domingo, 16 de fevereiro de 2014

Cheias no Acre, tragédia ou fartura?



* Ecio Rodrigues
Embora a imprensa, sempre despreparada e acreditando na máxima de que notícias ruins vendem mais, insista em tratar as cheias do rio Acre e de outros rios na Amazônia como grandes calamidades locais, na verdade, o aumento de vazão das águas faz parte do ciclo hidrológico, sendo importante para o equilíbrio dos rios. Ou seja: a notícia é boa.
Não se olvida que algumas centenas e até milhares de pessoas possam ficar desabrigadas no período das cheias, nem tampouco que possa haver perda de patrimônio. Todavia, se não nos deixarmos levar pelo clamor das emoções, veremos que se existe calamidade, a causa não está no rio, mas nas ações humanas.
Estudiosos sobre o comportamento hidrológico dos rios na Amazônia têm alertado para o aumento do nível médio de vazão desses cursos d’água. Significa afirmar que a estabilidade da vazão dos rios ocorrerá num nível mais elevado, levando as cheias anuais para cotas de transbordamento mais altas.
Por conseguinte, as águas dos rios ocuparão áreas maiores, atingindo cada vez mais as edificações localizadas nas regiões que podem ser consideradas “de várzea”, onde o planejamento urbano deveria evitar a ocupação.
Note-se que a palavra alagação, aqui, é propositadamente evitada, e não por questões de estilo. Existe uma importante diferença conceitual entre alagação e cheia que precisa ser esclarecida e assimilada, de modo que os rios amazônicos, mananciais de vida e imprescindíveis às cidades, não se tornem verdadeiros “vilões” urbanos.
As cheias são eventos anuais e permanentes; não podem ser consideradas catástrofes, pois integram o ciclo hidrológico dos rios. Assim, devem ter suas consequências previstas no planejamento urbano.
Não significa dizer, porém, que não ocorrerão alagações. Eventos extremos, daqueles que aconteciam a cada 10 anos, devem continuar a sobrevir em intervalos menores e com maior intensidade, em face da crise ecológica oriunda das mudanças no clima em todo o planeta.
Para concluir: a alagação se configura um evento extremo, que deve ser tratado no âmbito da defesa civil. As cheias, por sua vez, são assunto de planejamento urbano, pois vão acontecer todos os anos; e, diante do aumento do nível médio de vazão dos rios, a tendência é que alcancem perímetros cada vez maiores.
 Sendo assim, é certo que não pode haver ocupação humana nas áreas de escape do rio – ou seja, nos limites inevitavelmente atingidos pelas cheias; as habitações situadas em locais impróprios devem ser removidas, de forma a evitar-se que as cheias anuais atinjam pessoas.
Sem embargo, parece existir uma espécie de pacto entre as famílias que vivem nas áreas afetadas pelas águas nas cheias anuais e as autoridades públicas - pacto esse, diga-se, que é endossado pela mídia e pela sociedade em geral -, e que transforma o atendimento aos atingidos em ações de assistencialismo, voltadas para angariar votos.
Um caminho perigoso; tal qual ocorre com o caso da seca no Nordeste, o problema passa a ser tratado como trunfo político. Esse caminho, como a experiência nordestina demonstra, nada resolve, e a associação promíscua entre o atingido e a providencial assistência pública é mantida indefinidamente.
A solução, óbvia, é a implementação de políticas públicas, a fim de que as áreas anualmente cobertas pelas cheias sejam reservadas para esse fim, promovendo-se a sua total desocupação.
As cheias prenunciam fartura e fertilidade, por isso sempre foram festejadas pela humanidade. Tragédia mesmo é a seca.    

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

Nenhum comentário:

Postar um comentário