domingo, 23 de outubro de 2016

ICMBio é contrário à Concessão Florestal na Amazônia



* Ecio Rodrigues
Criado no ano seguinte ao da aprovação da legislação que instituiu o Contrato de Concessão Florestal em 2006, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, conhecido pelo acrônimo ICMBio, parece que ainda não entendeu o seu papel com relação à exploração florestal em unidades de conservação.
Não é simples explicar, e a presente tentativa pode resultar num malogro – assim sendo, de antemão já se apresentam escusas por isso.
Tudo começou com a aprovação da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Snuc, em 2000.
A partir da implantação do Snuc, essas áreas foram enquadradas em dois grupos: Proteção Integral (como Parques Nacionais e Estações Ecológicas); e Uso Sustentável (como Reservas Extrativistas e Florestas Nacionais).
Como a própria denominação sugere, nas unidades de conservação incluídas no grupo de proteção integral não é possível a derrubada de árvores; por sua vez, as que integram o grupo do uso sustentável podem ser manejadas para a produção de madeira.
O exemplo da madeira é proposital. Ocorre que para o quadro do ICMBio migrou toda a equipe técnica que antes, no Ibama, cuidava da proteção integral: não é incorreto dizer que o novo órgão herdou toda uma “cultura” contrária à exploração de madeira, sobretudo em áreas localizadas na Amazônia.
Uma vez que na criação do ICMBio não foi excluída de sua competência as unidades de uso sustentável (nas quais a derrubada de árvores é permitida), fácil concluir que um conflito interno consome e emperra o órgão, e a aprovação do corte e do transporte de toras pode ser uma tarefa um tanto complicada de ser executada.
Como a confusão parecia pequena, também foi criado o Serviço Florestal Brasileiro, órgão responsável pelas concessões florestais. As concessões são efetuadas mediante a celebração do Contrato de Concessão Florestal – instrumento que fornece segurança jurídica às partes (Estado e empresas), possibilitando que uma serraria explore a madeira de uma unidade de conservação por 40 anos.
Enfim, ao ICMBio compete o gerenciamento das unidades de conservação; ao Serviço Florestal, a responsabilidade pelos contratos de concessão que vão permitir a exploração do recurso florestal presente nas áreas gerenciadas pelo ICMBio. Confuso, não?
Vale esclarecer que as Reservas Extrativistas e as Florestas Nacionais são áreas prioritárias para a concessão florestal na Amazônia, pois foram criadas para este fim – ou seja, para serem exploradas, de modo a gerar recursos para as frágeis economias locais e estimular o estabelecimento de uma alternativa econômica à criação de gado.
Mas para que ocorra o leilão das florestas ali existentes, o ICMBio deve aprovar, para cada uma dessas unidades de conservação, o respectivo Plano de Manejo, documento que vai indicar a localização das árvores a serem derrubadas, segundo as rigorosas técnicas preconizadas pela Engenharia Florestal brasileira.
Em tese, na condição de gestor das Florestas Nacionais e Reservas Extrativistas, o ICMBio deveria priorizar a elaboração e aprovação dos Planos de Manejo, já que esse é o principal instrumento para o funcionamento das unidades cujo gerenciamento constitui a missão legal do órgão.
Em tese, o Serviço Florestal Brasileiro deveria pressionar o ICMBio a disponibilizar as áreas para exploração; também deveria ter agilidade na realização dos leilões, na seleção das concessionárias e na celebração do Contratos de Concessão Florestal, cujo monitoramento é sua missão legal.
Na prática – de acordo com o número insignificante de concessões concretizadas nos últimos 10 anos e a quantia irrisória de dinheiro injetado na região –, nada disso acontece.
Excluir da competência do ICMBio as Reservas Extrativistas e as Florestas Nacionais pode não ser o suficiente para fazer deslanchar as concessões na Amazônia, mas sem dúvida seria um primeiro e relevante passo.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 16 de outubro de 2016

