segunda-feira, 29 de maio de 2017

Produção comunitária de madeira na Amazônia



* Ecio Rodrigues
Não é novidade que entre as unidades de conservação consideradas de uso sustentável as Reservas Extrativistas são as que apresentam maior tendência à expansão da pecuária para criação de gado e, por isso, ostentam taxas de desmatamento alarmantes – para dizer o mínimo.
Situação que se agrava, na medida em que não existe nenhum tipo de resposta do órgão estatal responsável pelas unidades de conservação (o chamado ICMBio), com vistas a reverter a tendência de ampliação do desmatamento.
Pelo contrário, o órgão se perde – por sinal, desde sua criação, em 2007 – na tentativa frustrada de superar esse quadro caótico por meio da costumeira e ineficaz fiscalização.
Parece haver uma cegueira incurável nos gestores responsáveis pelas políticas públicas relacionadas às Reservas Extrativistas. Ao que tudo indica, prefere-se acreditar que a segregação de terras na forma de unidades de conservação é um tipo de “bônus de consciência”, que se presta tão somente a compensar as terras entregues à conversão florestal para instalação da pecuária na Amazônia.
Nessa linha de raciocínio, o entendimento que prevalece é que a segurança fundiária trazida pela desapropriação da área florestal (transformada em Reserva Extrativista) é medida suficiente e representa, por si só, um inexorável caminho em direção à conservação da floresta amazônica.
Simplesmente desconsideram que todas as estatísticas demonstram o contrário. Os números não deixam dúvida quanto a um fato corriqueiro: o desmatamento avança, não importa de quem seja a terra – se da União, de um posseiro ou de um proprietário.
Desnecessário repetir – como, aliás, há 25 anos se vem fazendo – que urge encontrar meios para integrar as áreas florestais segregadas na forma de Reservas Extrativistas à dinâmica econômica municipal e estadual.
O emprego da tecnologia conhecida como manejo florestal comunitário, que foi concebida no período do surgimento das primeiras Resex no Acre, ainda na década de 1990, tem sido apontado como única solução possível para que essa categoria especial de unidade de conservação alcance dois objetivos precípuos e interdependentes: manter o ecossistema florestal e gerar renda para o produtor que nele habita.
As experiências desenvolvidas na Floresta Estadual do Antimary, no Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) Porto Dias e no Projeto de Assentamento Dirigido (PAD) Peixoto, que desde aquela época realizam pioneira exploração de madeira no modelo comunitário, poderão fornecer respostas importantes para a sistematização do uso múltiplo levado a cabo por populações tradicionais na Amazônia.
Diante dos dados que demonstram o crescimento da floresta durante todo esse tempo, não há dúvida acerca da reposição da quantidade de metros cúbicos de madeira retirada e, o mais importante, sobre a manutenção da floresta, fato confirmado por diversas teses de doutorado.
Do ponto de vista econômico não é diferente. Adiciona-se à viabilidade ecológica do manejo comunitário de madeira a garantia para o produtor de uma renda jamais obtida na exploração de outros produtos agrícolas ou florestais.
O diagnóstico da condição socioeconômica alcançada por essas comunidades de manejadores florestais aponta o que a realidade provou. Que a condição de vida dos produtores poderá sofrer expressiva melhora.
Depois de as comunidades de produtores amazônicos passarem mais de 20 anos obtendo renda com a exploração de madeira nas Reservas Extrativistas, não dá mais para admitir que retrógrados levantem dúvida quanto à viabilidade técnica e econômica do manejo florestal comunitário.
Afinal, leseira tem prazo de validade.    

  
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


segunda-feira, 22 de maio de 2017

De extrativista a manejador florestal



* Ecio Rodrigues
Tornou-se de certa forma comum associar o nome de Chico Mendes ao extrativismo da borracha nativa e às Reservas Extrativistas (um tipo especial de unidade de conservação), para explicar o cotidiano da produção florestal na região amazônica durante a década de 1980.
Entretanto, a história econômica da Amazônia, como de resto tudo o mais, não é tão simples assim.
Após o período inicial de conquista do mercado internacional de látex pela borracha nativa, por volta de 1880, veio o apogeu da produção e o fim do monopólio amazônico, ocorrido em 1911, com os seringais plantados da Malásia.
Recuperado, por conta do isolamento dos produtores da Malásia durante a Segunda Guerra, o mercado para a borracha da Amazônica voltaria com força no decorrer das décadas de 1940 e 1950, período no qual se organizou um aparato estatal – caríssimo, diga-se – destinado à oferta de borracha aos países aliados.
Passado o esforço de guerra e liberados os seringais cultivados da Malásia, o extrativismo da borracha na Amazônia enfrentaria novo declínio, desta feita sem volta – em caráter definitivo.
Durante a década de 1960 desmontou-se a estrutura de fomento à extração de borracha na região, cujo fim fora oficialmente decretado com a transferência da atenção estatal para a produção gomífera levada a efeito nos seringais cultivados de São Paulo.
Observando taxas decrescentes todos os anos, a produção de borracha nos seringais nativos amazônicos ressentia-se da ausência do apoio estatal, que foi redirecionado, na região, para a expansão da pecuária de gado. A insignificância econômica da produção de borracha levou seu principal ator social, o seringueiro extrativista, a ser esquecido pelas políticas públicas.
Contudo, a figura do extrativista inexistente na década de 1970 ganharia visibilidade com a ampliação do desmatamento para a instalação da pecuária.
Acontece que, mesmo sem produzir borracha, ou produzindo quantidades desprezíveis para a estatística oficial, o seringueiro teimou em continuar na sua unidade produtiva, a chamada “colocação”, fazendo surgir um inevitável conflito com os pecuaristas.
Na década de 1980 o extrativismo seria redescoberto, sob certo deslumbramento, pelas instituições de pesquisas e, sobretudo, pelo movimento ambientalista internacional: associado à conservação da floresta, foi alçado à condição de atividade produtiva adequada aos ideais de sustentabilidade.
Tendo sido esquecido na década de 1970 e redescoberto na de 1980, o extrativista viria a se tornar ambientalista na década de 1990.
A despeito do deslumbramento com o extrativista-ambientalista, todavia, não se deu o passo em direção à diversificação dos produtos florestais explorados (considerando-se que a borracha não era mais uma opção), de modo a elevar a renda do produtor, pelo menos, até o mesmo patamar assegurado pela pecuária.
A opção pelo boi era inevitável, e o extrativista da década de 2000 se tornou pecuarista. A tendência à agropecuarização hoje observada nas Reservas Extrativistas em toda a Amazônia reflete a desastrosa realidade do extrativista encantado com a pecuária. Daí a reivindicar o aumento da área desmatada de sua colocação é, como se diz, um pulo – que vem sendo dado ano após ano.
Contudo, ainda há tempo para transformar o extrativista da década de 2020 em manejador florestal, capaz de explorar um leque de produtos florestais, obedecendo a uma escala de extração e reposição determinada pelas técnicas de manejo.
Um mercado que pode ser monopolizado, da mesma forma como acontecia com o da borracha, já que se trata de produtos extraídos diretamente do interior de uma floresta peculiar, que só existe na Amazônia.
Uma produção adequada à realidade florestal amazônica e que possibilitará ao produtor a obtenção de renda sem apelar para o desmatamento e para a nefasta criação de boi.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 8 de maio de 2017

