domingo, 22 de junho de 2014

Quase meio bilhão de reais doados às Unidades de Conservação da Amazônia



* Ecio Rodrigues
Para reforçar a máxima de que o problema não é a falta de dinheiro, mas os gravíssimos e insuperáveis entraves de gerenciamento, as unidades de conservação localizadas na Amazônia vão receber um vultoso montante da Cooperação Internacional. E o melhor, o dinheiro é doado, não precisa pagar.
Por meio do Programa Áreas Protegidas da Amazônia, conhecido pelo sofrível acrônimo Arpa, o Banco Mundial, o governo da Alemanha e o Fundo Mundial para Vida Selvagem, WWF, firmaram, em maio de 2014, um acordo para disponibilizar – pelos próximos 25 anos – o equivalente a 477 milhões de reais, a serem aplicados na criação e estruturação de unidades de conservação na Amazônia.
Depois de esgotado esse prazo, o Estado brasileiro se comprometeu a assumir o custeio das ações de gerenciamento nessas áreas. Espera-se que esse não seja apenas mais um, entre os muitos compromissos que nos acostumamos a assinar distraidamente.
Diga-se que, muito embora cerca de 60 milhões de hectares sejam destinados às unidades de conservação na Amazônia, apenas 4% delas se encontram efetivamente implementadas e são geridas de forma eficiente.
Essa foi a preocupante conclusão de uma importante auditoria operacional realizada pelo Tribunal de Contas da União, TCU, cujo relatório foi aprovado em dezembro de 2013.
O problema é de gerenciamento, e o órgão responsável pela administração dessas áreas, o ICMBio, que herdou essa responsabilidade do Ibama, não tem demonstrado fôlego institucional e capacidade operacional para avançar nesse quesito.
Dessa forma, dos mais singelos (por exemplo, o abastecimento de veículos) aos mais complexos (como é o caso da promoção do manejo florestal), os entraves operacionais se acumulam e permanecem sem solução.
Considerando-se que, diante do acordo firmado com a Cooperação Internacional, os problemas financeiros foram definitivamente resolvidos, seria o momento de o órgão se debruçar sobre os problemas de gerenciamento.
Todavia, a experiência demonstra que esse é um caminho ignorado – tanto pelo ICMBio quanto pelo próprio Ministério do Meio Ambiente. Afinal de contas, o Arpa existe desde 2002.
Na primeira fase desse programa, foram investidos em torno de 284 milhões de reais em 95 unidades de conservação. Atualmente, o Arpa se encontra em sua segunda fase, que totalizará investimentos na ordem de 126 milhões de reais.
Ou seja, à época da auditoria do TCU, realizada em 2013, uma quantia superior a 400 milhões de reais já havia sido aplicada nas unidades de conservação na Amazônia, ao longo de dez anos, com retorno pífio. Não custa repetir, apenas 4% das UCs possuem uma gestão considerada eficiente pelos auditores do TCU.
É evidente que todo investimento realizado nas unidades de conservação, especialmente nas localizadas no bioma Amazônia, irá refletir de forma direta na redução do desmatamento e na consequente minimização dos riscos decorrentes da mudança climática.
E é evidente, do mesmo modo, que a solução dos gargalos gerenciais do ICMBio arrogaria a esse investimento efeito exponencialmente superior.
Não há dúvida de que as unidades de conservação na Amazônia se configuram em instrumento chave para a estratégia de manutenção da maior floresta tropical do planeta. Uma mera comparação entre os índices de desmatamento aferidos dentro dessas áreas e os mensurados fora delas é suficiente para a comprovação dessa tese.
Falta transformar essa importância ecológica e econômica em prioridade política para o Estado brasileiro; e isso, tudo indica, ainda vai demorar bastante.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Mudança climática exige política pública específica



