* Ecio Rodrigues
Para
Carlos Matus, economista chileno e autor de farta literatura sobre organização
e gestão do Estado, a falta de planejamento é fator determinante para o
fracasso de um mandato governamental.
No
célebre livro “Adiós, señor presidente”, publicado originalmente em 1987, Matus
usa uma alegoria para explicar o método PES (Planejamento Estratégico
Situacional), por ele desenvolvido: a melancólica despedida de um presidente
que termina seu mandato sem realizações ou legados, deixando o país pior do que
encontrou.
No
caso da Bolívia, todavia, o êxito de três mandatos presidenciais consecutivos
não impediu a derrocada constrangedora de Evo Morales.
Durante
o Governo Evo, o PIB boliviano cresceu mais de 4% ao ano, bem acima da média da
América Latina para o período (e ainda mais acima da média brasileira).
Também
houve considerável redução da miséria, sendo que, hoje, o contingente
populacional em situação de pobreza naquele país corresponde à metade do que
existia no final da década passada. Da mesma maneira, o Coeficiente de Gini
(que mede desigualdade de renda) caiu de 0,60 para 0,47.
Incomuns
na realidade boliviana, essas auspiciosas estatísticas são robustas o
suficiente para tornar qualquer governante um fenômeno em termos de respeito e
popularidade. Mas não foi bem isso o que aconteceu.
Demonstrando
incapacidade para governar em ambiente democrático, o presidente boliviano
deixou de colher os dividendos políticos trazidos pelos excelentes indicadores
econômicos, em razão de recorrentes agressões às instituições e completo
desrespeito aos mecanismos que garantem a alternância de poder – princípio,
como se sabe, fundamental numa democracia.
A
tendência ao autoritarismo e ao despotismo se manifestou já em 2006, logo no início
de um governo que duraria 14 anos, quando Morales começou a prender os que
ousavam se contrapor às suas medidas, obrigando opositores a fugir do país.
Impondo
um nacionalismo tosco, que justificou a invasão e estatização de multinacionais
petroleiras, e escudado pelo MAS (Movimento ao Socialismo), Evo Morales levou
os bolivianos a se unir à Venezuela e Cuba, países que ocupam posições bem
inferiores em qualquer ranqueamento democrático.
Cumpre
dizer, contudo, que a despeito desse alinhamento do Governo Morales com o
espectro ideológico da esquerda, para analistas econômicos o crescimento da
Bolívia nesse período se deve ao aumento do valor do gás e petróleo no mercado
internacional e, além disso, à observância de preceitos econômicos ditados pelo
liberalismo, tais como abertura da economia para o capital internacional.
O
bem-sucedido presidente evidenciou seu apego ao poder ao concorrer e vencer o
pleito de 2014 para o terceiro mandato, sob a duvidosa alegação de que o
primeiro fora anterior à regra constitucional que veda mais de uma reeleição
aos governantes (que ele mesmo fizera aprovar pelo parlamento em 2009).
Posteriormente,
o desejo de se perpetuar no comando do país restou patente quando convocou (e
perdeu) um referendo popular em 2016, com o propósito de consultar a população
sobre a possibilidade de se reeleger indefinidamente.
E a
comprovação final de que o presidente não estava disposto a, como se diz,
largar o osso veio com as eleições de 2019 – ocasião em que passou por cima do
referendo e novamente se candidatou, buscando o quarto mandato.
A
candidatura de Morales foi autorizada pelo Tribunal Constitucional, colegiado
cuja imparcialidade é contestada pela oposição e que, ao julgar ação proposta
por uma senadora do MAS, inovou bastante, digamos assim, ao acolher a tese de
que o limite de dois mandatos presidenciais configura "violação aos
direitos humanos".
Não
bastasse toda a controvérsia em torno do quarto mandato presidencial, uma
desconfiança generalizada pairou sobre os procedimentos de escrutínio, que
foram injustificadamente interrompidos e apresentaram resultados pra lá de
questionáveis, conferindo a vitória a Evo em 1º turno.
Foi a
pá de cal para a deflagração de violentos atos de protesto por todo o país.
O
relatório produzido pelos observadores da OEA (Organização dos Estados
Americanos) não aliviou para o lado do governo, considerando o processo
eleitoral contaminado, recomendando a realização de nova votação e a
substituição das autoridades eleitorais.
Era
tarde, entretanto, e a situação de Morales se tornou insustentável. Numa
demonstração de covardia e desprezo pelas instituições e pelo país, Evo e seu
séquito renunciaram, deixando o povo boliviano por sua própria conta.
O
sucesso do presidente não evitou o adeus ao ditador.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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