O Inpa e os 30 anos da Floresta Estadual do Antimary



* Ecio Rodrigues
Referência para o estudo do Manejo Florestal – tecnologia que possibilita a exploração sustentável da diversidade biológica presente na floresta amazônica –, o Projeto Antimary completa 30 anos com futuro incerto.
O nível de investimentos em pesquisas alcançado durante a década de 1990, por meio do financiamento obtido junto à Organização Internacional de Madeiras Tropicais (ITTO, na sigla em inglês), jamais foi retomado.
Embora não existam estatísticas, é possível afirmar, sem medo de errar, que após o encerramento do financiamento da ITTO, o orçamento atual destinado ao Antimary não chega a 10% do que era anualmente investido até o início dos anos 2000.
Sucessivos governos estaduais não dedicaram à Floresta do Antimary, unidade de conservação engendrada pelo projeto, a relevância técnico-científica conquistada com muito esforço no período em que chegou a ser uma das áreas de vegetação nativa mais estudadas da Amazônia – em face justamente do cabedal de pesquisas ali realizado.
Não à toa, os mais renomados estudiosos da dinâmica florestal amazônica e as mais notáveis organizações científicas da região, como é caso do Inpa e da Embrapa, envolveram-se nalgum tipo de pesquisa levada a cabo naquela área florestal.
 A propósito, merece destaque a relação do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) com o Antimary: além de tomar parte, desde o início, da assessoria permanente ao projeto, os técnicos desse instituto também participaram da definição e realização de diversos estudos.
Estudos que se estenderam por anos, mantendo o envolvimento do Inpa com o Antimary até os dias atuais. Não seria demais afirmar que, hoje, as pesquisas de maior envergadura ainda em andamento têm a participação direta do Inpa.
O Inpa contribuiu no estabelecimento das diretrizes técnicas que conferiram ao Antimary o status de pesquisa florestal de referência. Duas dessas diretrizes foram essenciais e viriam a distinguir positivamente a experiência.
Trata-se, a primeira, da opção desenvolvimentista assumida pelo projeto.
Desde o início, a intenção não foi a de dar continuidade às pesquisas realizadas pelo Inpa em outra realidade ecossistêmica ou em outros cantos da Amazônia. Tampouco se pretendeu, no âmbito do Acre, introduzir uma nova linha de pesquisa, fosse básica ou teórica, como gostam os pesquisadores.
Dessa forma, o caráter de experiência piloto ou de desenvolvimento foi mantido e impulsionado, tendo-se tornado importantíssimo para o reconhecimento público do projeto e sua inserção no mercado.
Os desencadeamentos dessa opção levaram à segunda diretriz fundamental: a inserção dos atores sociais e econômicos envolvidos com a produção de madeira.
 Entidades como a Fieac (Federação das Indústrias do Acre), o CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros) e o CTA (Centro dos Trabalhadores da Amazônia) tiveram assento no Conselho Consultivo e no Comitê de Direção do projeto, participando de todas as deliberações importantes para o Antimary.
A superação das condições predatória e perdulária que então caracterizavam a exploração madeireira no Acre configurou-se, assim, no propósito primordial de tudo o que foi realizado no Antimary.
O escopo do projeto foi a elaboração dum conjunto de procedimentos técnicos que, uma vez assumidos pelos empresários e aceitos pela sociedade, viessem a viabilizar o manejo florestal para a produção permanente de madeira em escala comercial.
Além, claro, de colocar à disposição dos gestores públicos estaduais (de antes e de agora) um mecanismo de controle de mercado, mediante a oferta de um estoque regulador de 18 mil m3 anuais de madeira – de acordo com a área a ser manejada na Floresta Estadual do Antimary.
O legado do Antimary pode ser percebido na política nacional para a floresta amazônica gestada em 1996 e na que foi aprovada no Acre em 2001.
                                                                                                                      
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.