Concessão Florestal na Amazônia, 10 anos depois



* Ecio Rodrigues
Instituída por legislação específica ainda em 2006, a autorização para o governo federal destinar áreas de florestas públicas à exploração pela iniciativa privada merece uma avaliação criteriosa.
Decorridos 10 anos e diante de um resultado pífio (em especial na Amazônia), caberia discutir as razões pelas quais, hoje, menos de 5% das florestas disponíveis estão efetivamente sendo exploradas por empresas concessionárias.
Parece haver um desânimo generalizado por parte de ambos os lados.
Pelo lado do governo federal, as reclamações dizem respeito à reduzida capacidade operacional das empresas para cumprir as estipulações contratuais, ao se tornarem concessionárias de uma área de floresta.
De outra banda, as indústrias madeireiras, principais interessadas nas concessões, queixam-se que as cláusulas impostas pelos editais são absurdas.
Como ocorre em qualquer transação comercial, o interesse mútuo das partes envolvidas é um princípio fundamental para a concretização dos contratos de concessão. Se esse interesse não se manifesta da maneira como deveria, significa que alguma coisa não está funcionando – e que, portanto, as regras devem ser revistas.
Na verdade, cinco pontos emperram a efetivação das concessões. Trata-se de pontos fundamentais, mas que, a despeito de sua relevância, não foram resolvidos a contento. Podem ser sintetizados como “5 Pês”, pois aludem a: Prazo; Produto; Preço; Por quem (é feita a exploração); e Para onde (vai o dinheiro arrecadado).
No que se refere ao prazo, a lei estabelece o período de 40 anos para a concessão. Todavia, considerando-se que uma rotação florestal leva 30 anos para ser completada (conforme os preceitos técnicos do Manejo Florestal), esse prazo não tem cabimento, não é interessante para nenhum dos lados – deveria ser de 30 ou 60 anos, de forma a corresponder a uma ou duas rotações florestais.
Em relação ao produto, os contratos preveem exclusivamente a madeira como objeto da exploração. Na prática, isso significa que as empresas ficam impedidas de comercializar toda a diversidade biológica existente na floresta sob manejo.
Além de – mais uma vez – não ser bom nem para as empresas nem para a sociedade, esse tipo de diretriz contraria os princípios do Manejo Florestal de Uso Múltiplo, tecnologia amplamente prescrita em políticas públicas e normas federais.
No tocante ao preço, falta transparência no cálculo do valor a ser pago por metro cúbico de madeira explorada. Como resultado, os responsáveis pela cobrança consideram que o preço atual é baixo, já que a madeira seria direcionada à exportação; por seu turno, as concessionárias argumentam que esse valor é alto, tendo em vista que a maior parte da madeira é vendida no mercado local.
Quanto aos empreendimentos autorizados a concorrer nos leilões, diga-se que, nos termos da legislação vigente, apenas empresas nacionais podem se tornar concessionárias de uma floresta pública.
Essa imposição, além de traduzir uma perigosa distorção de natureza xenófobo-ideológica, também representa um grande entrave, na medida em que a exploração florestal requer tecnologia e investimento, requisitos que muitas vezes só são satisfeitos no âmbito do mercado internacional.
Por fim, há que se discutir a destinação dos recursos arrecadados. Pelas regras atuais, o dinheiro é dividido entre o município, o estado, o governo federal e a própria floresta pública sob concessão. Parece a típica solução de quem quer agradar a todos e não agrada a ninguém.
Pior, essa repartição acaba por diluir a responsabilidade e o comprometimento dos entes públicos em relação à concessão da floresta.
Após 10 anos de concessão, uma coisa é certa: a estruturação de um Cluster Florestal como alternativa à pecuária vai demorar. É provável que a Amazônia não disponha desse tempo.          

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 9 de outubro de 2016

O fundo do poço



*Ecio Rodrigues
Da geração que nasceu na década de 1960 e frequentou o ensino fundamental e médio ofertado nas escolas públicas do regime militar, provavelmente são poucos os que se lembram das aulas de educação física e artes. Lembram, contudo, das partidas de futebol e do tempo dispensado cortando cartolina e montando painéis com motes de moral e civismo.
Decerto não era o que imaginavam os idealizadores desse modelo falido, mas as disciplinas de educação física e artes – consideradas importantes para moldar indivíduos plenos, cidadãos aptos a exercer seus direitos e obrigações – se resumiam a isso: jogar peladas e confeccionar cartazes para o mural da escola.
Herança desse período infeliz da história nacional, o ensino médio atual não só repetiu os mesmos erros como ampliou até ao limite do impensável o rol de disciplinas obrigatórias. Ao longo dos últimos 30 anos, os congressistas se divertiram aprovando regulamentos que incorporaram novas disciplinas à carga horária dos alunos.
Demonstrando irreflexão e insensatez, os incautos parlamentares, como sempre conduzindo as discussões num nível fácil, raso, enganoso e inconsistente, foram introduzindo conteúdos de cinema, sociologia, filosofia, libras...
Tudo o que, a juízo deles, poderia ser necessário para moldar os tais indivíduos plenos. Como resultado, mais de uma dúzia de matérias passaram a ser empurradas aos alunos pelas escolas.
Uma temeridade que acarretou o óbvio: tornou o ensino médio brasileiro um dos piores entre os países associados à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, OCDE – de acordo com os índices de avaliação internacional publicados regularmente por essa organização.
É o famoso “pacto da mediocridade”: por um lado, as escolas fingem que atendem à grade obrigatória exigida pelo Ministério da Educação, MEC, deixando escapar um tempo precioso aos estudantes do ensino médio; por seu turno, os alunos, sempre receosos de terem aumentada a carga horária de disciplinas como matemática, física, química etc., topam o tempo perdido, a pretexto de se dedicar a qualquer coisa – qualquer coisa, até cortar cartolina – que lhes seja impingida como matéria obrigatória. 
Tornar obrigatório o ensino de línguas e de matemática e qualificar como optativas as demais disciplinas foi um dos caminhos seguidos, senão por todos, pela esmagadora maioria dos países da OCDE, com resultados mais que satisfatórios.
Essa é uma das mudanças propostas na reforma idealizada pelo MEC. Outra alteração se refere ao reconhecimento do notório saber. Na prática, significa que, para ministrar uma determinada disciplina, o professor pode ser formado num campo afim a essa disciplina. Um catedrático versado em física, por exemplo, poderá lecionar matemática. Medida que não compromete a qualidade e contribui para sanar a preocupante falta de professores observada em algumas áreas do conhecimento.
Finalmente, o período de permanência do aluno na escola será praticamente dobrado, passando das 800 horas atuais para 1.400 horas por ano.
Há quem critique a iniciativa do MEC, reputando-a como precipitada. Mas a simples verdade é há mais de 10 anos se discute a necessidade de mudanças no ensino médio no país. Parece que faltava ousadia.
É basicamente impossível que a reforma piore o ensino médio brasileiro, diante de uma pueril constatação: o fundo do poço, se é existe, já está acima de nós.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.