* Ecio Rodrigues
Tornou-se
de certa forma comum associar o nome de Chico Mendes ao extrativismo da
borracha nativa e às Reservas Extrativistas (um tipo especial de unidade de
conservação), para explicar o cotidiano da produção florestal na região amazônica
durante a década de 1980.
Entretanto,
a história econômica da Amazônia, como de resto tudo o mais, não é tão simples
assim.
Após o
período inicial de conquista do mercado internacional de látex pela borracha
nativa, por volta de 1880, veio o apogeu da produção e o fim do monopólio
amazônico, ocorrido em 1911, com os seringais plantados da Malásia.
Recuperado,
por conta do isolamento dos produtores da Malásia durante a Segunda Guerra, o
mercado para a borracha da Amazônica voltaria com força no decorrer das décadas
de 1940 e 1950, período no qual se organizou um aparato estatal – caríssimo,
diga-se – destinado à oferta de borracha aos países aliados.
Passado o
esforço de guerra e liberados os seringais cultivados da Malásia, o extrativismo
da borracha na Amazônia enfrentaria novo declínio, desta feita sem volta – em
caráter definitivo.
Durante a
década de 1960 desmontou-se a estrutura de fomento à extração de borracha na região,
cujo fim fora oficialmente decretado com a transferência da atenção estatal
para a produção gomífera levada a efeito nos seringais cultivados de São Paulo.
Observando
taxas decrescentes todos os anos, a produção de borracha nos seringais nativos amazônicos
ressentia-se da ausência do apoio estatal, que foi redirecionado, na região, para
a expansão da pecuária de gado. A insignificância econômica da produção de
borracha levou seu principal ator social, o seringueiro extrativista, a ser
esquecido pelas políticas públicas.
Contudo,
a figura do extrativista inexistente na década de 1970 ganharia visibilidade
com a ampliação do desmatamento para a instalação da pecuária.
Acontece
que, mesmo sem produzir borracha, ou produzindo quantidades desprezíveis para a
estatística oficial, o seringueiro teimou em continuar na sua unidade produtiva,
a chamada “colocação”, fazendo surgir um inevitável conflito com os
pecuaristas.
Na década
de 1980 o extrativismo seria redescoberto, sob certo deslumbramento, pelas
instituições de pesquisas e, sobretudo, pelo movimento ambientalista
internacional: associado à conservação da floresta, foi alçado à condição de
atividade produtiva adequada aos ideais de sustentabilidade.
Tendo
sido esquecido na década de 1970 e redescoberto na de 1980, o extrativista viria
a se tornar ambientalista na década de 1990.
A
despeito do deslumbramento com o extrativista-ambientalista, todavia, não se
deu o passo em direção à diversificação dos produtos florestais explorados (considerando-se
que a borracha não era mais uma opção), de modo a elevar a renda do produtor, pelo
menos, até o mesmo patamar assegurado pela pecuária.
A opção
pelo boi era inevitável, e o extrativista da década de 2000 se tornou
pecuarista. A tendência à agropecuarização hoje observada nas Reservas
Extrativistas em toda a Amazônia reflete a desastrosa realidade do extrativista
encantado com a pecuária. Daí a reivindicar o aumento da área desmatada de sua
colocação é, como se diz, um pulo – que vem sendo dado ano após ano.
Contudo,
ainda há tempo para transformar o extrativista da década de 2020 em manejador
florestal, capaz de explorar um leque de produtos florestais, obedecendo a uma
escala de extração e reposição determinada pelas técnicas de manejo.
Um
mercado que pode ser monopolizado, da mesma forma como acontecia com o da
borracha, já que se trata de produtos extraídos diretamente do interior de uma floresta
peculiar, que só existe na Amazônia.
Uma
produção adequada à realidade florestal amazônica e que possibilitará ao produtor
a obtenção de renda sem apelar para o desmatamento e para a nefasta criação de
boi.
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro
florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável
pela Universidade de Brasília.
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