* Ecio Rodrigues
Embora a imprensa, sempre despreparada e
acreditando na máxima de que notícias ruins vendem mais, insista em tratar as
cheias do rio Acre e de outros rios na Amazônia como grandes calamidades locais,
na verdade, o aumento de vazão das águas faz parte do ciclo hidrológico, sendo importante
para o equilíbrio dos rios. Ou seja: a notícia é boa.
Não se olvida que algumas centenas e até
milhares de pessoas possam ficar desabrigadas no período das cheias, nem tampouco
que possa haver perda de patrimônio. Todavia, se não nos deixarmos levar pelo
clamor das emoções, veremos que se existe calamidade, a causa não está no rio,
mas nas ações humanas.
Estudiosos sobre o comportamento hidrológico
dos rios na Amazônia têm alertado para o aumento do nível médio de vazão desses
cursos d’água. Significa afirmar que a estabilidade da vazão dos rios ocorrerá num
nível mais elevado, levando as cheias anuais para cotas de transbordamento mais
altas.
Por conseguinte, as águas dos rios ocuparão áreas
maiores, atingindo cada vez mais as edificações localizadas nas regiões que
podem ser consideradas “de várzea”, onde o planejamento urbano deveria evitar a
ocupação.
Note-se que a palavra alagação, aqui, é
propositadamente evitada, e não por questões de estilo. Existe uma importante diferença
conceitual entre alagação e cheia que precisa ser esclarecida e assimilada, de
modo que os rios amazônicos, mananciais de vida e imprescindíveis às cidades,
não se tornem verdadeiros “vilões” urbanos.
As cheias são eventos anuais e permanentes; não
podem ser consideradas catástrofes, pois integram o ciclo hidrológico dos rios.
Assim, devem ter suas consequências previstas no planejamento urbano.
Não significa dizer, porém, que não ocorrerão
alagações. Eventos extremos, daqueles que aconteciam a cada 10 anos, devem
continuar a sobrevir em intervalos menores e com maior intensidade, em face da
crise ecológica oriunda das mudanças no clima em todo o planeta.
Para concluir: a alagação se configura um evento
extremo, que deve ser tratado no âmbito da defesa civil. As cheias, por sua
vez, são assunto de planejamento urbano, pois vão acontecer todos os anos; e, diante
do aumento do nível médio de vazão dos rios, a tendência é que alcancem
perímetros cada vez maiores.
Sendo
assim, é certo que não pode haver ocupação humana nas áreas de escape do rio –
ou seja, nos limites inevitavelmente atingidos pelas cheias; as habitações situadas
em locais impróprios devem ser removidas, de forma a evitar-se que as cheias
anuais atinjam pessoas.
Sem embargo, parece existir uma espécie de pacto
entre as famílias que vivem nas áreas afetadas pelas águas nas cheias anuais e
as autoridades públicas - pacto esse, diga-se, que é endossado pela mídia e
pela sociedade em geral -, e que transforma o atendimento aos atingidos em ações
de assistencialismo, voltadas para angariar votos.
Um caminho perigoso; tal qual ocorre com o
caso da seca no Nordeste, o problema passa a ser tratado como trunfo político.
Esse caminho, como a experiência nordestina demonstra, nada resolve, e a associação
promíscua entre o atingido e a providencial assistência pública é mantida indefinidamente.
A solução, óbvia, é a implementação de
políticas públicas, a fim de que as áreas anualmente cobertas pelas cheias
sejam reservadas para esse fim, promovendo-se a sua total desocupação.
As cheias prenunciam fartura e fertilidade,
por isso sempre foram festejadas pela humanidade. Tragédia mesmo é a seca.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e
Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
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