segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Fórum Mundial da Água reforçará importância das florestas para os recursos hídricos




* Ecio Rodrigues
Considerado um dos eventos mais importantes, em âmbito mundial, para a discussão dos recursos hídricos, o Fórum Mundial da Água, em sua 8a edição, terá lugar em Brasília, entre os próximos dias 18 e 23 de março.
O Fórum é organizado pelo Conselho Mundial da Água, CMA, uma instituição fundada em 1996, com sede permanente na cidade de Marselha, França, sendo formada e financiada por 400 organizações. Essas organizações, por sua vez, representam cidades e entes federativos, distribuídos em mais de 70 países.
Tanto para a fundação da entidade quanto para o seu funcionamento, o CMA contou e conta com o esforço decisivo dos franceses. Não por acaso, a França é reconhecida em todo o mundo como referência técnica e política em gestão de recursos hídricos e saneamento, tendo sido pioneira na institucionalização de agência de águas.
Realizando-se a cada 3 anos, o Fórum Mundial da Água configura uma das principais atribuições do CMA.
Por isso, a escolha da cidade-sede é causa de disputa interna, já que, para os países, hospedar o evento representa obtenção de espaço político. O fato de Brasília ter sido escalada como sede da 8a edição sinaliza a representatividade e o peso geopolítico que o Brasil possui quando o assunto é a água.
A importância política do Brasil decorre de seu extenso litoral no oceano Atlântico, que estoca um expressivo volume de água salgada em 200 milhas marítimas; decorre também dos aquíferos, que disponibilizam água subterrânea em praticamente todo o território nacional.
Mas, acima de tudo, o protagonismo brasileiro decorre da desmedida quantidade de água armazenada nas bacias hidrográficas da Amazônia.
Sem embargo, as persistentes ameaças ao ecossistema florestal, resultantes das altas taxas de desmatamento anual, deterioram, em igual proporção, a quantidade e a qualidade dos recursos hídricos na região.
Os estudos que relacionam as florestas à água que flui no leito dos rios demandaram grande esforço dos pesquisadores, e a comprovação dessa correlação, no caso da realidade amazônica, pode ser constatada em farta literatura científica.
Não à toa, as regras que estabelecem a manutenção obrigatória de uma faixa de floresta ao longo das margens dos corpos d’água (a chamada mata ciliar), com largura proporcional à largura dos leitos, foram impostas ainda na década de 1960, mediante a promulgação do Código Florestal.
Entretanto, a ampliação das terras destinadas à produção de soja e criação de gado (para citar os principais produtos agropecuários) exigiu a conversão de extensas áreas cobertas por florestas, inclusive de florestas especiais como a mata ciliar.
Sacrificar a mata ciliar por alguns hectares a mais de produção agropecuária é um erro estratégico absurdo, pois significa comprometer o volume e a qualidade das águas que correm por cima e por baixo da floresta tropical na Amazônia.
Para entender melhor: quanto maior a área desmatada (ou quanto menor a quantidade de florestas), menos água integrará o ciclo hidrológico em determinada localidade ou região. Infelizmente, quando o novo Código Florestal foi aprovado em 2012, poucos entenderam o significado e a importância da mata ciliar, e todos se esqueceram da água.
Ainda há tempo, todavia. O Fórum Mundial da Água pode ajudar a rever a importância da floresta para a água que flui na Amazônia.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.



segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Vai de carro do Acre ao Peru? Prepare-se



* Ecio Rodrigues
Quando se trata de planejar uma viagem de carro pela América do Sul, saindo do Acre, são poucas as informações disponíveis. Por sinal, veio da dificuldade em obter alguma resposta às dúvidas mais básicas a motivação para escrever este artigo.
Então, sem deslumbramentos, porém deixando claro que as paisagens exóticas e exuberantes do Peru, que mesclam deserto árido, floresta amazônica e oceano Pacífico, compensam os infortúnios, vamos lá.
Todo mundo diz que o passaporte é desnecessário para transitar entre os países sul-americanos, o que é verdade. Entretanto, muitos viajantes são barrados na fronteira, por não dispor do documento de identidade considerado válido.
Carteiras de identidade profissional, como as portadas por médicos, advogados, engenheiros, embora informem o RG e sejam documentos oficiais, não são aceitas. Só serve a cédula expedida pelas secretarias de segurança ou institutos de identificação.
A justificativa é que apenas esse documento é reconhecido pelo Acordo do Mercosul. Um entendimento questionável, já que, no rol de documentos admitidos para os brasileiros constam, além do passaporte, “Registro de Identidade Civil” e “Cédula de Identidade”. Ora, parece certo que as carteiras profissionais se incluem no primeiro caso. De qualquer forma, claro que é um problema do Brasil – e de solução fácil, aliás. 
Mas, antes de chegar a Iñapari, primeira cidade peruana, é preciso vencer mais de 300 km de rodovia em estado lastimável de conservação, ligando Rio Branco a Assis Brasil, última cidade brasileira. Você e o carro não sabem, contudo, a coisa vai piorando de maneira assustadora e um tanto vergonhosa.
São poucos os trechos na BR-317, a Estrada do Pacífico, em que a pavimentação permite atingir 100 km/h. E nada se compara aos últimos 100 km. Trafegar da cidade de Brasiléia (que nunca se recuperou da alagação de 2012) até a fronteira peruana é arriscado de dia e impossível à noite.
E nem se fale das condições do prédio que abriga a alfândega brasileira, onde se realizam os procedimentos para sair do país. Mais uma vez, é vergonhoso. Nessas horas tem-se a exata noção de nossa condição terceiro-mundista. Sem contar que não há um espaço apropriado para o atendimento aos cidadãos e turistas – todos são tratados sem o devido respeito, como se o fato de estar ali nos tirasse a dignidade.
Ao chegar ao Peru, é melhor que o veículo esteja em nome do condutor. Porém, se não for esse o caso, é necessária uma autorização do proprietário, com firma reconhecida e apostilada (quando a assinatura do tabelião também é reconhecida).
Mais uma dica. Embora não haja informação a respeito em nenhum dos lados, é obrigatório, para rodar no Peru, contratar um seguro, o “Soat”. Custa em torno de 60 soles, mas ai de quem é flagrado sem: terá que desembolsar muito mais em propina.
Passando por Iñapari e depois de cerca de 200 Km, surge a pequena e caótica Puerto Maldonado. A estrada em perfeitas condições é uma agradável surpresa. Os custos de manutenção são cobertos por 4 pedágios, que cobram 6,50 soles cada um (câmbio médio atual por lá: 1 real = 0,90 sol).
Os peruanos, como nós, não sabem definir limites de velocidade nas rodovias – em todo o país, as placas indicam a velocidade máxima de 60 km/h. Óbvio que não são obedecidas. A solução deles, como por cá, foi inibir a desobediência com quebra-molas. São mais de 80 nesse trajeto, o que atrasa bastante a viagem.
E se for continuar para Puno, prepare-se para 10 horas de vigem subindo os Andes, sem opção razoável de hospedagem ou alimentação. Prepare-se também (com remédios e mesmo oxigênio) para enfrentar o mal-estar que pode ser causado pela grande altitude, que alcança mais de 5.000 m (Puno fica a quase 4.000 m).
Destoando do visual de vilas e cidades como Juliaca (que parece uma cidade em escombros), a paisagem natural é fascinante. Imperdível, para os aventureiros.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.