* Ecio Rodrigues
Depois de
muita discussão e controvérsia, o Código Florestal aprovado em 2012 acabou por não
aumentar a faixa mínima de mata ciliar a ser obrigatoriamente mantida nas
propriedades rurais, tendo estabelecido a mesma largura de 30 metros prevista
na legislação anterior.
Pior: nos
casos de recomposição – quer dizer, nas situações em que a mata ciliar já foi
desmatada além dos 30 metros –, a largura obrigatória cai para insignificantes 5
metros, algo totalmente insano.
A decisão
dos legisladores se mostrou um erro por várias razões – especialmente porque
torna consciencioso quem cumpre a lei, apesar de não adiantar muita coisa.
Quando se
fala nos serviços prestados pela mata ciliar, geralmente faz-se referência apenas
à prevenção de assoreamentos e desbarrancamentos; contudo, pesquisas demonstram
a estreita relação que existe entre a quantidade de biomassa florestal presente
na mata ciliar e o equilíbrio hidrológico dos rios.
A
interação entre água e florestas se evidencia sobretudo na Amazônia, diante da
ocorrência de sucessivos eventos extremos, envolvendo secas e alagações. O fato
é que, embora as florestas não possam evitar esses eventos, os efeitos deles
decorrentes são potencializados pelo desmatamento da mata ciliar.
Todavia,
uma faixa de 30 metros de largura não oferece o mínimo indispensável, em termos
de biomassa florestal, para possibilitar a necessária interação e promover
influência significativa sobre o fluxo do rio.
Por outro
lado, há mais um fator a objetar a largura mínima prevista no Código Florestal:
o fogo. Ocorre que na Amazônia, região designada como “Terra das águas”, por
conta de sua imensa rede hidrográfica, a prática agrícola da queimada é legitimada
pelas normas ambientais.
Ora, com
meros 30 metros de largura, a mata ciliar arde junto com o pasto submetido à
queimada e não impede que o fogo atinja os corpos d’água. Não há umidade
suficiente nessa exígua quantidade de biomassa florestal para evitar a
propagação do fogo – que vai aquecer a água, aumentar a evaporação, e
comprometer a fauna terrestre e a ictiofauna no local.
Ante a
óbvia constatação de que a largura mínima da mata ciliar não pode ser
determinada em função da disponibilidade de terras para criação de gado, a
pressão internacional levou o país a se comprometer, perante o “Acordo de Paris”
(pacto global que entrou em vigor em novembro de 2016), com a recuperação de
doze milhões de hectares de florestas nativas, a maior parte em mata ciliar,
até 2030.
É uma meta
ambiciosa para os padrões nacionais, já que isso nunca foi objeto de prioridade.
Por meio do Decreto 8.972/2017, o Executivo instituiu o que chamou de Política
Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa - Proveg.
Trata-se
de usar o dinheiro do orçamento federal para estimular estados e municípios a
conceber um plano, denominado por sua vez de Planaveg, prevendo a restauração
da mata ciliar dos rios que correm em seus respectivos territórios.
A
expectativa é que o Planaveg logre alargar a reduzida largura fixada pelo
Código Florestal para a faixa de mata ciliar, e forneça atratividade econômica a
esse tipo especial de floresta.
Melhor
ainda, as atividades de restauração florestal de mata ciliar, que abrangem coleta
de sementes de espécies nativas, produção de mudas e o próprio plantio restaurador,
podem se converter em importante mecanismo de geração de emprego e renda para
as frágeis economias das cidades do interior da Amazônia.
Jamais a extensão
da mata ciliar poderia ser contraposta à quantidade de solo disponível para a criação
de gado ou a produção de alimentos – foi aí que o debate perdeu o bom senso e
descarrilou de vez.
Afinal,
quem precisa de comida não vive sem água.
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro
florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
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