* Ecio Rodrigues
Durante
a discussão que culminou na conversão em lei da Medida Provisória 735/2016,
conhecida como MP do Setor Elétrico, enquanto um grupo de senadores se propôs a
repetir o triste espetáculo da defesa de uma tarifa zero para a população
carente (uma espécie de “bolsa-energia”), outros se preocuparam em chamar a atenção
para o risco que a MP embutia, ao prever a retomada do carvão mineral.
Deixando
de lado os resquícios de populismo anacrônico, de fato a parte assustadora da
MP residia em seu artigo 20, que prescrevia o seguinte:
Art. 20. O poder concedente deverá criar
programa de modernização do parque termelétrico brasileiro movido a carvão
mineral nacional para implantar novas usinas que entrem em operação a partir de
2023 e até 2027 [...]
Ora,
depois da elogiada atuação da diplomacia brasileira no processo que levou o
país a aderir ao Acordo de Paris, a aprovação de uma legislação para promover as
usinas termoelétricas movidas a carvão mineral seria, no mínimo, um insulto às
nações que subscreveram o pacto global.
Insulto
que se agrava na medida em que, entre as ações propostas pelo Brasil para
reduzir sua contribuição na produção mundial de carbono a partir de 2020, provavelmente
a principal delas se refere à construção de novas hidrelétricas, como forma de
ampliar as fontes limpas de geração de energia elétrica.
Cabe
aqui um esclarecimento. Sob a perspectiva do aquecimento planetário, as
hidrelétricas e as termoelétricas movidas a óleo diesel representam dois
extremos: as primeiras são reconhecidas como uma das fontes mais limpas de
geração de energia elétrica, enquanto as segundas são uma das mais sujas. As
primeiras são o ideal, as segundas, o fim do mundo. Assim mesmo.
No que
se refere ao carvão, o raciocínio não é tão simples, mas vamos lá.
Quando
o combustível empregado na caldeira (para gerar energia elétrica) é o carvão
mineral, não há muita diferença em relação ao óleo diesel – o fim do mundo é o
mesmo. Ambos os combustíveis são obtidos de jazidas de fósseis ricas em carbono,
que, por sua vez, vai parar na atmosfera e aquece o planeta depois de queimado.
Tudo
muda radicalmente quando o carvão a ser queimado é o vegetal, que é obtido de
matérias-primas renováveis, como a madeira e o ouriço de castanha. Nesse caso, diz-se
que o balanço do carbono é zero, pois a quantidade de carbono jogada na
atmosfera, em tese, é assimilada no sistema pelas novas árvores plantadas para
a produção de madeira.
Voltando
à MP do Setor Elétrico: a insensatez prevaleceu e os senadores e deputados,
convertendo a MP na Lei 13.360/2016, aprovaram
o artigo 20 para promover o carvão mineral.
Felizmente,
o bom-senso foi recuperado quando o Executivo vetou o dispositivo, sob a
justificativa sucinta de que o artigo 20:
“... estimula matriz energética que vai de
encontro a acordos internacionais dos quais o país é signatário.”
Assim
mesmo. É inegável que o veto foi uma atitude corajosa, especialmente quando se considera
que o país precisa de medidas impopulares para salvar as contas públicas – medidas
que certamente não serão aprovadas por parlamentares insatisfeitos. Mas, embora
tenha sido uma vitória louvável, não nos livramos da ameaça do carvão mineral.
O veto
volta, em algum momento, ao encontro da insensatez dos parlamentares – e o
carvão mineral poderá ressurgir das cinzas.
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro
florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
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