segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Moratória para queimadas no Acre, já!



* Ecio Rodrigues
Não adianta contestar os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ou alegar que no Acre existe tecnologia mais precisa para detecção dos focos de calor, pois um fato é irrefutável: houve recorde de queimadas no Acre, até agora, em cinco dos sete meses já transcorridos em 2016 (ainda não é possível contabilizar agosto).
Explicando melhor. Até o final de julho de 2016, aconteceram mais queimadas que em todos os anos anteriores, desde 1998, quando se iniciaram as medições pelo Inpe. Significa que em quase 20 anos de medições nunca se queimou tanto como agora.
Para não haver dúvidas, cabe enfatizar. Segundo o Inpe, considerando a quantidade de focos de calor mês a mês, houve recorde de queimadas no Acre, em 2016, nos meses de janeiro, fevereiro, maio, junho e julho.
Devem ser poucos os incrédulos, diante de tamanha evidência científica. A eles, vale reforçar que as informações estão disponíveis no portal de monitoramento de queimadas e gozam da credibilidade conferida ao Inpe, um dos pouquíssimos órgãos estatais dos quais os brasileiros podem se orgulhar.
Sem querer fazer apologia ao risco de tragédia, que por sinal é real e iminente, o fato é que passou da hora de adotar alguma medida de contenção.
Nesse ritmo alarmante de recordes mensais de queimadas, que causam prejuízos irreparáveis não apenas no campo ambiental, mas também no social (como a superlotação de hospitais) e econômico (como aumento no consumo da energia elétrica mais cara do país), não dá para descartar um incêndio florestal com dimensões e consequências inimagináveis, nos moldes do que ocorreu em 2005, quando 200 mil hectares de florestas da Reserva Extrativista Chico Mendes foram destruídos pelo fogo.
Tornar toda queimada ilegal é o caminho mais rápido para melhorar a eficiência da fiscalização e reduzir de imediato a quantidade de fumaça. Diga-se que aqui no Acre a proibição do licenciamento de queimadas só ocorreu uma vez, há alguns anos, e graças a uma decisão judicial prolatada em ação ajuizada pelo Ministério Público (uma louvável iniciativa, então batizada de “Fogo zero”). Essa decisão foi posteriormente caçada em sede recursal.
Contudo, acovardar-se sob o manto de decisões judiciais, como continuam fazendo os gestores públicos até o momento, não tem cabimento, diante da calamidade. Por outro lado, medidas como instalação de “salas de situação”, monitoramento da dinâmica dos focos de calor, e assim por diante, não configuram, em si mesmas, algum tipo de solução.
Afinal, o que o monitoramento das queimadas demonstra é que há urgência na suspensão imediata, e por prazo mínimo de 90 dias, do licenciamento dessa prática abominável. Enquanto houver queimadas legalizadas – esse absurdo consentido pela sociedade –, o rio Acre continuará secando e a população, adoecendo.
Moratória do licenciamento ambiental para queimadas, já!
Trata-se de medida emergencial e que deveria ter sido adotada pelos gestores ambientais ainda em fevereiro, quando os recordes de queimadas se mostraram persistentes. Todavia, negligenciaram-se as evidências de forma acintosa. Preferiu-se não tomar providência e ficar à espera das chuvas que cairiam dos céus, ou de um milagre, ou de qualquer coisa que não significasse risco de perda de votos na zona rural.
Por um punhado de votos de proprietários rurais, toda a população fica sujeita à falta d’água, a doenças respiratórias e ao risco de incêndio florestal. É muita pequenez, decerto. 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Romantismo não reverterá colapso ecológico



