* Ecio Rodrigues
Na verdade, a manchete que ganhou os noticiários, como
se fosse o fato mais normal e corriqueiro, que dispensasse qualquer tipo de questionamento,
foi: “Zona Franca de Manaus prorrogada até 2073”. É provável que até lá a maior
parte dos parlamentares que aprovaram a dilatação desse prazo (senão todos) já tenha
morrido. Vão deixar as graves consequências de sua decisão para as próximas
gerações.
Deve ser difícil encontrar na história recente dos
países capitalistas um paralelo – ou seja, um caso de subvenção estatal concedida
por mais de cem anos (1967/2073), em benefício de alguns setores produtivos. Por
meio de simples bom senso é fácil concluir que, se uma atividade econômica
requer, para viabilizar-se numa determinada região, um prazo tão longo de subvenção
(leia–se isenção de tributos), é porque alguma coisa está errada. Muito errada.
Mas os parlamentares, por cegueira ou interesse
pessoal, entenderam de forma diferente e, o pior, a imprensa também. Talvez por
isso nenhum partido político ou autoridade pública, com ou sem mandato, tenha ousado
se posicionar contrariamente à Emenda Constitucional 83/2014, aprovada por
unanimidade no dia 05 de agosto último.
O que mais impressiona nesse episódio é que a
justificativa concernente a uma pretensa importância econômica da Zona Franca
de Manaus foi sendo, aos poucos, substituída por uma frágil – e insana –
alegação relacionada à suposta importância ecológica das empresas ali atuantes.
As montadoras de motocicleta, por exemplo.
Procurou-se, a todo custo e por um caminho que fere
o intelecto, defender que sem os benefícios fiscais, concedidos sob um alto custo
para a sociedade, as montadoras de quinquilharias partiriam para outras regiões
e, pasme-se!, o desmatamento aumentaria, causando a destruição da Amazônia.
Ora, em primeiro lugar, onde o desmatamento entra
nessa história?
A importância da Amazônia, em especial no que se
refere ao estoque de florestas e água, é uma verdade comprovada pela Ciência.
Da mesma forma, não há dúvida que o desmatamento da floresta resulta no comprometimento
da quantidade e da qualidade da água produzida. Mas qualquer relação entre
essas constatações e a permanência das montadoras na região foge ao raciocínio
lógico.
Ainda assim, muitos dos defensores da Zona Franca alardearam
o papel crucial da floresta amazônica na produção de água, no combate à
estiagem, e assim por diante.
Em segundo lugar, esse argumento só poderia ter
alguma validade se – e somente se – a intenção fosse a de ganhar tempo até a consolidação
de alguma alternativa econômica baseada na biodiversidade. Pois é evidente que
as montadoras vão partir para outra região quando não houver mais subsídios, ou
quando os subsídios já não forem suficientes para tornar sua produção
competitiva.
E, por uma série de razões que não cabem nesse
artigo, é um completo absurdo supor que em 2073, quando as montadoras se forem,
as indústrias, as de verdade, irão correr para Manaus, preferindo essa cidade a
São Paulo ou a qualquer outra do Sudeste.
Na verdade, está
no aproveitamento econômico da biodiversidade a chave para a manutenção do
ecossistema florestal na Amazônia – o que poderá zerar, de forma definitiva, as
persistentes taxas de desmatamento. Ademais, em termos de geração de emprego e
renda, a exploração da diversidade biológica apresenta potencial bastante
superior à produção de parafernálias.
A saída econômica e ecológica para a região se
assenta num setor florestal forte e diversificado, como o que se propõe por meio
do Centro de Biotecnologia da Amazônia, o CBA.
Porém, infelizmente, a urgência em se concretizar
uma economia florestal na Amazônia vai ter que esperar bastante. Conversa para
2073.
* Professor da Universidade
Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e
Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e
Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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