O manejo do Cacau Nativo pelos extrativistas que habitam as margens do rio Purus, em Boca do Acre AM, adquire grande importância, na medida em que contribui para a geração de trabalho e renda na região e, por conseguinte, para a melhoria das condições sociais desses pequenos produtores. O manejo do cacau promove o uso sustentável da diversidade biológica existente no ecossistema florestal da Amazônia, uso este, por sua vez, que se apresenta como uma saída para a manutenção da floresta.
domingo, 24 de novembro de 2013
Cachorros cobaias e passarinhos mortos à cetradas
* Ecio Rodrigues
O que faz com que um grupo de pessoas
informadas e bem alimentadas, presumidamente oriundas da classe média
(sinceramente, não parece coisa de gente rica, tampouco de gente pobre), tome a
inusitada decisão de invadir um centro de pesquisas para salvar cachorros
empregados como cobaias?
Embora possa haver algum senso tosco de
heroísmo nessa empreitada, convenhamos que não se salva cachorros esperando por
medalhas de honra ao mérito ou por reconhecimento público (embora a imprensa,
sempre despreparada, possa sugerir o contrário).
Parece mais razoável vincular a motivação dos
salvadores de canídeos à dimensão que a relação interespecífica (como os
ecólogos gostam de chamar) entre o cão e o homem assumiu nos últimos 10 anos.
Decerto
que também tem sua parcela de influência as dificuldades em se aplicar ao
cotidiano dos indivíduos o conceito de sustentabilidade emergido da Rio 92 (a
conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável realizada em 1992).
Ocorre que o mercado de animais de estimação
no país é dominado, em primeiro lugar, pelos cachorros e em segundo, pelos
gatos. Depois, em bem menor quantidade, aparece um bando de bichos exóticos da
fauna nativa internacional. E, em último lugar, com pouquíssima ou quase
nenhuma importância de mercado, os bichos da fauna nacional (especialmente a
amazônica).
Sem embargo da importância, para a
sustentabilidade, do manejo e criação de animais silvestres da fauna nativa –
uma vez que esse manejo reduz sobremaneira o risco de extinção de espécies –,
paradoxalmente, em relação à fauna nativa as barreiras infligidas pelo
licenciamento ambiental são bem superiores aos obstáculos impostos à criação de
bichos estrangeiros. Explicar isso é impossível.
Voltando à relação interespecífica entre o
homo sapiens e os caninos, quem vê a rotina dos primeiros transformada
radicalmente pelos segundos terá dúvida sobre qual das espécies é a racional.
Muitos autores já se debruçaram sobre as
transformações que a presença cada vez mais intensa dos animais de estimação
tem imposto à rotina das grandes e médias metrópoles por todo o mundo. Além de
movimentar um mercado bilionário, designado por PET (da sigla em inglês para
animais de estimação), e que vai de produtos para alimentação a hotéis de luxo,
os bichos estão promovendo sensíveis mudanças culturais.
Até hospital público para cachorros, algo
absurdo num país onde sequer os humanos têm acesso a serviços públicos de
qualidade, já existe em algumas cidades brasileiras. De qualquer forma, é
sintomático o fato de impor-se a toda a sociedade o ônus pela saúde dos
cachorrinhos.
Vale dizer, a tendência – muito perigosa,
diga-se – é no sentido da inferiorização do homo sapiens. Assim, não é de
espantar que os salvadores de cachorros não entendam o fato de que, ao longo da
história da humanidade, cachorros, ratos, coelhos e outros animais têm sido (e
devem ser) sacrificados, em favor de uma causa maior, que é a própria
existência humana.
Longe de significar algum tipo de brutalização
que a sociedade industrial teria legado aos humanos, como afirmam alguns
intelectuais, o uso de animais como cobaias ajuda a reduzir os riscos
acarretados pela inovação tecnológica na medicina.
Diante da crise ecológica advinda do
aquecimento do planeta, decorrente sobretudo do desmatamento na Amazônia e da
queima de petróleo, parece razoável que a humanidade esteja preocupada com as
tragédias que estão por vir.
