quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Natal de lixo na Amazônia




* Ecio Rodrigues
Ao que parece, a Prefeitura de Porto Velho resolveu contratar um borracheiro para enfeitar a cidade para o Natal. Nada contra os borracheiros, mas convenhamos que improvisar árvores de natal com pneus não é bem o que se espera de uma decoração natalina.
Três pressupostos deveriam pautar a tomada de decisão de um agente público, no que concerne à decoração natalina de uma cidade.
Antes de discutir esses pressupostos, contudo, é preciso reforçar o que todo o mundo já sabe: que os enfeites de natal servem para aumentar a estima da população para com a cidade, o que se reflete em atitudes positivas em relação ao pagamento de impostos, à conservação de equipamentos públicos, em ações, enfim, de cidadania e urbanidade.
O primeiro pressuposto para a escolha dos arranjos natalinos é, como não poderia ser diferente, o efeito estético que a ornamentação irá causar, considerando-se sua adequação à paisagem urbana e, o mais importante, o que a sociedade local valoriza nessa paisagem.
Nesse quesito, as árvores de natal de pneu são exemplo de insensatez. Expostas nos canteiros da Avenida Jorge Teixeira, uma das principais de Porto Velho, elas destoam completamente do jardim ao redor. Pintados de verde, numa demonstração de mau gosto, os pneus tentam imitar as árvores reais. Por outro lado, não dá para imaginar que os habitantes daquela capital prefiram pneus usados, em detrimento, por exemplo, das próprias plantas presentes no jardim.
O segundo pressuposto diz respeito ao orçamento. Por mais que muitos brasileiros sigam acreditando que os serviços públicos não têm custos, o preço dos enfeites certamente pesa no orçamento das municipalidades menos abastadas, levando à escolha da decoração que importe em menor gasto.
A opção pelo menor preço, evidentemente, encontra limites. Mesmo que os custos com a compra de materiais esdrúxulos (como pneus usados) sejam bem menores que uma ornamentação mais sofisticada, a decisão da autoridade pública deve se basear no que os economistas chamam de custo/benefício.
Quer dizer, não adianta o baixo custo, se os benefícios são duvidosos. De que vale uma decoração barata, se o valor estético dessa decoração é discutível?
Finalmente, há também o pressuposto da sustentabilidade. Numa época em que o mundo tenta encontrar caminhos para a consolidação da denominada economia de baixo carbono, em substituição ao atual sistema econômico baseado no petróleo, parece adequado, especialmente no caso das cidades amazônicas, que os enfeites de natal espelhem algum grau de preocupação com o destino da humanidade.
Ironicamente, é provável que justamente esse pressuposto tenha sido a maior justificativa para a criação das árvores de pneus. Nada mais equivocado. Ocorre que existe uma confusão perigosa entre o significado dos termos “reciclagem” e “reuso”.
Sob a perspectiva da sustentabilidade, não adianta reciclagem sem reuso, uma vez que o princípio a ser observado, necessariamente, é o da diminuição das matérias-primas indesejáveis no meio ambiente. Para que essa diminuição ocorra, por sua vez, a matéria-prima reciclada deve ser transformada num produto idêntico ao original; isto é, os produtos reciclados devem forçosamente retornar ao mesmo uso.
Se, como ocorre com as árvores de pneu e de PET, é criado um uso novo para a matéria-prima reciclada, ao invés de diminuir, ela irá aumentar no meio e, obviamente, nos lixões.
Enquanto decisões públicas forem tomadas com indiferença, na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, as árvores de natal serão de lixo.
  
* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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