segunda-feira, 31 de maio de 2021

Populações tradicionais e a biodiversidade florestal na Amazônia

* Ecio Rodrigues

Sempre que houver uma população tradicional na Amazônia e um recurso da biodiversidade florestal sendo explorado, a criação de uma reserva extrativista será a melhor saída.

Duas razões reforçam a tese da adequação da reserva extrativista à condição de reguladora do acesso das comunidades de produtores, ou de manejadores, a algum produto oriundo da biodiversidade florestal na região.

A primeira delas pode ser resumida como segurança jurídica fundiária.

Ocorre que, na Amazônia, de forma geral, as comunidades extrativistas continuaram a habitar os antigos seringais, onde permaneceram nas chamadas “colocações”, suas unidades produtivas, das quais detinham tão somente a posse.

Inserida no Snuc (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), a reserva extrativista é categoria de unidade de conservação pertencente ao grupo do uso sustentável e sua criação depende da desapropriação da área de floresta habitada pelos posseiros, nos casos em que a terra tem dono – ou seja, dispõe de matrícula própria junto ao cartório imobiliário em nome do respectivo proprietário.

Uma vez criada a reserva extrativista, a situação do posseiro é regularizada por meio da celebração de contrato de concessão de direito real de uso com o ente instituidor (União, estado ou município) – o que confere ao produtor e seus descendentes a necessária segurança jurídica para viver e obter renda na colocação, desde que observadas as exigências impostas, tais como não desmatar e não vender.  

A segunda razão que leva a reserva extrativista a ser considerada a melhor opção para viabilizar a exploração da biodiversidade florestal pelas populações tradicionais na Amazônia diz respeito à sustentabilidade dessa produção.  

Como se sabe, no final da década de 1980 a expansão da pecuária extensiva sobre a floresta se deparou com um obstáculo: os seringueiros remanescentes dos ciclos econômicos da borracha que teimavam em permanecer no interior do ecossistema florestal extraindo um leque variado de produtos – muito embora o extrativismo, como atividade produtiva, tivesse sido considerado oficialmente “extinto” pelo Estado brasileiro.  

Diante da ameaça representada pelo desmatamento, o uso tradicional da biodiversidade florestal, por meio do modo extrativista de produção, foi alçado à condição de alternativa adequada para a ocupação produtiva da região.

Tal premissa veio da constatação de que, ao exercer sua atividade durante mais de cem anos para a extração em média e larga escala de diversos produtos da biodiversidade, as populações tradicionais, incluindo seringueiros, castanheiros, caucheiros, balateiros, carnaubeiras, quebradeiras de coco, entre outras, garantiram a conservação da floresta.

Essa constatação, comprovada pelas imagens de satélite que permitiram contrapor as áreas correspondentes aos antigos seringais e colocações, cobertas por florestas, ao desmatamento que ocorria ao redor, justificou a multiplicação das reservas extrativistas na Amazônia e sua exportação para outros biomas, inclusive o marinho.

Atualmente, na região, um território maior que o do Acre é ocupado por reservas extrativistas, em cujo perímetro o único meio de que dispõe o produtor para obter renda de maneira legalizada, conforme previsto no Snuc, é o manejo da biodiversidade florestal.

Contudo, se por um lado a sustentabilidade dessa produção é inquestionável, por outro, pairam dúvidas acerca do potencial da biodiversidade para gerar emprego e renda no mesmo nível que o assegurado pela atividade que predomina na realidade amazônica e que é a grande responsável pelo avanço do desmatamento – a criação extensiva de gado.

Experiências pioneiras e pontuais realizadas no Acre – para as quais não se deu ainda a devida atenção – demonstraram que mediante o emprego de uma tecnologia de manejo já existente e que faculta o uso múltiplo da biodiversidade florestal é possível garantir níveis satisfatórios de renda líquida tanto no plano da produção comunitária quanto em escala empresarial.

No caso específico das populações tradicionais, o propósito de melhoria econômica associado à imposição da produção florestal como único meio de renda assegura a permanência do produtor na colocação (evitando o êxodo), ao tempo em que promove a conservação da floresta (evitando o desmatamento).

