* Ecio Rodrigues
Se o acesso, por via rodoviária ou fluvial, aos seringais nativos da
Amazônia foi consolidado em proporções inéditas, durante a década de 2000, o
extrativismo, na condição de modo de produção, e o extrativista, como ator
social e econômico, foram expostos ao que se pode considerar seu mais difícil
desafio.
Ocorre que, da mesma forma que os benefícios advindos com o fim do
isolamento (como serviços de educação e saúde) chegaram aos seringais, também
chegou ao interior da floresta a pressão decorrente da madeira, bem como das
atividades econômicas que dependem da terra sem florestas. O extrativista,
embora vivendo com melhor padrão de vida, foi de certa forma pego de surpresa
por essa pressão do capital.
De modo geral, a regularização fundiária trazida pelas reservas
extrativistas (e demais formas de reconhecimento da posse dos seringueiros
sobre suas colocações) conferiu aos empresários do setor madeireiro e pecuário
a segurança necessária para negociar com os extrativistas a ocupação de novos
pastos e a extração de madeira.
Assim, na ausência de uma atividade extrativa mais atrativa que a
combalida produção de borracha (uma vez que a produção florestal ancorada no
extrativismo ainda carecia do aporte tecnológico posteriormente fornecido pelo manejo
florestal comunitário), o extrativista foi levado à prática da pecuária e à
venda da madeira existente em sua colocação.
É que, com o passar do tempo, o estoque de madeira presente nas reservas
extrativistas, em especial nas reservas próximas às vias de escoamento fluvial
e rodoviário, despertou a atenção dos empresários do setor madeireiro, cujas
fontes de madeira estão sempre em deslocamento, o que traz um risco de escassez
permanente.
Uma simbiose nefasta surgiu
da relação do extrativista com os compradores de madeira arregimentados pelas
empresas – os chamados “toreiros”. Mediante negociações que envolviam ofertas
como manutenção de ramais, construção de pontes ou disponibilização de
caminhões para transporte, uma quantidade expressiva de árvores começou a ser
vendida, em pé na floresta, a preços módicos de 50 reais a unidade.
Como a exploração do recurso madeireiro, nesse tipo de operação
comercial, não atende aos princípios básicos da técnica de manejo florestal, a
composição comercial entre o seringueiro e o toreiro depaupera o recurso
florestal e traz consequências perigosas para a conservação da floresta.
Entretanto, embora eventualmente essa exploração se realizasse
ilegalmente, na maior parte das vezes ela era efetuada em conformidade com as
normas vigentes e sob o licenciamento ambiental dos órgãos de controle.
O problema é que o quesito
legalidade é variável, dependendo da realidade fundiária na qual se encontra o
extrativista. Estabelecendo uma ordem de grandeza que vai de um cenário mais
restrito, no qual a licitude é difícil de ser alcançada, até uma situação em
que a regularização da exploração é facilmente obtida, pode-se dizer que o
primeiro caso se aplica ao produtor extrativista que vive nas reservas
extrativistas; e o segundo, ao que habita uma colocação situada nas áreas de
reserva legal dentro das propriedades privadas.
De qualquer forma, a simbiose nefasta se mantém, pondo em risco o apoio
conferido aos extrativistas pelo movimento ambientalista e, o pior, carreando
perigosos passivos econômicos e ecológicos para o ecossistema florestal que se
espera conservar.
A reversão dessa perigosa realidade – em cujo contexto se logrou resolver
o problema fundiário, se ampliou o acesso a vias de escoamento da produção, mas
não se conseguiu minimizar o risco da degradação florestal associada ao
extrativismo – era uma prioridade.
A elevação do extrativismo, mediante o necessário sustentáculo
tecnológico, ao patamar do manejo florestal comunitário é a saída para se
manter o imprescindível apoio dos ambientalistas à atividade e, por
conseguinte, para se conservar a floresta.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal
e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).
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