domingo, 24 de julho de 2016

Serviço Florestal Brasileiro patina nas Concessões Florestais na Amazônia



* Ecio Rodrigues
Além de incluir no ordenamento jurídico brasileiro o instrumento do Contrato de Concessão Florestal, a Lei 11.284/2006, conhecida como Lei de Gestão de Florestas Públicas, também criou o Serviço Florestal Brasileiro, órgão responsável pela contratação das empresas concessionárias.
Depois de 10 anos, todavia, a quantidade de áreas de florestas públicas mantida em regime de concessão é bastante tímida (para dizer o mínimo), diante da quantidade de florestas em estoque.
Para uma ideia rápida dessa timidez, basta dizer que o Cadastro Nacional de Florestas Públicas (outra novidade trazida pela mesma legislação) assinala a existência de uma área total de 310,7 milhões de hectares de florestas públicas (até 2015), mas até 2016 apenas 482 mil hectares foram objeto de concessão para exploração de madeira.
Não é preciso muita matemática para perceber que os contratos vêm sendo assinados com inacreditável morosidade. Nesse passo – que, espera-se, não seja mantido – provavelmente só no próximo século toda a área de floresta passível de concessão estará sob exploração. Em vista da frágil realidade econômica vivenciada pelas cidades amazônicas, obviamente não dá para esperar tanto tempo.
Diversas razões são apontadas para justificar a demora na contratação das concessões: excesso de burocracia no processo licitatório, insegurança jurídica relacionada à celebração de contratos com 40 anos de duração, má vontade dos técnicos da área ambiental do governo para lidar com a iniciativa privada.
Trata-se de razões plausíveis e que remetem ao conturbado processo de elaboração e aprovação da própria legislação.
Ocorre que, além da tradicional polêmica em torno da dicotomia concessão versus privatização, que não leva a lugar nenhum, a norma legal traz uma série de incoerências que, por sua vez, não dão às concessões o respaldo técnico necessário, conferindo certa vulnerabilidade ao processo como um todo.
Há quem chegue a afirmar que o Ministério do Meio Ambiente, na época, foi pressionado pelos empresários e por técnicos e pesquisadores que atuam no setor florestal da Amazônia.
Quer dizer, mesmo sendo contrários às concessões e sem entender direito onde pisavam (uma situação que não era exatamente incomum na esfera ambiental do governo daqueles tempos), os gestores ministeriais teriam sido levados a formular lei regulando a matéria.
Segundo estudiosos, os entraves se encontram em cinco pontos fundamentais concernentes ao tema das concessões, pontos esses sintetizados, um tanto jocosamente, em cinco termos iniciados com a letra “p”: Prazo; Produto; Preço; Por quem (é feita a exploração) e Para onde (vai o dinheiro arrecadado). É o que se denominou “5 Ps”.
Esses pontos polêmicos, como não poderia ser diferente, foram objeto de normatização, porém, como as negociações foram contaminadas por manifestações nacionalistas, não houve a compreensão e o aprofundamento devidos.
Parece que faltou densidade técnica à equipe do Ministério de Meio Ambiente, que não conseguiu superar as acusações de políticos populistas e dos defensores de um Estado inchado e sem eficiência, relacionadas a uma suposta “venda” da Amazônia para as forças de mercado.
Um total disparate, mas que na ausência de embasamento e comprometimento técnico sobrepujou a discussão que era na verdade imprescindível, quanto à adequação da tecnologia do manejo florestal para a Amazônia.
  
* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.



