segunda-feira, 16 de março de 2015

A alagação pode ser evitada?




* Ecio Rodrigues
Os pesquisadores e cientistas são capazes de explicar de forma lógica e convincente as razões pelas quais em alguns lugares ocorre a diminuição das chuvas e em outros, o aumento. Explicam, sob elevado grau de certeza, o percurso assumido pelas nuvens carregadas de água e o que as impulsiona numa ou noutra direção.
Todas as vezes que uma grande quantidade de nuvens estaciona num determinado ponto do céu, ou, melhor dizendo, da atmosfera, as cidades embaixo vão sofrer uma descarga elevada de pluviosidade, provocando exclamações como “choveu em duas horas o que normalmente chove no mês inteiro”.
Porém, antes de se discutir esse tipo de estatística fatalista, divulgada na tentativa de diluir as verdadeiras causas do problema e a imputação de responsabilidades, é importante destacar que os pesquisadores e cientistas são, igualmente, capazes de aferir a resiliência dos cursos d’água.
Por resiliência dos cursos d’água, entenda-se a eficiência com que os rios e igarapés absorvem e drenam a imensa quantidade de água que recebem nas enxurradas.
Cabe destacar, desde logo, que há estreita vinculação entre o desmatamento na Amazônia e a movimentação das nuvens carregadas de água. Não há dúvida científica quanto ao fato de que a substituição das florestas por pastos, para criação de gado, está na raiz da atual crise ecológica, caracterizada, sobretudo, pela mudança no clima.
Por sinal, o desmatamento das florestas na Amazônia é uma das principais causas que explicam tanto a movimentação das nuvens carregadas de água – que podem causar alagação no inverno e seca no verão – quanto o assoreamento e a consequente redução dos calados dos rios e de outros canais de drenagem.
Os mais antigos haverão de recordar a intensa cabotagem que movimentava os rios Acre e Purus (para citar apenas os mais atingidos pela alagação que atingiu o território do Acre em 2015) até a segunda metade do século passado.
Fotos desse período comprovam que esses rios permitiam o tráfego de gaiolas, como eram chamados os grandes navios usados para o transporte de borracha e de pessoas até meados da Segunda Guerra Mundial. Todavia, essa navegação é impossível atualmente, por uma razão simples: os navios encalham, já que os rios estão rasos.
Acontece que, todos os anos, uma imensa quantidade de terra é depositada no fundo dos rios pelas chuvas e ventos. Essa mistura de areia e barro é levada das áreas desmatadas, que não contam com a proteção fornecida pelas formações florestais.
Em outras palavras: o desmatamento retira do solo a barreira física representada pela existência das florestas, possibilitando o carreamento do solo para dentro do rio. Por conseguinte, o rio terá sua resiliência reduzida, ficando com menor profundidade para receber grandes descargas de água e para permitir a navegação em seu leito.
Há quem acredite que os desmatamentos realizados em áreas distantes do rio não contribuem para o assoreamento. Nada mais equivocado. Numa região como a Amazônia, caracterizada por intensa rede de drenagem, onde igarapés abundam em todos os lados e direções, a terra será levada da pastagem para algum canal de drenagem. Esse canal, por sua vez, em algum momento, chegará, primeiro aos afluentes, depois aos rios secundários, em seguida aos principais, e assim por diante.
Coibir novos desmatamentos para ampliação da pecuária e reflorestar os pastos sujos e abandonados, que representam quase 30% da área total desmatada – essas são medidas de política pública passíveis de ser realizadas no médio prazo.  Por outro lado, aumentar o calado dos rios com a dragagem da terra acumulada no fundo é uma medida de política pública que pode ser realizada imediatamente, já. Afinal, em junho vem a seca.
            Encontra-se na resistência pública e resiliência dos cursos d’água a resposta para minimizar e até evitar os efeitos de eventos climáticos extremos, como as alagações.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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