* Ecio Rodrigues
Todos os anos, uma professora do ensino fundamental, sempre bem intencionada e nem tão bem informada, dedica-se, na primeira semana de junho, a promover junto aos seus alunos o que chama de “educação ambiental”.
As aspas foram propositais: embora a maioria desconheça, os conteúdos sobre meio ambiente estão incluídos na Lei de Diretrizes de Base da Educação e dizem respeito a processos pedagógicos estabelecidos, exigindo formação acadêmica específica.
Significa dizer, em primeiro lugar, que nem tudo o que se refere ao meio ambiente é educação ambiental. Orientar a população a poupar água, por exemplo, a despeito de ser medida didática, importante para a ecologia, não tem relação com educação ambiental.
Significa, em segundo lugar, que nem todos possuem o conhecimento técnico necessário para dominar o tema.  
Voltando à historinha do início. Na tal semana, as crianças cumprem duas atividades, estimuladas por sua professora: plantar mudas de árvores e produzir papel reciclado artesanalmente.
A professora não sabe que de cada 10 mudinhas plantadas pelas crianças, 9 vão morrer de insolação, de sede ou por falta de alimento. E ela também ignora que o papel reciclado é mais prejudicial ao meio ambiente do que o papel produzido do eucalipto cultivado exclusivamente para esse fim.
Explicando melhor. Plantar árvores é tarefa que exige expertise e que não se esgota no ato de depositar uma muda na terra ou uma semente num receptáculo. De outra banda, a produção de papel reciclado gasta mais energia e depende de mais produtos químicos do que a produção de papel branco, que tem por base a celulose, matéria-prima que por sua vez se origina das árvores.
Não tem sentido chorar por um pé de eucalipto derrubado para o fabrico de papel, pelo simples fato de que essa árvore, que foi plantada com essa finalidade, será substituída por outra – por outro pé de eucalipto.
Trata-se de um raciocínio simplório e que justificou a primeira grande transformação ocorrida na humanidade, quando o homem evoluiu de nômade para sedentário, ou seja, quando dominou os complexos processos que o levaram a dispor, perto de casa, de tudo o que precisava para comer, se vestir e se locomover – uma conquista que demorou muito tempo e exigiu muito esforço humano.
Resumindo, ainda que expresse uma declaração de amor à natureza, a iniciativa da professora não se confunde com educação ambiental: não envolve procedimento pedagógico ou material didático que sirva para difundir algum domínio em ecologia. Além de não transmitir muita informação para as crianças.
É óbvio que despertar o carinho pela natureza é importante. Todavia, o erro na abordagem pode causar desapontamentos futuros. Provavelmente, o problema maior reside na constatação de que declarações de amor à natureza não têm levado os futuros adultos a assumir sua responsabilidade e se esforçar para resolver a grave crise ecológica enfrentada pela humanidade.
O ato simbólico, repetido por milhares de atletas na abertura das Olimpíadas no Rio, de jogar uma sementinha num tubete com vermiculita, é uma declaração de amor à natureza, que decerto deixa a todos com a consciência tranquila. E isso será um grande problema no futuro.
Não vai aplacar nossa incompetência para organizar uma economia sem petróleo ou para explorar a biodiversidade florestal na Amazônia. E isso é um grande problema, hoje.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Biodiversidade e 10 anos de Concessão Florestal na Amazônia



*Ecio Rodrigues
A ideia de que existe uma riqueza excepcional na floresta amazônica e que essa riqueza é motivo de cobiça internacional mexe com o imaginário da sociedade, sobretudo dos que vivem no Sudeste do país.
Essa perspectiva do Eldorado, herdada dos primeiros exploradores espanhóis e portugueses a pisar por aqui, reproduz-se com facilidade na sociedade, ainda que não passe de uma grande ilusão.
Em nenhum momento da história econômica da Amazônia, mesmo durante o breve e pujante ciclo da borracha (que teve início no final século XIX e foi até 1911), esse ideário de riqueza se concretizou. Como afirmam os cientistas, o que nunca aconteceu não pode ser verdade, é fruto de fértil imaginação.
No entanto, o fato de essa riqueza não ter sido descoberta até agora não incomoda muito; quando se supõe que isso pode não ocorrer nunca, a coisa muda de figura.
Acontece que ao mesmo tempo em que se acredita que a biodiversidade existente nas florestas da Amazônia é objeto de uma suposta cobiça internacional (quantas vezes não se afirmou que a cura da Aids pode estar ali?), também se impõe uma série de obstáculos à exploração dessa biodiversidade.
E nada melhor para exemplificar isso do que a lentidão e a dificuldade que caracterizam os procedimentos necessários para a celebração das concessões florestais.
O Contrato de Concessão Florestal foi instituído em 2006, pela Lei 11.284, que também criou o Serviço Florestal Brasileiro, órgão responsável pela relação do governo federal com as concessionárias.
Por esse indispensável instrumento, empregado em todos os países que possuem ativos florestais de importância econômica, as empresas podem explorar áreas de florestas públicas, mediante a tecnologia do manejo florestal, para obtenção de produtos específicos, durante um período de 40 anos (no caso brasileiro).
Embora a eficácia da concessão florestal seja amplamente reconhecida mundo afora, notadamente no âmbito dos países que integram o sistema ONU, o surgimento desse instituto no Brasil gerou muita polêmica, e a lei foi acusada de autorizar a privatização das florestas, em especial na Amazônia. Um total contrassenso, que reflete por sua vez um ingênuo e ultrapassado senso de preservacionismo.
Diga-se, em primeiro lugar, que a exploração da floresta na Amazônia, desde o tempo das drogas do sertão, há cerca de 400 anos, sempre foi realizada por empresas, nunca por um inapto órgão público. Por outro lado, a participação da iniciativa privada é demonizada sem qualquer embasamento, sem qualquer tipo de evidência que indique que as empresas destroem o ativo florestal, causam danos sociais, enfim, trazem algum tipo de nocividade.
Longe de representar terceirização ou privatização das áreas florestais estatais, a concessão na verdade cria vínculo duradouro entre a empresa responsável e a área de floresta explorada.
Esse vínculo, que por sinal pode ser rompido pelo órgão de controle, possibilita ganhos de eficiência nos dois lados da concessão: o poder público pode monitorar com mais competência, e a empresa pode obter mais lucro com o manejo da floresta.
A riqueza da biodiversidade, se é que existe, não aparecerá do nada. A participação das empresas nas concessões florestais pode mostrar um rumo.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.