domingo, 6 de outubro de 2013

Sobre o extrativista ambientalista na década de 1990



* Ecio Rodrigues
Tendo sido considerado, no decorrer da década de 1970, uma atividade extinta pelas instituições estatais, o extrativismo ressurgiria, depois de 20 anos de abandono, na condição de atividade produtiva adequada aos ideais de sustentabilidade da Amazônia. 
A associação entre a reivindicação dos extrativistas pelo reconhecimento do seu direito à posse da terra e as aspirações de um movimento ambientalista que crescia mundo afora (embora ainda com pouca expressão no Brasil e nenhuma na Amazônia) ocorreu quando se percebeu que as colocações de seringa, diferentemente das fazendas dos pecuaristas, não representavam uma ameaça à conservação da floresta.
Os ambientalistas constataram que, ao defender sua atividade produtiva, o seringueiro também promovia a defesa da seringueira (Hevea brasiliensis); por seu turno, essa espécie florestal dependia da existência da floresta ao seu redor para não sofrer o ataque letal do fungo Microcyclus ulei, causador da doença conhecida como “mal das folhas”, que compromete a produção de látex.
Resumindo, o seringueiro dependia da seringueira que dependia da floresta, logo, a atividade de produção de borracha garantia a conservação do ecossistema florestal. Essa conclusão levou o movimento ambientalista a depositar todo seu apoio ao movimento dos seringueiros e, sobretudo, em sua principal liderança: Chico Mendes.
O extrativista, que era sindicalista rural e defensor das reivindicações de uma categoria específica de trabalhador florestal, o seringueiro, foi alçado à condição de ambientalista, tornando-se um ator fundamental no cenário de destruição florestal que tomava conta da Amazônia.
Ao se aproximar a data de realização da Segunda Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que ficou conhecida como Rio 92, as reivindicações dos seringueiros, concretizadas na proposta de criação das reservas extrativistas, alcançaram status de prioridade.
Depois da criação das duas primeiras unidades no Acre (Chico Mendes e Alto Juruá), as reservas extrativistas ganharam a Amazônia e o mundo. Atualmente, essa categoria de unidade de conservação está presente em todos os estados amazônicos.
Não há dúvida, entre os estudiosos do tema do acesso aos recursos florestais de uso comunitário, quanto ao fato de que, onde houver uma comunidade manejando um recurso florestal, o caminho mais adequado para a regulação dessa exploração é a implantação de uma reserva extrativista.
Todos os anos são criadas novas reservas extrativistas, bem como outras unidades de conservação que também atendem aos anseios dos extrativistas (é o caso da reserva de desenvolvimento sustentável). E, entre as unidades de conservação existentes, essas categorias tendem a representar maior quantidade, tanto em termos de unidades autônomas quanto em termos de porção territorial.
O extrativista ambientalista da década de 1990, além de obter garantias fundiárias, materializadas nas unidades de conservação, logrou regularizar seu direito de posse no âmbito do Programa Nacional de Reforma Agrária, mediante a criação dos Projetos de Assentamentos Extrativistas e dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável, geridos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Incra.
Atualmente, contudo, o relevante e permanente apoio do movimento ambientalista ficou fragilizado, na medida em que os seringueiros residentes nas reservas extrativistas foram levados a ampliar sua área desmatada e seu plantel de gado. O problema é que, por meio da exploração dos produtos tradicionais do extrativismo, notadamente borracha e castanha-do-brasil, os extrativistas já não conseguem obter a renda requerida por suas demandas de consumo.
Ao perder o apoio dos ambientalistas e, o pior, ao ameaçar o ecossistema florestal que se propôs a conservar, o extrativismo dá um tiro no pé: põe em risco sua própria existência.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
                 


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