segunda-feira, 27 de junho de 2016

Para entender o lamentável recorde de queimadas no Acre em 2015



* Ecio Rodrigues
Nunca é demais repetir, em 2015 a quantidade de queimadas no Acre superou uma série histórica de medições, iniciada em 1998.
Para dizer de outra forma: em 18 anos, o Acre nunca queimou tanto quanto no ano passado. Ou, para soar como um alerta: os gestores públicos têm sido incapazes de controlar o aumento das queimadas observado desde 2011 no Acre.  
A notícia é bem mais grave do que pode parecer e merece uma explicação detalhada. A começar por uma constatação preocupante – não foi de um momento para o outro que a quantidade de queimadas disparou no Acre, até atingir a taxa recorde de 2015. Ao contrário, a quantidade de queimadas ocorridas no território estadual vem aumentando nos últimos 5 anos: as aferições comprovam que desde 2011, quando aconteceram 1.912 queimadas, houve aumento constante e ininterrupto, ano após ano.
Para satisfazer aqueles que, como este autor, valorizam muito as estatísticas, pontua-se: em 2012 aconteceram 3.180 queimadas no Acre; logo depois, em 2013, observou-se leve ampliação, tendo sido constatados 3.242 focos de calor.
Em 2014, a elevação foi mais expressiva, chegando a 3.829 queimadas, e continuou até o recorde do ano passado, quando absurdos 5.512 focos de calor foram captados pelo satélite.
Antes de tudo, é importante esclarecer: a quantificação das queimadas é realizada por um tipo de satélite que possui sensibilidade aos focos de calor. Não se trata de observação humana, o que poderia conferir aos dados algum grau de insegurança. São informações obtidas com 100% de certeza.
Em não havendo dúvida sobre as taxas anuais de ampliação das áreas submetidas à queima no Acre, resta inquirir as razões pelas quais nenhuma providência foi tomada na tentativa de estancar o risco anual de ampliação.
Por sinal, os números apresentam comportamento bastante compreensível. Os pesquisadores costumam dizer que quando os números se comportam, medidas de correção são mais baratas e menos traumáticas.
Uma intervenção, por exemplo, na esfera das políticas públicas, no sentido de conter a ampliação das queimadas e reverter o processo, poderia ter sido pontual, ou seja, direcionada para determinada realidade local, já que as estatísticas apontam onde ocorriam os aumentos.
Não é preciso muito esforço para concluir que, na melhor das hipóteses, e uma vez que os dados disponibilizados pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) eram suficientes para subsidiar uma tomada de decisão, os gestores estaduais negligenciaram a ocorrência das queimadas.
Descuidaram de uma informação que se revelaria capital – provavelmente porque se supôs que se tratava de uma ampliação momentânea, ou seja, que os índices retornariam ao patamar anterior. Um grave erro.
Esqueceram um princípio elementar, fartamente comprovado na literatura científica sobre queimadas, que explica a motivação do produtor para adotar essa lamentável prática agrícola num determinado ano: as queimadas atendem a um imperativo da política pública. Em outas palavras, é o incentivo do governo que faz o produtor queimar.
Em época de crise aguda na economia nacional e estadual, não deve ser difícil apurar que incentivo foi esse. Ao que parece, todavia, falta vontade para isso.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 19 de junho de 2016

