* Ecio Rodrigues
Não é
novidade que a história das cidades amazônicas se confunde com o ciclo
econômico dos produtos florestais. A borracha, por exemplo, foi o produto mais
importante para a consolidação da ocupação produtiva na região e, em certa
medida, até hoje tem influência na vida dos habitantes de localidades como Xapuri.
Esse
município, que passou por intenso processo de transformação no decorrer do
século passado, no final da década de 1980 apresentou ao mundo a Reserva
Extrativista, um tipo especial de unidade de conservação concebido para possibilitar
a subsistência das populações extrativistas na floresta mediante o aproveitamento do potencial econômico da biodiversidade.
Depois
de seu surgimento, as Reservas Extrativistas, que passariam a integrar o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação instituído pela Lei 9.9985/2000,
rapidamente foram alçadas à condição de ícone de um ambientalismo rejuvenescido
pelo ideário embutido no conceito de Desenvolvimento Sustentável, ainda em
gestação no período preparatório para a Rio-92.
Durante
as décadas de 1990 e 2000 intensificaram-se os esforços de organizações da
sociedade civil, de pesquisadores e de instituições estatais, no sentido de
garantir a expansão territorial das áreas destinadas às Reservas Extrativistas
– o que se logrou alcançar de forma exemplar. Todavia, faltava à produção
florestal os meios para gerar renda e trabalho aos extrativistas residentes
nessas áreas.
A
tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo, concebida no Acre nesse mesmo período,
procurou solucionar esse impasse.
A
possibilidade de elevar o extrativismo a um novo patamar, e, desse modo,
engendrar uma saída para a conservação da floresta, é considerada uma releitura
contemporânea do conservacionismo, movimento surgido em meados do século
dezenove e que dá ênfase ao uso sustentável dos recursos naturais.
Sem
embargo, a empreitada de pôr em pratica o uso múltiplo da floresta, a fim de levar
a efeito a produção dum leque variado de mais de 50 produtos que a
biodiversidade do ecossistema florestal pode ofertar, revelou-se complexa
demais.
Sem
contar as dificuldades inerentes ao desempenho da atividade em si, os
defensores do uso múltiplo se deparam com uma série de preconceitos, sendo o
pior deles o tabu que cerca a exploração comunitária de madeira. Trata-se dum universo
de informações equivocadas que rebaixam o nível da discussão e que levam o
senso comum a acreditar que a derrubada de árvores significa a destruição da
floresta.
É um
paradoxo: ao mesmo tempo em que se avaliza a criação de boi, atividade responsável
pela supressão anual de extensas formações florestais, não se tolera o manejo
para a produção de madeira – atividade que ajuda a conservar a floresta.
Essa
encruzilhada acabou por levar os extrativistas a exercer a pecuária dentro dos
limites das Reservas Extrativistas – quer dizer, justamente nas áreas criadas
como alternativa à criação de boi.
A
batalha contra os preconceitos que atingem a exploração comunitária de madeira,
iniciada com a criação das duas primeiras Reservas Extrativistas no Acre (Chico
Mendes e Alto Juruá), já dura mais de 25 anos. Contudo, a despeito do longo
tempo decorrido desde então, parece que esse preconceito só aumenta.
Enquanto
isso, e proporcionalmente ao aumento do preconceito com a madeira, o
desmatamento para a criação de boi avança sobre a floresta. Vai entender.
* Professor Associado da Universidade Federal do Acre,
engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal
e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
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