* Ecio Rodrigues
Descartada a hipótese de que tudo foi obra do
acaso – ou, como as mães explicam aos pequenos, “São Pedro resolveu lavar o
salão, pois vai ter festa no céu” – o momento é mais que oportuno para se encetar
uma discussão, a mais técnica possível, a respeito das causas da alagação, a
maior da história desde que se iniciaram as medições.
Para início de conversa, convém estabelecer um
critério. Independentemente da dimensão da inundação provocada pelo rio Acre ou
por outros rios que cortam o território estadual (como o Tarauacá, que alagou
no final do período seco; ou o Purus, que afundou Boca do Acre), a aferição da
maior cota já atingida pelo nível das águas não pode ser o mote do debate. Ou
seja, o importante não é o tamanho da alagação, mas sua recorrência.
A constatação inegável é a de que desde a
segunda metade da década de 2000 o evento da alagação (quando o rio transborda)
vem ocorrendo anualmente. O erro grave e corriqueiro nesse ponto é achar que,
como antes, o período de intermitência entre uma alagação e outra corresponde a
uma média dez anos, o que daria tempo para a cidade esquecer e se recuperar. Não,
as alagações dos rios no Acre se tornaram uma realidade, vão acontecer todos os
anos, e a política pública deve se preparar para isso.
Significa que devem ser incorporadas à rotina
das administrações, nas prefeituras e no estado, ações voltadas à resistência pública,
a fim de contornarem-se os efeitos do problema; e, o mais importante, para
chegar à causa, devem ser alavancados programas destinados a ampliar a resiliência
dos rios frente ao aumento abrupto de sua vazão.
Resistência pública e resiliência dos cursos
d’água – esses são os pontos-chave. Por resistência pública, entenda-se a
capacidade de cumprir a legislação ambiental e urbanística, no que concerne à
ocupação dos espaços urbanos. Vale dizer, deve ser superada a costumeira permissividade
com que se encara o assentamento humano em áreas sujeitas a inundação e por
isso impróprias à edificação. As terras situadas em cotas inferiores à do rio
ou em chavascais que alagam só pela força das chuvas devem ser desocupadas e convertidas
em áreas verdes, de modo que não voltem a ser invadidas.
Já a avaliação sobre a resiliência dos fluxos
d’água é bem mais complexa e remete à análise do processo de ocupação produtiva
da região. Por resiliência, entenda-se a capacidade dos rios e igarapés de reagirem
aos extremos de vazão. Quanto mais rapidamente o rio retoma o seu equilíbrio
hidrológico depois de receber uma quantidade excessiva de água vinda da chuva, mais
alta é a sua resiliência.
Parece óbvio que o desmatamento está na raiz
do problema: a remoção da mata ciliar causa o assoreamento, o que, por sua vez,
diminui a resiliência dos cursos d’água.
Considerando-se, por outro lado, que estudos
recentes demonstram a estreita relação que existe entre o desmatamento na
Amazônia e a seca que aflige o Sudeste, parece óbvio que o desmatamento, que em
geral tem como ensejo a instalação da pecuária, está na raiz de todos os
problemas envolvendo a água – seja pela seca, seja pela alagação; seja na
Amazônia, seja em outras regiões do país.
Seria utópico imaginar que as áreas destinadas
à criação de boi podem, no longo prazo, voltar a ser florestas, mediante o
cultivo de árvores com valor econômico ou a restauração florestal com o emprego
de espécies nativas. A importância política da pecuária na Amazônia é quase
incompreensível e merece um estudo em separado.
Todavia, é plenamente plausível resolver, no
curto prazo, a degradação hoje verificada na mata ciliar dos rios e igarapés do
Acre. Sob um custo compatível com a realidade econômica local e com muita
vontade política, a faixa de mata ciliar poderia ter sua largura dobrada, para
além do que determina o Código Florestal. Os trechos desmatados, por seu turno,
poderiam ser submetidos à restauração florestal imediata. Um alento: existe
tecnologia para isso.
Mais que botar os pés na lama, os gestores
devem resolver o problema da mata ciliar nos rios do Acre, já. Afinal, em junho
vem a tragédia da seca. É só esperar.
* Professor Associado da Universidade Federal do Acre,
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política
Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
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