segunda-feira, 3 de junho de 2019

Incompetência e truculência: o ataque do governo ao CONAMA



* Ecio Rodrigues
Era mesmo de se esperar que o governo, depois de ameaçar extinguir o Ministério do Meio Ambiente, de nomear policiais para dirigir o ICMBio e de desacreditar o Fundo Amazônia, apontaria sua artilharia contra o Conselho Nacional de Meio Ambiente, Conama.
Sem cerimônia e sem nenhuma discussão prévia na esfera do próprio colegiado (muito embora não tenha faltado oportunidade, uma vez que o plenário já se reuniu duas vezes desde o início do ano), a Presidência da República publicou, em 28 de maio último, o Decreto 9.806, que altera, de forma tresloucada, a composição do Conama.
A intenção, mais do que evidente, é reduzir a participação das organizações da sociedade civil – que, para dizer o mínimo, não gozam da simpatia dos gestores da hora, sendo reputadas como antagonistas do governo e depositárias de um suposto ideário de esquerda.
Instituído pela Lei nº 6.938/192, o Conama é a instância superior da Política Nacional do Meio Ambiente e, até a publicação do malfadado decreto, contava com mais de 100 membros – entre os quais, 2 representantes de entidades ambientalistas de cada uma das regiões geográficas do país, cuja escolha se dava por meio de eleição entre as entidades inscritas no Cnea (Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas).
Somavam-se a essas 10 entidades de representação regional outras 2 organizações que disputavam eleição em âmbito nacional – sempre de acordo com lista de candidatas e eleitoras atualizada pelo Cnea.
Com as alterações trazidas pelo Decreto 9.806/2019, o número de organizações ambientalistas participantes do Conama caiu de 12 para 4; além disso, o mandato dessas entidades, que era bienal, foi cortado pela metade, passando para apenas 1 ano.
Trata-se de uma expressiva mudança, claramente direcionada a transformar o Conama numa extensão do Planalto – vale dizer, num órgão deliberativo que meramente repercute os posicionamentos ministeriais, recebendo o apoio, eventualmente, dos representantes dos governos estaduais e municipais.
Mais grave ainda (se é que isso é possível): para a escolha da agora exígua e quase insignificante representação da sociedade civil, substituiu-se o processo de eleição por “sorteio anual, vedada a participação das entidades ambientalistas detentoras de mandato”.
Ou seja, além de desdenhar das organizações que foram eleitas em 2018 para um mandato de 2 anos, a norma, ainda por cima, prevê que a seleção das entidades se dará – pasmem! – por sorteio.
Sem entrar no mérito da insensatez desse mandato anual – quando é consenso que a complexidade dos temas tratados na alçada do Conama exige a permanência dos membros eleitos por pelo menos dois anos –, o que dizer do estapafúrdio método de triagem imposto, pelo qual as entidades serão escolhidas de maneira fortuita, sorteando-se bilhetes de uma cumbuca?
Se um processo eleitoral contribui para reforçar os princípios democráticos, a que raios se presta uma rifa aleatória, a não ser depreciar, rebaixar, inferiorizar um organismo da importância do Conama – e em última análise, tudo o que ele representa e os assuntos que lhe dizem respeito?
Sob a justificativa pouco plausível de que a redução do número de conselheiros melhora a eficiência do órgão, o governo retira do Conama seu maior legado: credibilidade.
    
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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