quarta-feira, 23 de março de 2016

A encruzilhada das Reservas Extrativistas no Acre



* Ecio Rodrigues
Não é novidade que a história das cidades amazônicas se confunde com o ciclo econômico dos produtos florestais. A borracha, por exemplo, foi o produto mais importante para a consolidação da ocupação produtiva na região e, em certa medida, até hoje tem influência na vida dos habitantes de localidades como Xapuri.
Esse município, que passou por intenso processo de transformação no decorrer do século passado, no final da década de 1980 apresentou ao mundo a Reserva Extrativista, um tipo especial de unidade de conservação concebido para possibilitar a subsistência das populações extrativistas na floresta mediante o aproveitamento do potencial econômico da biodiversidade.
Depois de seu surgimento, as Reservas Extrativistas, que passariam a integrar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação instituído pela Lei 9.9985/2000, rapidamente foram alçadas à condição de ícone de um ambientalismo rejuvenescido pelo ideário embutido no conceito de Desenvolvimento Sustentável, ainda em gestação no período preparatório para a Rio-92.
Durante as décadas de 1990 e 2000 intensificaram-se os esforços de organizações da sociedade civil, de pesquisadores e de instituições estatais, no sentido de garantir a expansão territorial das áreas destinadas às Reservas Extrativistas – o que se logrou alcançar de forma exemplar. Todavia, faltava à produção florestal os meios para gerar renda e trabalho aos extrativistas residentes nessas áreas.
A tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo, concebida no Acre nesse mesmo período, procurou solucionar esse impasse.
A possibilidade de elevar o extrativismo a um novo patamar, e, desse modo, engendrar uma saída para a conservação da floresta, é considerada uma releitura contemporânea do conservacionismo, movimento surgido em meados do século dezenove e que dá ênfase ao uso sustentável dos recursos naturais.  
Sem embargo, a empreitada de pôr em pratica o uso múltiplo da floresta, a fim de levar a efeito a produção dum leque variado de mais de 50 produtos que a biodiversidade do ecossistema florestal pode ofertar, revelou-se complexa demais.
Sem contar as dificuldades inerentes ao desempenho da atividade em si, os defensores do uso múltiplo se deparam com uma série de preconceitos, sendo o pior deles o tabu que cerca a exploração comunitária de madeira. Trata-se dum universo de informações equivocadas que rebaixam o nível da discussão e que levam o senso comum a acreditar que a derrubada de árvores significa a destruição da floresta.
É um paradoxo: ao mesmo tempo em que se avaliza a criação de boi, atividade responsável pela supressão anual de extensas formações florestais, não se tolera o manejo para a produção de madeira – atividade que ajuda a conservar a floresta.
Essa encruzilhada acabou por levar os extrativistas a exercer a pecuária dentro dos limites das Reservas Extrativistas – quer dizer, justamente nas áreas criadas como alternativa à criação de boi.
A batalha contra os preconceitos que atingem a exploração comunitária de madeira, iniciada com a criação das duas primeiras Reservas Extrativistas no Acre (Chico Mendes e Alto Juruá), já dura mais de 25 anos. Contudo, a despeito do longo tempo decorrido desde então, parece que esse preconceito só aumenta.
Enquanto isso, e proporcionalmente ao aumento do preconceito com a madeira, o desmatamento para a criação de boi avança sobre a floresta. Vai entender.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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