* Ecio Rodrigues
Muitos vão apelar para os resultados apontados pelos
índices pluviométricos, chegando à constatação de sempre “que nunca choveu
tanto num mesmo dia”. Outros, invocando a vontade divina, haverão de acusar São
Pedro por ter exagerado na quantidade de água que fez jorrar do céu. E há ainda
os que considerarão o evento uma mera casualidade, uma espécie de fenômeno
inexplicável que pode ocorrer, digamos, a cada cem anos.
Em todas essas hipóteses, a conclusão é uma só: a responsabilidade
pela alagação ocorrida nos rios Muru e Tarauacá, no município de Tarauacá,
Acre, em 17 de outubro último, é unicamente da própria chuva.
Pôr a responsabilidade na chuva, afinal de contas,
torna tudo mais fácil. Ora, se a culpa é da chuva, não existem culpados. Além
da costumeira comoção social, das ações de assistência aos desabrigados, dos
pedidos de suplementação de verba, não há o que fazer, não há soluções a dar
nem causas a investigar.
A busca pelas verdadeiras causas, de outra banda,
exige certo nível de formação e de informação. Exige ainda determinação política
- primeiro, para admitir o problema; depois, para resolvê-lo. Mas, o fato é que,
se não se chegar a essas causas, o evento tende a se repetir, da mesma forma como
vem acontecendo com o rio Acre e com o rio Madeira.
Em Rondônia, por sinal, não só os céus são
responsabilizados. A culpa também tem sido debitada (equivocadamente, diga-se) na
conta das duas hidrelétricas construídas ao longo do rio, cuja instalação trouxe
melhora significativa na dinâmica econômica local. Mas, como em Tarauacá não
tem hidrelétrica, essa “justificativa” não vale nesse caso.
Enfim, ironias à parte, é necessário fazer um
profundo trabalho de análise – com a ajuda de especialistas, evidentemente –
para explicar o que ocorreu. E aí algumas premissas devem ser examinadas com atenção.
Nos últimos cinco anos, a pressão pela expansão da
agropecuária na direção do Vale do Juruá, decorrente em especial da conclusão
do asfaltamento da BR 364, ampliou-se de forma surpreendente, sem que os órgãos
de controle ambiental se dessem conta do perigo.
Na verdade, os órgãos de controle ambiental ainda
estão tentando entender a nova dinâmica do desmatamento. É que, se antes o
desmatamento se localizava ao longo das rodovias e se caracterizava por grandes
áreas, agora ocorre em pequenas propriedades (inferiores a seis hectares) e ao
longo dos eixos dos rios.
Não dá para negar que as taxas de desmatamento e
queimadas nos municípios de Manoel Urbano, Feijó e Tarauacá assumiram cifras
arriscadas. Não à toa esses três municípios, juntamente com Cruzeiro do Sul, têm
se revezado na lista dos 10 municípios que mais desmataram no período entre
agosto de 2013 e julho de 2014.
Ademais, para promover a expansão da agropecuária no
Juruá, políticas públicas foram desencadeadas no sentido de apoiar o produtor
rural e melhorar o desempenho da economia com a instalação de indústrias
baseadas no setor primário.
É óbvio que pluviosidades elevadas e concentradas
vão trazer problemas de escoamento da água. Da mesma maneira, é evidente que o
déficit de escoamento é multiplicado por mil quando a chuva cai num solo sem
florestas.
Finalmente, é muito estreita a relação entre
desmatamento e mudança climática. Essa constatação foi reiteradamente
comprovada pelos cientistas em todo o mundo.
Parafraseando-se Michael Bloomberg, ex-prefeito de
Nova York: Alagação em Tarauacá em novembro – isso é mudança climática,
estúpido!
* Professor da Universidade
Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e
Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e
Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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