Como os passarinhos mortos à cetradas pelos
meninos em áreas rurais e nas favelas cariocas, os cachorros cobaias são ossos
do ofício da existência humana.
* Professor da Universidade Federal do Acre,
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e
Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
Os portugueses e o mercado da rolha de cortiça
* Ecio Rodrigues
A
região de Coruche, em Portugal, intitula-se “Capital Mundial da Cortiça”, por
abrigar uma extensa área coberta por Montado de Sobreiro, um sistema de
produção tradicional, que consorcia árvores que produzem cortiça com espécies
forrageiras, usadas para pastoreio animal, e outras culturas de ciclo curto.
Na
condição de uma das maiores produtoras de cortiça e com uma expressiva
indústria de rolha de cortiça ali instalada, Coruche lança diariamente no
mercado cinco milhões de rolhas que são exportadas, sobretudo, para fins de
vedação das garrafas que embalam o vinho produzido em França, Itália,
Argentina, e assim por diante.
Em
Coruche existe, ainda, um centro de negociação dedicado à cortiça (o
Observatório do Sobreiro e da Cortiça), e é organizada, periodicamente, a Feira
Internacional da Cortiça.
Além
de Coruche, outras regiões portuguesas são dependentes da produção de cortiça
que há séculos é praticada sob esse modelo de sistema agrosilvopastoril
denominado Montado de Sobreiro. Um sistema de produção que goza de alguma
similaridade com os Sistemas Agroflorestais existentes na Amazônia brasileira,
voltado para a produção de pupunha, por exemplo.
Ocorre
que a cortiça – que tem em Portugal seu maior expoente internacional, uma vez
que 50% da cortiça que abastece a demanda do mercado mundial é de origem
portuguesa – é produzida a partir de uma espécie florestal, o sobreiro, ou Quercus suber, do gênero do carvalho.
Esse
tipo de cobertura florestal representa 21% de toda a área ocupada por florestas
em Portugal, encontrando-se, com maior expressão, na parte central e sul do
país, nas regiões conhecidas como Ribatejo e Alentejo, sob a influência do rio
Tejo.
Tal
como ocorre com alguns produtos florestais, a cortiça passa por momentos
difíceis de mercado, em face de sua substituição por matéria-prima
sintética.
Com
efeito, a cortiça tem sido substituída por isopor e plástico, entre outros
materiais oriundos da poluente e exaurível indústria do petróleo. É provável
que esteja na fabricação de rolha o derradeiro e mais importante uso da
cortiça, sendo que Portugal também é o maior produtor mundial.
A
produção de cortiça é sustentável, pois se trata de matéria-prima extraída da
casca de uma árvore. Essa casca se renova de tempos em tempos, e as técnicas de
manejo florestal que garantem que a extração ocorra sem pôr em risco a própria
árvore foram estudadas e desenvolvidas pelos engenheiros florestais europeus,
sobretudo os portugueses.
A
produção de rolha de cortiça, por sua vez, ajusta-se aos ideais de
sustentabilidade preconizados no mundo porque o manejo florestal da árvore de Quercus suber é largamente praticado no
Montado de Sobreiro. Ou seja, a quantidade de sobreiros atualmente existente e
em condições de ser manejada é suficiente para garantir a oferta sustentável de
cortiça para as suas variadas aplicações em todo o mundo.
Finalmente,
após o seu uso – seja como rolha ou outra aplicação qualquer, como na poderosa
indústria de decoração ou na de artesanato –, a cortiça descartada
transforma-se em matéria orgânica para a adubação de solos agricultáveis.
A poluente indústria do
petróleo, por outro lado, logrou produzir uma rolha de plástico, com preços
inferiores aos da cortiça, mas cujo processo de produção e de descarte aumenta
de forma perigosa a quantidade de carbono jogada na atmosfera.
A
fim de manter sua produção de cortiça, a estratégia dos portugueses tem sido
alertar para o risco de alteração no clima provocado pela rolha de plástico.