Enfim, ao manejar a biodiversidade florestal as populações tradicionais contribuem para zerar o desmatamento na Amazônia.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Manejo comunitário da biodiversidade e desmatamento zero na Amazônia

 * Ecio Rodrigues

Poucos reconhecem que a tecnologia de manejo florestal comunitário foi concebida e detalhada pelos engenheiros florestais do Acre e, o principal, que o propósito foi levar a exploração de madeira até as colocações dos seringueiros.

O desenvolvimento da tecnologia, bem como a escolha da madeira como produto prioritário e a demarcação da unidade produtiva do extrativista (a dita “colocação”, situada no interior do ecossistema florestal), na condição de referência, foram decisões motivadas pela criação dos primeiros Projetos de Assentamentos Extrativistas, PAE.

Instituídos e geridos pelo Incra em 1988, os 3 primeiros PAEs foram criados no Acre (Cachoeira, Porto Dias e São Luís do Remanso), para o assentamento dos próprios extrativistas que já residiam naqueles seringais, requerendo o desenvolvimento de uma alternativa produtiva que possibilitasse gerar renda sem derrubar a floresta.

Estava, por óbvio, na exploração comercial e sustentável da biodiversidade florestal a saída econômica para as áreas de florestas ocupadas por pequenos produtores – que logo ganhariam expressão nacional com o apoio do movimento ambientalista ao modelo das reservas extrativistas.

As reservas extrativistas surgiram no rastro dos PAEs (mas sob a jurisdição do Ministério do Meio Ambiente), destinando-se especificamente a garantir, por um lado, a regularização fundiária das posses remanescentes nos antigos seringais e, por outro, a viabilização da produção florestal no perímetro da resex, como forma de combater o desmatamento da floresta na Amazônia.

Todavia, naquela época, início da década de 1990, o entendimento de que era indispensável a concepção de uma tecnologia que facultasse a produção sustentável de madeira pelos produtores residentes em PAEs e reservas extrativistas, no intuito de lhes assegurar renda superior à gerada com a criação extensiva de boi, não era perfilhado pelos analistas do Ibama e nem mesmo por parcela expressiva dos engenheiros florestais.

Entre os motivos que levaram os produtores, por meio de suas entidades representativas, a apostar, mesmo sob elevado risco econômico, na aplicação da tecnologia do manejo florestal comunitário para produção de madeira, podem-se citar:

a) o elevado impacto social, decorrente do padrão de ocupação baseado na expansão do desmatamento, provocado sobre as comunidades extrativistas que habitavam a floresta;

b) a redemocratização do país e o consequente processo de mobilização e organização da sociedade civil na Amazônia;

c) a imprescindível e determinante oferta de recurso financeiro a fundo perdido, oriunda da cooperação internacional e destinada exclusivamente ao apoio às comunidades para o manejo das florestas.

Ocorre que a aquisição de terras, por parte de pecuaristas sulistas, na Amazônia e no Acre, em particular, foi intensificada na década de 1970, excluindo do sistema produtivo o extrativista, que teria como destino os programas de reforma agrária.

Com sua condição econômica debilitada pelos baixos preços da borracha e sofrendo as nefastas consequências do desmatamento, as comunidades extrativistas passaram a se organizar em busca de alternativas produtivas.

Surgiram associações, sindicatos, cooperativas, centrais de produção etc., processo que culminou com a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros em 1985.

Organizações não governamentais apoiaram os extrativistas na complicada relação com o Estado e nos complexos procedimentos de obtenção de financiamento para projetos de alto risco. Por fim, a oferta de recurso financeiro a fundo perdido se mostrou pequena frente ao crescimento exponencial da demanda dos produtores.

Em função de sua característica de inovação, a tecnologia do manejo comunitário teve que superar empecilhos normativos, mercadológicos, culturais e institucionais – exigindo disposição pra tanto.

Atividades produtivas no meio florestal são excludentes entre si. O produtor vai se dedicar ao manejo comunitário da biodiversidade florestal, desde que essa atividade lhe proporcione os mesmos níveis de renda fornecidos pela pecuária extensiva de gado.

