* Ecio Rodrigues
Não é proibido, mas tem que
brigar com o Ibama. Essa resposta, espetacular, foi dada por um produtor rural,
ao ser confrontado com a pergunta lançada no título deste artigo.
Ocorre que a legislação ambiental brasileira, sempre
prenhe de contradições, permite o manejo de animais silvestres sob o sistema
intensivo (ou seja, por meio de criatórios), em detrimento do sistema extensivo
– isto é, o manejo efetuado na própria floresta, em ambiente natural. Trata-se
de um contrassenso porque, seja sob o ponto de vista do animal (seu bem-estar e
seu desempenho), seja sob o ponto de vista dos impactos ambientais, não há
nenhuma dúvida quanto à superioridade do manejo extensivo em comparação com o
intensivo.
Mas os contrassensos não param por aí. Como não há
proibição expressa, a legislação na verdade deixa uma brecha, abrindo a
possibilidade de o manejo extensivo vir a ser licenciado. Todavia, como toda
brecha normativa, está sujeita a interpretações várias, e é aí que mora o
perigo.
É que vigora certo senso comum – equivocado, claro,
mas que impregna os órgãos de controle ambiental e inclusive entidades
ambientalistas mais adeptas do preservacionismo – que considera arriscado o
manejo da fauna silvestre de forma geral, e particularmente o praticado de
forma extensiva.
Entende-se que o licenciamento do manejo de pacas,
catetos, queixadas, capivaras etc. possibilitaria a estruturação de um mercado legalizado
que, por sua vez, iria acobertar e ampliar o persistente mercado ilegal de
carnes de animais silvestres amazônicos. Dessa forma, a interpretação
restritiva da norma para impedir o licenciamento do manejo de fauna, sobretudo
o efetuado na floresta, ajudaria a manutenção dessas espécies, prevenindo o risco
de extinção.
Um raciocínio tortuoso, mas que se mantém, mesmo sem
nenhuma evidência, sem nenhum resultado a lhe conferir alguma validade. Na
verdade, as evidências demonstram justamente o contrário: durante os últimos 40
anos, desde a aprovação da legislação sobre a fauna silvestre, o mercado
legalizado vem sendo desestimulado, e isso não alterou em nada a realidade amazônica.
Entretanto, ninguém – nem os órgãos ambientais, nem os
técnicos que atuam nas instituições de pesquisas, nem mesmo a academia –
ninguém se dá ao trabalho sequer de constatar que o fato de não se licenciar o
manejo da fauna não pode ser considerado uma solução para o problema do mercado
ilegal, pela simples razão de que essa via já foi testada nos últimos 40 anos e
não deu certo, em face de um conjunto de motivos facilmente determináveis.
Decerto vai-se gritar que a fiscalização não foi
realizada a contento, ou que faltaram campanhas de sensibilização voltadas para
persuadir a sociedade, notadamente o produtor rural que vive cheio de preocupações
com sua subsistência, a se envolver na denúncia dos caçadores – ou melhor, dos traficantes,
como oficialmente se diz. Sem embargo, não se pode negar que uma extraordinária
soma de recursos públicos é anualmente consumida pelos órgãos estatais de controle,
e o tráfico de animais silvestres é amiúde objeto de caríssimas campanhas de
mídia.
Enfim, esses argumentos não passam de um corolário
de justificativas sem sentido, que não condizem com a realidade dos animais
silvestres, cujo risco de extinção se amplia ano após ano. Tampouco condizem
com a realidade das frágeis economias dos municípios amazônicos, em especial os
interioranos, que não conseguem transformar em dividendos sociais uma grande vantagem
comparativa que detêm – a rica fauna silvestre que habita seus territórios.
Enquanto isso, a criação de gado, alternativa
econômica que não encontra embaraços, avança sobre a floresta, deixando a fauna
silvestre sem habitat. Mais paradoxal, impossível.
* Professor Associado da
Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo e
Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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