* Ecio Rodrigues
Foi preciso a Amazônia atingir recordes de
desmatamento, como aconteceu em 2004, e a floresta em pé pegar fogo pela
primeira vez, como ocorreu em 2005 no Acre – quando 200 mil hectares de
florestas da Reserva Extrativista Chico Mendes foram consumidos por um incêndio
–, para que a demanda pela realização dum Inventário Florestal abrangendo toda
a região passasse a ser considerada como prioridade.
Na verdade, o que vai possibilitar que esse
imprescindível trabalho se torne realidade é uma doação de 65 milhões de reais
feita pelos países ricos – que, diga-se de passagem, tendem a se mostrar (bem)
mais preocupados que nós com os destinos da maior floresta do planeta. Esse
dinheiro será entregue à administração do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social, BNDES, e repassado ao Serviço Florestal Brasileiro, SFB,
órgão estatal responsável pela execução do inventário.
Evidentemente, as informações mais esperadas
sobre a composição do ecossistema florestal dizem respeito à Amazônia; mas,
como a cultura tecnocrata estatal brasileira não consegue ser objetiva a ponto
de eleger prioridades, o inventário de florestas será realizado em âmbito
nacional. Se bem que é provável que nem venha a ser tão nacional assim (o que
também é comum por aqui), uma vez que a Amazônia tem primazia para o emprego
dos recursos doados.
De qualquer forma, o trabalho pode ficar
comprometido, já que, ao que parece, os gestores públicos responsáveis pela
realização do inventário, empolgados com a possibilidade (única, diga-se) de
coletar dados em todas as tipologias florestais, estão incluindo, além do
objetivo precípuo da medição das árvores, exageros como a realização de
entrevistas com produtores, a fim de obter indicadores socioeconômicos.
A intenção é saber como vivem os indivíduos
que moram perto ou nas profundezas das florestas; também se pretende contar
animais e até descobrir espécies vegetais novas. Enfim, o tipo de coisa que
certamente move o imaginário da sociedade e agrada a mídia, sempre despreparada
– mas que pode prejudicar o objetivo principal do inventário.
A despeito das fragilidades da gestão
florestal estatal, contudo, o fato é que pela primeira vez o ecossistema
florestal na Amazônia será objeto de um estudo rigoroso, para efeito de mapear
o seu heterogêneo potencial florestal.
Eventualmente, pode-se objetar que o Projeto
Radam, que na década de 1970 promoveu amplo mapeamento do potencial florestal
na Amazônia, foi, de fato, o primeiro grande estudo levado a cabo nesse campo.
Há que se argumentar, todavia, que o Radam foi realizado sob pequena
intensidade amostral e acanhado aparato tecnológico, ou seja, com capacidade de
processamento restrita, diante dos milhares de dados coletados no campo. O
resultado final, embora tenha se constituído, por mais de 20 anos, na única
informação disponível sobre a floresta da região, foi bastante limitado.
A demanda pela realização dum Inventário
Nacional de Florestas e, sobretudo, dum Inventário Florestal na Amazônia, persiste
desde a década de 1990, pelo menos. Dessa forma, o conjunto de informações a
serem obtidas com o inventário, fundamentais para planejar a exploração de
madeira e de um leque variado de outros produtos florestais, chega com, no
mínimo, 20 anos de atraso.
A fim de medir as árvores e disponibilizar os
resultados num prazo que permita aos agentes públicos e privados tomarem
decisões de investimento, o SFB terá que contratar um número significativo de
engenheiros florestais e técnicos de nível médio, o que vai fazer suscitar
outra mazela insuperável da Amazônia – o apagão técnico.
Provavelmente, faltarão engenheiros, técnicos
e mateiros, pois a região não está preparada para fornecer a quantidade e a
qualidade de profissionais que um estudo dessa dimensão requer.
Sem embargo, a expectativa é a de que as
informações possibilitem a discussão de um zoneamento florestal para a
Amazônia, esse sim, o zoneamento que pode se revestir de alguma serventia.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e
Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
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