* Ecio Rodrigues
O que faz com que um grupo de pessoas
informadas e bem alimentadas, presumidamente oriundas da classe média
(sinceramente, não parece coisa de gente rica, tampouco de gente pobre), tome a
inusitada decisão de invadir um centro de pesquisas para salvar cachorros
empregados como cobaias?
Embora possa haver algum senso tosco de
heroísmo nessa empreitada, convenhamos que não se salva cachorros esperando por
medalhas de honra ao mérito ou por reconhecimento público (embora a imprensa,
sempre despreparada, possa sugerir o contrário).
Parece mais razoável vincular a motivação dos
salvadores de canídeos à dimensão que a relação interespecífica (como os
ecólogos gostam de chamar) entre o cão e o homem assumiu nos últimos 10 anos.
Decerto
que também tem sua parcela de influência as dificuldades em se aplicar ao
cotidiano dos indivíduos o conceito de sustentabilidade emergido da Rio 92 (a
conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável realizada em 1992).
Ocorre que o mercado de animais de estimação
no país é dominado, em primeiro lugar, pelos cachorros e em segundo, pelos
gatos. Depois, em bem menor quantidade, aparece um bando de bichos exóticos da
fauna nativa internacional. E, em último lugar, com pouquíssima ou quase
nenhuma importância de mercado, os bichos da fauna nacional (especialmente a
amazônica).
Sem embargo da importância, para a
sustentabilidade, do manejo e criação de animais silvestres da fauna nativa –
uma vez que esse manejo reduz sobremaneira o risco de extinção de espécies –,
paradoxalmente, em relação à fauna nativa as barreiras infligidas pelo
licenciamento ambiental são bem superiores aos obstáculos impostos à criação de
bichos estrangeiros. Explicar isso é impossível.
Voltando à relação interespecífica entre o
homo sapiens e os caninos, quem vê a rotina dos primeiros transformada
radicalmente pelos segundos terá dúvida sobre qual das espécies é a racional.
Muitos autores já se debruçaram sobre as
transformações que a presença cada vez mais intensa dos animais de estimação
tem imposto à rotina das grandes e médias metrópoles por todo o mundo. Além de
movimentar um mercado bilionário, designado por PET (da sigla em inglês para
animais de estimação), e que vai de produtos para alimentação a hotéis de luxo,
os bichos estão promovendo sensíveis mudanças culturais.
Até hospital público para cachorros, algo
absurdo num país onde sequer os humanos têm acesso a serviços públicos de
qualidade, já existe em algumas cidades brasileiras. De qualquer forma, é
sintomático o fato de impor-se a toda a sociedade o ônus pela saúde dos
cachorrinhos.
Vale dizer, a tendência – muito perigosa,
diga-se – é no sentido da inferiorização do homo sapiens. Assim, não é de
espantar que os salvadores de cachorros não entendam o fato de que, ao longo da
história da humanidade, cachorros, ratos, coelhos e outros animais têm sido (e
devem ser) sacrificados, em favor de uma causa maior, que é a própria
existência humana.
Longe de significar algum tipo de brutalização
que a sociedade industrial teria legado aos humanos, como afirmam alguns
intelectuais, o uso de animais como cobaias ajuda a reduzir os riscos
acarretados pela inovação tecnológica na medicina.
Diante da crise ecológica advinda do
aquecimento do planeta, decorrente sobretudo do desmatamento na Amazônia e da
queima de petróleo, parece razoável que a humanidade esteja preocupada com as
tragédias que estão por vir.
Como os passarinhos mortos à cetradas pelos
meninos em áreas rurais e nas favelas cariocas, os cachorros cobaias são ossos
do ofício da existência humana.
* Professor da Universidade Federal do Acre,
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e
Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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