* Ecio Rodrigues
Se houver convergência política e econômica para o aproveitamento dos pontos positivos das mudanças no clima, se as famílias conseguirem perceber em seu cotidiano os riscos e vantagens relacionados às alterações climáticas, se o aquecimento global não for transformado em capital político de alguns grupos e, finalmente, se forem criados procedimentos precisos de avaliação de riscos, a humanidade tem chance de superar a atual crise ecológica.
Essa avaliação é efetuada por Anthony Giddens em seu mais recente livro, publicado no Brasil pela editora Zahar sob o título “A Política da Mudança Climática”.
Trata-se de obra de referência, que discute de maneira acessível para o grande público o estágio atual e as implicações do inexorável processo de aquecimento do planeta e das consequentes mudanças no clima.
Com um texto engajado e polêmico, Giddens discorre sobre as conclusões presentes nos relatórios elaborados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) – não deixando dúvida quanto à urgência das decisões políticas no sentido de viabilizar-se uma economia de baixo carbono no âmbito dos Estados nacionais.
Engajado, porque faz uma defesa intransigente da política, sobretudo da política internacional, como meio para superar a crise da mudança climática, e do Estado como agente central na adoção dessa política – que exige, obviamente, uma postura ativa dos governos.
Defendendo a existência de uma ordem planetária capaz de conceber e pôr em prática uma política da mudança climática, negando o princípio da precaução como instrumento eficaz de convencimento dos governos, e chegando à constatação de que o risco de tragédia é iminente se não forem adotadas medidas corretivas, a obra de Giddens polemiza – e sem dúvida desagrada aos apocalípticos, aos otimistas e aos céticos da mudança do clima.
Entre as polêmicas levantadas, a negação do princípio da precaução chama atenção. Na visão de Giddens, o princípio da precaução – que costuma ser largamente empregado por políticos e ambientalistas quando faltam argumentos para a sustentação de alguma medida mais severa na esfera ambiental – apresenta contradições intrínsecas que levam à sua invalidação.
Afinal, se por um lado, “é melhor prevenir que remediar”, por outro, não se pode desconsiderar que “quem não arrisca, não petisca”.
Ou seja, em face do princípio da precaução, refuta-se a possibilidade de ousar e inovar, diante do risco de causar-se algum comprometimento à existência humana. Todavia, sem arrojo e inovação não é possível a superação dos riscos trazidos pela mudança climática, o que também pode levar a humanidade à destruição.
Como afirma Giddens:
“Tomemos o exemplo dos alimentos geneticamente modificados, ou transgênicos. Os riscos para a saúde humana e para as ecologias locais não são conhecidos com nenhum grau de precisão. Uma definição forte do PP [princípio da precaução] exige que tais alimentos sejam completamente banidos, sob a alegação de que com isso evitamos qualquer risco que eles tendam a trazer. Todavia, proibir seu uso também cria riscos significativos, inclusive a possibilidade, por exemplo, de elevar os níveis de fome e desnutrição. A definição forte do PP implicaria que também evitássemos esses riscos. Portanto, a definição forte exibe uma incoerência lógica: opõe-se tanto ao cultivo quanto ao não cultivo de produtos transgênicos.”
Giddens encerra a obra questionando o que está por vir. Uma nova Era do Iluminismo ou uma nova Idade das Trevas? O futuro, em breve, nos dirá.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Novas tecnologias ou mudança no padrão de consumo, qual a saída?



* Ecio Rodrigues
Não há mais espaço para dúvida: o planeta está aquecendo. Também não há dúvida de que as mudanças no clima trarão prejuízos econômicos e catástrofes ecológicas imprevisíveis.
E finalmente, graças ao último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês), organismo da ONU responsável pelo monitoramento do clima no planeta, já não se duvida que a culpa pelo aquecimento global recai sobre as atividades humanas.
Ou seja, foi o nosso modo de se locomover, de morar, de se vestir e de se alimentar, só para citar as demandas mais importantes da humanidade, que conduziu o planeta à rota sem volta do aquecimento – que, por sua vez, leva à instabilidade no clima e à ocorrência de alagações, secas, tsunamis, entre outros eventos extremos.
Sem embargo, embora esse diagnóstico seja aceito pela maioria dos países, não havendo necessidade de se invocar o irrelevante e duvidoso princípio da precaução, a busca por soluções ainda ensejará muita controvérsia.
A discussão sobre o que fazer para alterar o processo, irreversível até o momento, de aquecimento do planeta tem mobilizado os fóruns internacionais. Os países, em meio às dificuldades econômicas e à perigosa ampliação das desigualdades sociais, não conseguem encontrar um rumo consensual para salvar o planeta de uma crise ecológica sem precedentes.
Como assinala Fabián Echegaray, em artigo publicado na revista Ideia Sustentável, edição 34 (que pode ser acessado em ideiasustentavel.com.br/revista), “Diante das comprovações [sobre o diagnóstico do aquecimento global], o foco passa a estar agora nas soluções: dar preferência às mudanças de estilo de vida ou às mudanças trazidas pela tecnologia?”
Para os que defendem ações relacionadas ao desenvolvimento de novas tecnologias (designadas como “verdes”, “limpas”, e assim por diante), surge uma grande oportunidade, no que diz respeito à estruturação de novos mercados.
Incluídas no rol de possibilidades da denominada economia de baixo carbono, essas inovações tecnológicas assentarão as nações que nelas investirem, agora, numa posição estratégica, no futuro.
Há exemplos mundo afora de países que estão destinando volumosos recursos públicos para a estruturação de uma matriz energética baseada em fontes renováveis. A Alemanha, por exemplo, é, atualmente, líder no campo da energia solar e eólica, tanto na área de pesquisa quanto na de instalação de unidades de geração de energia elétrica.
O tema da energia, por sinal, seja no âmbito da geração, seja no que se refere à otimização do uso e ampliação da eficiência energética, tem merecido atenção especial. Tudo indica que será por meio da substituição dos combustíveis fósseis usados na produção de energia elétrica (como é o caso do petróleo e do carvão mineral) que a ainda incipiente economia de baixo carbono irá deslanchar.
Por outro lado, para os críticos do consumo excessivo e perdulário, que consideram o modelo americano de sociedade o exemplo a não ser seguido, só uma profunda alteração nos atuais hábitos de consumo salvará o planeta.
Vale dizer, não adianta apenas o emprego da madeira ou de outros recursos naturais renováveis na fabricação de bens de consumo, ou a fabricação de um carro que seja mais eficiente no uso de combustível, o problema está no consumo em si, o problema está na existência do carro – teríamos que começar a rever nossos padrões de consumo e começar a andar de bicicleta ou a pé.
Enquanto não se chega a um equilíbrio entre esses caminhos, a nações com visão estratégica investem na economia de baixo carbono. Deveríamos fazer o mesmo. 
     
* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.