Queimadas no Acre em 2015 batem recorde assustador




* Ecio Rodrigues
Poucos se dão conta de que a trajetória das queimadas no Acre assumiu uma dinâmica perigosa, para dizer o mínimo. Embora passem despercebidas pela imprensa, as medições não deixam dúvida que o aumento ocorrido em 2015 – quando os satélites captaram 5.512 focos de calor em todo o território estadual – exige medidas emergenciais, que deveriam ter sido tomadas já em janeiro último.
Acontece que o relatório publicado pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais, Inpe, no âmbito do Programa de Monitoramento de Queimadas e Incêndios, uma parceria entre o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério do Meio Ambiente, está disponível desde o final de 2015, com dados que nos põem de cabelo em pé – como diziam as nossas queridas avós.
Além de configurarem fato consumado (quer dizer, não se trata de suposições e sim de dados coletados em tempo real), as informações monitoradas mostram que desde 1998, quando se iniciaram as medições, não aconteciam no Acre tantas queimadas como em 2015.
Mas, se é assim, uma questão surge de pronto (embora, ao que parece, ninguém esteja interessado na resposta): como é possível ter ocorrido expressivo aumento na quantidade de queimadas no Acre em 2015, se a população de Rio Branco não sentiu as consequências, pelo menos com a mesma intensidade de outros anos?
A resposta não poderia ser diferente e remete à dinâmica assumida pelo novo ciclo de desmatamento e queimada, cujo vetor toma a direção da rodovia BR 364, no sentido Rio Branco-Cruzeiro do Sul.
Explicando melhor, a razão pela qual o rio-branquense não percebe os efeitos das queimadas da mesma forma como percebia em anos anteriores pode ser resumida assim: o Acre está queimando mais, porém mais longe do vale do rio Acre.
Por sinal, o estudo da dinâmica assumida por esse novo ciclo de queimadas deveria ser prioridade para os pesquisadores, uma vez que pode explicar boa parte do comportamento observado na vazão dos rios do Acre e a peculiar periodicidade das secas e alagações.
Para dar uma ideia da dimensão do problema representado pelo recorde de queimadas no Acre em 2015, basta constatar que somente em dois anos houve mais de 4.000 focos de queimada no estado: em 2005 (quando o desmatamento chegou a cifras elevadíssimas na Amazônia) e em 2010.
Outra informação crucial para fins de análise comparativa é que em 1999 aconteceram somente 333 queimadas no Acre. É o menor índice em toda a série histórica e não há como justificar essa cifra em função da crise econômica então vivida no país. Associar economia aquecida ao aumento das queimadas pode ser um erro.
Em 2015, o país teve um crescimento negativo no Produto Interno Bruto, correspondente a –3,9%. De longe, um dos piores de sua história recente. O desemprego alcançou níveis alarmantes, da mesma maneira que a taxa de fechamento de empresas. Senão todos, a maioria dos indicadores econômicos apresentou resultados sofríveis. 
Ou seja, a economia do país chegou ao fundo do poço, enquanto as queimadas em território estadual se multiplicaram de maneira assustadora. A lógica econômica indicaria um aquecimento elevado na dinâmica econômica do Acre. Tá brincando?
O aumento das queimadas em época de crise econômica é, sem dúvida, o pior dos mundos. O precipício pode estar à vista, mas ninguém parece querer enxergar.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Peruanos rejeitam populismo de esquerda e de direita




* Ecio Rodrigues
Em 05 de junho último, numa eleição inédita (por conta do acirramento da disputa tanto no primeiro quanto no segundo turno), 50,12% dos eleitores peruanos elegeram para presidente o economista Pedro Pablo Kuczynski, apelidado PPK – certamente não por coincidência a mesma sigla do partido pelo qual concorreu, o Partido Peruano por el Kambio.
Em números absolutos, PPK conseguiu 41 mil votos a mais que sua oponente, Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori e considerada herdeira do “fujimorismo” –, que obteve 49,88% dos votos.
Embora apertada, a vitória reforça a tese de que existe, na América do Sul, uma tendência à retomada dos ideais do liberalismo econômico. Essa tendência, iniciada com vitória de Macri na Argentina, foi mantida com a derrocada de Maduro nas eleições legislativas da Venezuela, e se intensificou depois que os bolivianos negaram a Evo Morales a chance de concorrer a um novo mandato em 2020.
Claro que no âmbito de tal tendência é possível incluir a crise política brasileira. Mas como não há sinal de luz no final desse túnel, melhor deixar de lado as mazelas nacionais.
O processo eleitoral no Peru se distinguiu por duas particularidades: primeiro, que o sindicalismo, representado pelo atual Presidente Ollanta Humala, foi mandado às favas, tendo recebido alto grau de rejeição, a ponto de nenhum candidato, mesmo no primeiro turno, requerer o seu apoio.
Com viés populista (por adotar um sem-número de bolsas e programas sociais voltados para dar coisas ao povo) e de centro-esquerda (por se render ao sistema econômico internacional e ao mesmo tempo refutá-lo com discurso sindicalista ultrapassado), o atual mandatário não conseguiu manter sua popularidade.
Já a segunda particularidade diz respeito ao populismo que saiu derrotado, igualmente perigoso, no entanto de direita. A filha de Alberto Fujimori (que, por sinal, está preso) obteve apoio nas camadas mais necessitadas da população, em especial devido sua adesão a programas sociais direcionados para dar coisas ao povo.
Tal qual Cristina Kirchner, na Argentina, e guardando alguma semelhança com a brasileira Dilma Rousseff, a “mãe dos pobres” da direita fujimorista também marcou sua campanha eleitoral com promessas de ampliação de ajuda humanitária aos desfavorecidos.
Com aprimorada formação superior em Economia, o presidente eleito conseguiu congregar, em torno de seu partido, o apoio dos que demonstram preocupação com os rumos da economia peruana.
Defendendo austeridade nos gastos estatais e a organização dum serviço público enxuto e pautado pela busca de eficiência, mediante redução do número de servidores e dos custos operacionais, o PPK recebeu a confiança da classe média peruana, o que permitiu decidir a eleição a seu favor.
Espera-se que o novo presidente logre, em sua equipe de governo, valorizar a competência técnica para a gestão pública. Espera-se mais, que as empresas estatais, como sempre em grande quantidade e caracterizadas pela ineficiência, sejam fechadas, vendidas ou privatizadas, de forma a se privilegiar uma economia dinâmica, que funcione sem a intervenção dos governos.
Todavia, não é fácil demonstrar que o crescimento da economia, e não “bolsas-família”, é o que traz oportunidades à população. Sorte ao Peru.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.