Ou seja, para zerar o desmatamento, a biodiversidade florestal da Amazônia deve gerar os ganhos que o produtor auferiria se criasse bois soltos no pasto.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

 

terça-feira, 18 de maio de 2021

Sem participação social, Conama perde credibilidade

 * Ecio Rodrigues

A pouca ou nenhuma prioridade conferida pelo atual governo aos temas relacionados à Política Nacional de Meio Ambiente, PNMA, já era esperada, mas tamanha incompetência, não!

De cara, os mandatários que assumiram o Ministério do Meio Ambiente em 2019 desdenham o Acordo de Paris, sob a alegação estapafúrdia de que esse histórico pacto global, celebrado por mais de 95% dos países associados à ONU, não passaria de um complô mundial para deixar a economia brasileira estagnada.

Mas a incompetência dos gestores ambientais não ficou apenas em sua incapacidade para compreender o Acordo de Paris. Eles também não entenderam o Fundo Amazônia, moderno mecanismo de cooperação internacional, gerenciado com eficiência comprovada pelo BNDES.

Assim, fizeram pouco caso do fundo e da expressiva soma de recursos doados por países europeus, em especial Noruega e Alemanha, para apoiar as ações de combate ao desmatamento e às queimadas na Amazônia.

Faltava ainda levar a incompetência até o Sisnama, Sistema Nacional de Meio Ambiente, que é a estrutura instituída no país para dar suporte e cumprimento à PNMA.

Ocorre que a existência, no âmbito do Sisnama, de uma instância superior de deliberação com participação social, nos moldes de um colegiado como o Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), incomodava sobremaneira os que não tinham bagagem teórica para compreendê-la.

A ampla representatividade da sociedade civil conferiu credibilidade ao Conama, fornecendo às deliberações desse organismo, além de rigor técnico, notável legitimidade em meio à gigantesca pressão política exercida por governos, empresas, entidades de classe, ativistas – enfim, por setores ou grupos que, como acontece nas democracias, saem em defesa dos seus respectivos interesses.

A verdade é que o Conama só se tornou o que é hoje, um verdadeiro símbolo, que goza de grande reconhecimento, por conta do seu consistente lastro social. Sem esse lastro, a atuação do colegiado jamais alcançaria a força e a singular relevância conquistadas ao longo do tempo.

Nunca é demais lembrar que foram as resoluções aprovadas pelo Conama nos últimos 20 anos que estruturaram todo o processo de licenciamento ambiental imposto a atividades produtivas e empreendimentos de infraestrutura com potencial elevado de impacto ambiental, o que se mostrou de fundamental importância para o desenvolvimento do país e, em última instância, para a sociedade brasileira.

Não obstante, depois de chegar a cogitar a extinção do Conama e recuar dessa intenção – já que o desgaste junto ao Congresso certamente seria imenso –, o governo resolveu atacar justamente a quantidade e a qualidade da representatividade presente no colegiado.

O propósito de suprimir o órgão deu lugar à disposição para reduzir drasticamente sua composição e, de uma canetada, por meio de decreto presidencial publicado em 2019, o plenário do Conama foi encolhido, passando de 96 conselheiros para apenas 23.

Foi priorizada – como não poderia ser diferente, diante de tão tacanha compreensão do Conama por parte do MMA – a participação de órgãos governamentais e de entidades de classe patronais rurais e empresariais.

Antes, organizações da sociedade civil eram representadas por conselheiros com perfil técnico, inclusive em nível de doutorado, que deram contribuições decisivas para o Conama, de maneira voluntária e colaborativa.

Portanto, a menos que o plenário do Conama seja identificado (como sugere a atitude do governo federal) como um campo de batalha, onde pugnam forças do bem e do mal – em que o bem, claro, corresponderia ao governo e aos que se aliam ao seu raso entendimento da política ambiental; e o mal, a todos os que ousam divergir – o MMA, como instituição, e a sociedade, de forma geral, só tinham a ganhar com a participação das ONGs.

 Antes, as organizações eram escolhidas por meio de eleição direta das representantes de cada uma das 5 regiões geográficas do país, para um mandato de 2 anos, seguindo-se as regras de procedimento eleitoral consolidado em mais de 30 anos de funcionamento. Os votos, integralmente digitais, eram liberados por meio de um eficaz sistema de senhas, cuja instalação custou caro aos cofres públicos.

Hoje, apenas 4 organizações ambientalistas integram o plenário do Conama, para um mandato de apenas um ano (o que é claramente insuficiente, diante da complexidade dos temas discutidos).