Será que dará certo?
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política
Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
domingo, 10 de novembro de 2013
Avaliação de mestrados novos na Amazônia pela Capes é insana
* Ecio Rodrigues
Existe uma diretriz subliminar adotada pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a Capes – uma
fundação pública, vinculada ao Ministério da Educação –, para avaliação dos
cursos novos de mestrados e doutorados na Amazônia, que poucos conhecem e que,
ao que tudo indica, a própria Capes faz questão de omitir.
A máxima embutida nessa diretriz da Capes é a
seguinte: “É melhor levar à região um curso reconhecido de mestrado ou
doutorado, do que aprovar um novo curso”. Por trás dessa máxima, que a
instituição não assume explicitamente, constata-se certo senso comum, que
sugere existir cursos de pós-graduação em excesso no país, o que dificultaria o
seu controle.
Algo insano, para dizer o mínimo. Para os que
não são iniciados nesse mundo acadêmico, é melhor esclarecer como funciona o
sistema de avaliação usado pela Capes.
Imagine-se uma instituição de ensino como a
Universidade Federal do Acre, em que os salários dos professores, dos
servidores administrativos, a manutenção dos prédios, a oferta de bolsas de
estudos para a graduação, a alimentação dos alunos – tudo, enfim, ocorre às
expensas da sociedade. É o orçamento público, proveniente dos impostos pagos
pela população, que mantém a estrutura nas universidades federais.
Imagine-se agora que um grupo de professores
com nível de doutorado, um total de 10 doutores para ser exato, aceitem o
desafio de organizar um curso de mestrado, a fim de que tanto os alunos que se
graduam na própria universidade como os graduados em outras instituições tenham
oportunidade de continuar sua formação acadêmica.
Antes de continuar, é crucial esclarecer um
ponto fundamental. Esses professores não têm obrigação alguma em organizar e
propor um curso de pós-graduação, não serão remunerados por isso e, pasme-se,
sequer poderão contabilizar como carga horária o tempo dedicado às aulas
ministradas aos alunos do mestrado.
O passo seguinte é o preenchimento de um
formulário, denominado APCN, que provavelmente significa “Apresentação de
Proposta de Cursos Novos”, e que é oferecido, via on line, pelo sistema da Capes. Como prevê a praxe universitária,
são necessárias muitas reuniões e discussões, até chegar-se à concepção de um
curso de mestrado.
No âmbito da Capes, um grupo de profissionais,
também com grau de doutorado e oriundo de diversas universidades federais,
anualmente se reúne em Brasília, para avaliar as propostas de novos cursos de
pós-graduação apresentadas pelas instituições de ensino superior do país.
Ainda que uma
proposta venha a ser bem avaliada, e até mesmo elogiada, não será aprovada, se,
numa esdrúxula composição matemática, a soma dos artigos publicados pelos
pesquisadores proponentes não for superior a uma certa média.
Aqui cabe um adendo. Leva-se muito tempo até
descobrir que a avaliação feita pela Capes na verdade se resume ao cálculo da
quantidade de artigos publicados pelos pesquisadores, pois a Capes não
explicita isso também. Por sinal, se a avaliação é matemática, qual a razão
para reunir os doutores, a fim de apreciarem as propostas?
A situação hipotética aqui descrita tem
acontecido diuturnamente em todos os estados amazônicos. A Engenharia Florestal
da Universidade Federal do Acre, por exemplo, acabou de ver frustrada sua
quinta tentativa de criação de um mestrado em Ciência Florestal.
Isso em uma região de comprovada vocação
florestal.
Isso, num curso de graduação que já existe há
mais de dez aos e que já formou mais de 170 alunos.
Não se trata de choradeira dos doutores que
foram reprovados pela quinta vez. De forma alguma. Mas, depois de ter cinco
propostas recusadas, é bom entender como a Capes funciona.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e
Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
domingo, 3 de novembro de 2013
Após 37 meses, democracia e fuso horário são devolvidos ao Acre
* Ecio Rodrigues
Parece
até causo do tempo dos coronéis nordestinos, que mudavam curso de rio, faziam
mulher parir, cabra macho chorar, aparecer voto onde não havia gente, e até
transformavam boto em gente e vice-versa: depois de 37 meses, a hora retirada
do fuso horário do Acre finalmente vai voltar.
