízos econômicos, sociais e ambientais
irreparáveis para a sociedade; segundo, que o direito de propriedade não abrange
o direito à queimada – vale dizer, o exercício dessa prática não é um direito
do produtor, portanto, não pode ser objeto de licenciamento.
Lamentavelmente,
essa histórica decisão judicial não produziu os efeitos esperados, e desde 2011
o número de queimadas realizadas anualmente no Acre vem aumentando
significativamente, a ponto de alcançar a tendência de alta recorde observada
em 2016, com risco de incêndio florestal (como o ocorrido em 2005).
Ao que
parece, prevaleceu o entendimento defendido pelos gestores estaduais, segundo o
qual o direito de queimar é prerrogativa do produtor rural.
Sem
embargo, quando se examinam atentamente os dispositivos que preveem esse
suposto “direito de queimar”, fica evidente a confusão conceitual que se faz entre
o significado do termo “fazer uso do fogo” e a definição de “queimada” – que
poucos entendem e muitos consideram ser a mesma coisa, mas não é.
Ocorre
que nem o Código Florestal de 1965, nem o Código de 2012, e nem tampouco as
normativas atinentes ao licenciamento das queimadas trazem textualmente a
palavra “queimada”, mas tão-somente a locução “fazer uso do fogo”.
A
expressão “fazer uso do fogo” traduz uma ação única, excepcional e localizada;
diferentemente, “queimada” é um termo técnico, e diz respeito a uma prática
agrícola. Nessa condição, e da mesma forma como acontece com outras práticas, como
a aração e a gradagem, a queimada é executada todos os anos, numa mesma área, e
sob um determinado objetivo (no caso, o de tornar o solo fértil).
Segundo
prescrevem as normas vigentes, o produtor, em situação excepcional, poderá “fazer
uso do fogo”, com a finalidade de limpar áreas recém-desmatadas para cultivo.
Ora, tal prescrição, definitivamente, não se refere à prática da queimada.
Essa
diferenciação, diga-se, é fundamental, uma vez que, no cômputo total dos focos
de calor registrados pelo satélite, a quantidade de áreas de florestas recém-desmatadas
não chega a 20% das queimadas realizadas em áreas já cultivadas (a grande
maioria com o plantio de capim).
Significa
dizer que o governo estadual pode até alegar que o produtor tem direito ao “uso
do fogo” em áreas novas, onde o desmatamento foi autorizado naquele respectivo ano.
Deve ser responsabilizado pelo efeito nocivo daí decorrente.
Mas não
pode alegar a existência do direito à
queimada, pois esse direito não tem previsão legal. Por conseguinte, deve ser
responsabilizado pela decisão de licenciar.
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro
florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
Nenhum comentário:
Postar um comentário