Como se não bastasse, para a seleção dessa irrisória representação da sociedade civil, substituiu-se um aprimorado, imparcial e democrático processo eleitoral por um tosco e primitivo sorteio anual, que ainda por cima é realizado entre um conjunto de entidades que o próprio MMA indica.

Da eleição para o sorteio na cumbuca, o plenário do Conama perdeu o lastro social das organizações de interesse público e, de resto, sua credibilidade. Um evidente retrocesso, que tem origem na incompetência do MMA.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

2020, um dos 3 anos mais quentes de nossas vidas

 * Ecio Rodrigues

Recente relatório publicado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), instituição ligada à ONU responsável por monitorar o aquecimento global e consequentes mudanças climáticas, não deixa dúvida: o aumento da temperatura do planeta é sim uma tendência.

Ao processar os dados relacionados à temperatura mundial durante o ano de 2020, a conclusão da OMM é deveras preocupante. A despeito do contexto de isolamento social, que afetou duramente o sistema de transporte de pessoas no mundo, constatou-se que a quantidade de calor continuou se elevando.

Isso é assustador, como vem alertando de forma incisiva a ONU. Com efeito, esperava-se que a contração da dinâmica econômica ocasionada pela pandemia levaria a um abatimento na temperatura, em face da expressiva queda na quantidade de carbono lançada na atmosfera por cada país.

Para dar uma ideia do impacto da pandemia na economia, basta dizer que o PIB americano amargou uma retração inédita em 2020, ficando em 3,5% negativos. E os EUA nem estão entre os países que apresentaram os piores cenários – no caso do Brasil, por exemplo, o PIB desceu à dolorosa marca de 4,1% negativos.

Contudo, mesmo com a drástica redução havida nas emissões, a temperatura continuou a subir. Tudo indica que essa elevação ocorreu por inércia, em decorrência da quantidade de carbono já acumulada na atmosfera.

Diante disso, 2020 se tornou um dos 3 anos mais quentes de todos os tempos – pelo menos desde 1850, quando se iniciaram as medições.

E (mais uma vez fazendo referência às advertências da ONU) se os países não assumirem metas mais rigorosas de redução das emissões, com aplicação imediata, a recuperação da economia mundial pode levar a novos recordes de aquecimento global.

Do lado de cá, a situação não é menos grave.

Certamente as atividades no meio rural brasileiro não sofreram tanto com as restrições impostas pelas medidas de isolamento social.

Nosso forte e poderoso agronegócio segurou mais da metade do PIB nacional em 2020 – o que demonstra que o processo envolvendo plantio e colheita, inteiramente mecanizado e repleto de inovações tecnológicas, continuou acontecendo, com a sua usual eficiência.

Por sua vez, o desmatamento e as queimadas na Amazônia não só continuaram como aumentaram. Considerando que a maior parte da contribuição do Brasil para o estoque de carbono lançado na atmosfera vem dessas duas mazelas, deduz-se que a pandemia não interferiu sobre a parcela de responsabilidade dos brasileiros no aquecimento global.

Assim se deu na imensa maioria dos países que dependem do agronegócio da soja, do milho e da carne de boi (citando apenas as commodities mais comuns) como principal atividade econômica.

Para os cientistas da OMM as perspectivas para 2021 não são nada promissoras, pois a humanidade parece ter deixado de lado a crise ecológica. O que é bastante compreensível, em função da crise sanitária.

Porém, na visão daqueles especialistas, uma vez transcorrida a vacinação, as pessoas precisam voltar sua atenção para a temperatura do planeta. Por isso defendem, com muita certeza científica, que 2021 deveria ser o ano da economia de baixo carbono em todo o mundo.      

Durante a “Cúpula de Líderes para o Clima”, evento inventado e organizado pelos EUA em abril, o governo americano divulgou que o Acordo de Paris seria alçado à condição de projeto de nação. Afora essa auspiciosa novidade, contudo, poucas decisões concretas foram tomadas pelos países.

