terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Energia elétrica com carvão mineral é o fim, melhor manter o veto



* Ecio Rodrigues
Durante a discussão que culminou na conversão em lei da Medida Provisória 735/2016, conhecida como MP do Setor Elétrico, enquanto um grupo de senadores se propôs a repetir o triste espetáculo da defesa de uma tarifa zero para a população carente (uma espécie de “bolsa-energia”), outros se preocuparam em chamar a atenção para o risco que a MP embutia, ao prever a retomada do carvão mineral.
Deixando de lado os resquícios de populismo anacrônico, de fato a parte assustadora da MP residia em seu artigo 20, que prescrevia o seguinte:
Art. 20. O poder concedente deverá criar programa de modernização do parque termelétrico brasileiro movido a carvão mineral nacional para implantar novas usinas que entrem em operação a partir de 2023 e até 2027 [...]
Ora, depois da elogiada atuação da diplomacia brasileira no processo que levou o país a aderir ao Acordo de Paris, a aprovação de uma legislação para promover as usinas termoelétricas movidas a carvão mineral seria, no mínimo, um insulto às nações que subscreveram o pacto global.
Insulto que se agrava na medida em que, entre as ações propostas pelo Brasil para reduzir sua contribuição na produção mundial de carbono a partir de 2020, provavelmente a principal delas se refere à construção de novas hidrelétricas, como forma de ampliar as fontes limpas de geração de energia elétrica.
Cabe aqui um esclarecimento. Sob a perspectiva do aquecimento planetário, as hidrelétricas e as termoelétricas movidas a óleo diesel representam dois extremos: as primeiras são reconhecidas como uma das fontes mais limpas de geração de energia elétrica, enquanto as segundas são uma das mais sujas. As primeiras são o ideal, as segundas, o fim do mundo. Assim mesmo.
No que se refere ao carvão, o raciocínio não é tão simples, mas vamos lá.
Quando o combustível empregado na caldeira (para gerar energia elétrica) é o carvão mineral, não há muita diferença em relação ao óleo diesel – o fim do mundo é o mesmo. Ambos os combustíveis são obtidos de jazidas de fósseis ricas em carbono, que, por sua vez, vai parar na atmosfera e aquece o planeta depois de queimado.
Tudo muda radicalmente quando o carvão a ser queimado é o vegetal, que é obtido de matérias-primas renováveis, como a madeira e o ouriço de castanha. Nesse caso, diz-se que o balanço do carbono é zero, pois a quantidade de carbono jogada na atmosfera, em tese, é assimilada no sistema pelas novas árvores plantadas para a produção de madeira.
Voltando à MP do Setor Elétrico: a insensatez prevaleceu e os senadores e deputados, convertendo a MP na Lei 13.360/2016, aprovaram o artigo 20 para promover o carvão mineral.
Felizmente, o bom-senso foi recuperado quando o Executivo vetou o dispositivo, sob a justificativa sucinta de que o artigo 20:
“... estimula matriz energética que vai de encontro a acordos internacionais dos quais o país é signatário.”
Assim mesmo. É inegável que o veto foi uma atitude corajosa, especialmente quando se considera que o país precisa de medidas impopulares para salvar as contas públicas – medidas que certamente não serão aprovadas por parlamentares insatisfeitos. Mas, embora tenha sido uma vitória louvável, não nos livramos da ameaça do carvão mineral.
O veto volta, em algum momento, ao encontro da insensatez dos parlamentares – e o carvão mineral poderá ressurgir das cinzas. 
 
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Nenhum comentário:

Postar um comentário