Entender
essa história exige certo domínio sobre os trâmites que envolvem o processo
legislativo e a aprovação de leis que transformam a vida das pessoas. Mas, nem
que seja por uma questão pedagógica, vale a pena tentar.
A
novela começa com o trabalho de alguns técnicos, funcionários de carreira do
Congresso Nacional, muito bem remunerados pela sociedade, que prepararam um
estudo demonstrando que a redução da quantidade de fusos horários existentes no
Brasil, de quatro para três, traria benefícios econômicos em âmbito nacional e
ajudaria a melhorar a dinâmica econômica nas regiões abrangidas pelo quarto
fuso – que compreende o Acre e alguns poucos municípios do Pará e do Amazonas.
O
estudo motivou a promulgação de uma lei, já que os quatro fusos haviam sido
instituídos por um decreto presidencial de 1913. Assim, de uma hora para outra,
com o perdão do trocadilho, o quarto fuso foi extinto em 2008.
Contudo,
nem os técnicos do Congresso Nacional nem os parlamentares tiveram
sensibilidade para perceber que não se tratava de mera questão econômica. Sendo
o planeta Terra redondo, ou quase redondo, como afirmam os geólogos, o sol
nasce e se põe em horários diversos, de acordo com a localização do indivíduo
em solo terrestre.
A
conclusão é que um contingente considerável de pessoas, incluindo toda a
população do Acre, teve sua rotina severamente afetada, ao ter que começar a
acordar de madrugada para ir trabalhar (ou estudar), e, por outro lado, a
voltar para casa, no final do expediente, com o sol ainda luzindo.
Um
referendo – e não plebiscito, uma vez que a hora já havia sido alterada sem
consulta prévia – foi realizado no Acre, evidenciando que os habitantes desse
estado eram contrários à sua inclusão no terceiro fuso horário. Todavia, a
única população ouvida foi a do Acre, e isso iria fazer uma diferença enorme no
final do enredo.
Acontece
que o resultado do referendo não foi acolhido de forma automática, para efeito
de revalidar o quarto fuso. Assim, por excesso de burocracia, decidiu-se pela
necessidade de elaboração de um projeto de lei, para alterar a norma que havia,
por sua vez, modificado o decreto presidencial de 1913.
Depois
de tramitar por mais de um ano na Câmara dos Deputados, o projeto que acatava o
que a população do Acre havia, sob o princípio democrático, reivindicado no
voto, chegou para aprovação no Senado. Nesse momento, porém, entra em cena uma
senadora, que, desatenta e imprudentemente, incluiu no projeto o restante da
região abrangida pelo quarto fuso horário, ou seja, uma parte do Pará e do
Amazonas.
Como
apenas a população do Acre havia se pronunciado por meio do voto de referendo,
os parlamentares paraenses protestaram. Coube à Presidência da República,
novamente com excesso de legalismo e burocracia, vetar integralmente o projeto
aprovado no Congresso, e encaminhar para votação uma nova proposta de lei. O
processo legislativo foi então reiniciado, levando cerca de dois anos para ser
concluído.
Diga-se
que o Gabinete da Presidência cometeu o equívoco de excluir apenas o Pará,
mantendo o Amazonas no quarto fuso. Assim, chegou-se a aventar, já no Senado, a
possibilidade de retirar do projeto os municípios amazonenses, considerando-se
que também ali não houvera referendo. A ser levado a efeito esse último
atropelo, a aprovação final teria demorado pelo menos um ano a mais.
O
importante é que, mesmo passados mais de três anos, a vontade da população foi
respeitada. O Acre voltou ao quarto fuso horário, comprovando que vivemos num
Estado democrático. E que a Democracia é construída por todos e a cada hora.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac),
Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e
Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
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