Da mesma maneira como fez a OMS, em 2019, a respeito da pandemia, a OMM alerta o mundo quanto à emergência climática. Como já sabemos, os incrédulos sofrem mais. A história não pode se repetir.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

terça-feira, 4 de maio de 2021

Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais viabiliza economia de baixo carbono na Amazônia

* Ecio Rodrigues

Em janeiro último, depois de mais de 15 anos de discussões, finalmente foi editada legislação dispondo sobre a possibilidade de precificação de ativos ambientais. Trata-se da Lei 14.119, publicada em 13/01/2021, e que instituiu a “Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais”, ou simplesmente PNPSA.

A despeito de sua aprovação, contudo, a norma retornou ao Congresso para nova apreciação especificamente quanto às partes vetadas – o que foi concluído agora, no final de março, tendo sido derrubada a maioria dos vetos impostos por ocasião da sanção presidencial.

Sem entrar no mérito do conteúdo desses dispositivos vetados e posteriormente promulgados, ou da divergência que levou à queda de braço entre Presidência e Parlamento, o importante é que, uma vez ultimado o processo legislativo, a lei passou a vigorar plenamente, e a PNPSA pode enfim começar a ser implementada.

A PNPSA é fruto do esforço de entidades do terceiro setor e de organizações ligadas ao agronegócio, e ainda que tenha recebido pouca ou nenhuma atenção por parte da imprensa, o seu advento decerto representa um marco, um divisor de águas no contexto da política ambiental do país.

Para explicar melhor, cite-se o caso das normas de licenciamento ambiental que vigoram em todo o território nacional. Ao construir uma rodovia ou uma hidrelétrica (duas das obras mais caras na realidade amazônica), uma empresa deve cumprir um conjunto de condicionantes a fim de obter, do órgão público licenciador, a licença de operação – o estágio final do procedimento, que vai permitir que o empreendimento, como a própria designação da licença indica, comece a operar.

Atestar o cumprimento ou não, pela empresa, dos requisitos que lhe foram exigidos é atribuição de um órgão de controle ambiental. Por meio de fiscalização, autuação, cominação de penalidades – ou seja, fazendo uso dos chamados instrumentos de comando e controle , o Estado fixa obrigações, cujo descumprimento acarreta sanções de cunho administrativo e até mesmo penal.

Acontece que esse padrão de ação pública ancorado no comando e controle foi levado do âmbito do licenciamento a outras áreas, tais como unidades de conservação; uso dos recursos hídricos; exploração da biodiversidade florestal; controle do desmatamento na Amazônia – áreas essas para as quais está longe de ser o modelo mais adequado para se alcançar com êxito os objetivos preconizados pela Política Nacional de Meio Ambiente.

Por sinal, de uma rápida análise da série histórica das taxas anuais de desmatamento é fácil perceber que a estratégia de usar os instrumentos do comando e controle para barrar a destruição florestal não tem dado muito certo – para dizer o mínimo. Embora venha cada vez mais se intensificando, a verdade é que o aparato de fiscalização não chega nem perto de apresentar resultados que justifiquem os altos custos que inflige à sociedade.

Diferentemente da abordagem imposta pelo comando e controle, os mecanismos relacionados ao PSA se baseiam no princípio do poluidor pagador e valorizam – ou precificam, como preferem os economistas – determinada quantidade de bens ou serviços, cujos atributos ambientais permitem minimizar os impactos decorrentes de atividades potencialmente poluidoras.  

Assim, os produtores, por exemplo, que têm suas propriedades cortadas por um rio que, por sua vez, abastece uma cidade a jusante podem ser remunerados para manejar a floresta existente na mata ciliar e, dessa maneira, prestar o serviço de melhorar a quantidade e a qualidade da água fornecida.

Ou, ainda, produtores que dispõem de áreas de florestas podem ser pagos para manejá-las, no intuito de potencializar a quantidade de carbono retirada da atmosfera e incorporada à biomassa, de forma a reduzir o aquecimento do planeta e o risco de mudanças climáticas.

Algumas experiências alusivas a PSA/água e PSA/carbono já vinham sendo realizadas na Amazônia, todavia sem contar com uma política nacional que fornecesse segurança jurídica ao fluxo financeiro (quando o dinheiro passa do poluidor pagador para o produtor).

Com a PNPSA, a conservação dos ativos presentes na biodiversidade florestal da Amazônia terá preço e, o melhor, será atrativa para o mercado.

 

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.