* Ecio Rodrigues
Era mesmo
de se esperar que o governo, depois de ameaçar extinguir o Ministério do Meio
Ambiente, de nomear policiais para dirigir o ICMBio e de desacreditar o Fundo Amazônia,
apontaria sua artilharia contra o Conselho Nacional de Meio Ambiente, Conama.
Sem
cerimônia e sem nenhuma discussão prévia na esfera do próprio colegiado (muito
embora não tenha faltado oportunidade, uma vez que o plenário já se reuniu duas
vezes desde o início do ano), a Presidência da República publicou, em 28 de
maio último, o Decreto 9.806, que altera, de forma tresloucada, a composição do
Conama.
A intenção,
mais do que evidente, é reduzir a participação das organizações da sociedade civil
– que, para dizer o mínimo, não gozam da simpatia dos gestores da hora, sendo reputadas
como antagonistas do governo e depositárias de um suposto ideário de esquerda.
Instituído
pela Lei nº 6.938/192, o Conama é a instância superior da Política Nacional do
Meio Ambiente e, até a publicação do malfadado decreto, contava com mais de 100
membros – entre os quais, 2 representantes de entidades ambientalistas de cada
uma das regiões geográficas do país, cuja escolha se dava por meio de eleição
entre as entidades inscritas no Cnea (Cadastro Nacional de Entidades
Ambientalistas).
Somavam-se
a essas 10 entidades de representação regional outras 2 organizações que
disputavam eleição em âmbito nacional – sempre de acordo com lista de candidatas
e eleitoras atualizada pelo Cnea.
Com as
alterações trazidas pelo Decreto 9.806/2019, o número de organizações ambientalistas
participantes do Conama caiu de 12 para 4; além disso, o mandato dessas
entidades, que era bienal, foi cortado pela metade, passando para apenas 1 ano.
Trata-se
de uma expressiva mudança, claramente direcionada a transformar o Conama numa
extensão do Planalto – vale dizer, num órgão deliberativo que meramente repercute
os posicionamentos ministeriais, recebendo o apoio, eventualmente, dos
representantes dos governos estaduais e municipais.
Mais
grave ainda (se é que isso é possível): para a escolha da agora exígua e quase
insignificante representação da sociedade civil, substituiu-se o processo de
eleição por “sorteio anual, vedada a participação das entidades ambientalistas
detentoras de mandato”.
Ou
seja, além de desdenhar das organizações que foram eleitas em 2018 para um
mandato de 2 anos, a norma, ainda por cima, prevê que a seleção das entidades se
dará – pasmem! – por sorteio.
Sem
entrar no mérito da insensatez desse mandato anual – quando é consenso que a complexidade
dos temas tratados na alçada do Conama exige a permanência dos membros eleitos por
pelo menos dois anos –, o que dizer do estapafúrdio método de triagem imposto,
pelo qual as entidades serão escolhidas de maneira fortuita, sorteando-se
bilhetes de uma cumbuca?
Se um
processo eleitoral contribui para reforçar os princípios democráticos, a que raios
se presta uma rifa aleatória, a não ser depreciar, rebaixar, inferiorizar um organismo
da importância do Conama – e em última análise, tudo o que ele representa e os
assuntos que lhe dizem respeito?
Sob a
justificativa pouco plausível de que a redução do número de conselheiros
melhora a eficiência do órgão, o governo retira do Conama seu maior legado:
credibilidade.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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