domingo, 17 de julho de 2016

Passados 10 anos, Concessão Florestal não deslancha na Amazônia




* Ecio Rodrigues
Recebida sob muita expectativa, a Lei de Gestão de Florestas Públicas, aprovada em 2006, veio acompanhada de grande polêmica em relação à exploração do tão propalado potencial da biodiversidade no ecossistema florestal da Amazônia.
Passados 10 anos, todavia, a concessão de áreas públicas de florestas para exploração pela iniciativa privada não deslancha. Há quem alegue excesso de burocracia, há quem aponte insegurança jurídica (em função dos contratos de longo prazo), mas o fato é que se observa certa má vontade na estrutura estatal brasileira para lidar com as empresas.
Só para lembrar: a Lei 11.284/2006 faculta que, mediante a celebração do instrumento de Contrato de Concessão Florestal, o governo federal (estados e municípios seguem o mesmo princípio) delegue a um empreendimento privado (uma indústria madeireira, digamos) o direito de explorar uma determinada área de floresta pública.
Em geral, a floresta a ser objeto de concessão se encontra alijada da economia local, ociosa frente ao processo produtivo e, o pior, à mercê da exploração clandestina.
Desnecessário dizer que exploração clandestina significa sonegação de impostos, desrespeito a leis trabalhistas, não geração de empregos – significa, enfim, o desatendimento a qualquer função social e, ainda por cima, favorecimento do desmatamento e de invasões.
A maior parte da população acredita que basta uma fiscalização eficiente para se garantir a integridade das florestas públicas. A experiência demonstra, contudo, que, a despeito de todo o investimento já realizado, o aparato estatal de fiscalização nunca logrou impedir a invasão e a dilapidação dessas áreas.
De outra banda, uma ligeira leitura da história econômica da Amazônia é suficiente para constatar que sempre que um ativo florestal situado em local acessível é mantido ocioso sob a ótica econômica e sem a presença de comunidades, esse ativo se torna alvo de exploração clandestina, seja para a extração de um produto pesado como a madeira, seja para a extração de um produto leve como o linalol (extraído das folhas do pau-rosa).
A fiscalização é caríssima, a ponto de ser inviável. Além de exigir um dinheiro que o poder público não possui, a fiscalização ostenta uma relação custo-benefício extremamente desfavorável para a sociedade.
Por sinal, o deficitário retorno social e econômico apresentado pela fiscalização foi uma das principais justificativas para a instituição do instrumento jurídico do Contrato de Concessão Florestal.
Direcionada para retirar da ociosidade econômica, ou, dizendo de outra maneira, trazer para a dinâmica econômica uma quantidade expressiva de áreas de florestas estatais na Amazônia, a Concessão Florestal tem como objetivo, em última análise, a viabilização duma economia de base florestal na região, em substituição à criação de gado.
Trata-se de uma saída adotada por praticamente todos os países que dispõem de ativos florestais, e que resolveu o problema do desmatamento e da invasão dessas florestas.
Sem embargo de um irracional e excessivo “sentimento estatizante” (por assim dizer) presente na nossa sociedade, há que se admitir que, num país em que a ineficiência da gestão estatal é a regra, a delegação de responsabilidade facilita o monitoramento das florestas públicas, já que se tem a quem responsabilizar. Quer dizer, a própria sociedade pode cobrar resultados da empresa concessionária.
Apegar-se a nacionalismos estatizantes não adianta. Se a concessão florestal é uma solução para o mundo inteiro, é difícil imaginar que por aqui seria diferente.
  
* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 3 de julho de 2016

Ainda sobre o recorde de queimadas estabelecido no Acre em 2015



* Ecio Rodrigues
Nos últimos cinco anos, a quantidade de queimadas no Acre aumentou de maneira ininterrupta até atingir seu ápice em 2015, quando foram detectados 5.512 focos de calor em todo o território estadual.
Reforçando o adágio popular segundo o qual “nada é tão ruim que não possa piorar”, o comportamento das estatísticas sugere que o aumento das queimadas deve continuar.
Embora ainda seja cedo para tirar conclusões, tudo indica que 2016 reservará um novo e igualmente vergonhoso recorde de queimadas para o Acre. Os dados já apontados pelas imagens de satélite dão conta que, em maio último, aconteceram 16 queimadas contra 2 observadas no mesmo período em 2015. Um aumento, no mínimo, muito perigoso.
Mais do que urgente, é emergencial a reversão desse processo de ampliação – que não deve ser tratado com indiferença pelos gestores públicos. Entretanto, nenhuma medida corretiva poderá ser adotada sem que se compreenda a nova dinâmica assumida pelas queimadas.
A experiência demonstra que está nas políticas públicas, sejam elas agrícolas, florestais ou de assistência social, a motivação que leva o produtor a queimar em determinado ano.
A decisão pelo aumento do roçado ou do pasto exige do produtor disponibilidade de recursos para investimento, o que lhe sai caro. A segurança de retorno econômico vem dos governantes: em última análise, é o prefeito ou o governador – ou ambos – quem motiva o produtor a queimar.
Corrobora essa tese (que a motivação para queimar tem origem na política pública) o fato de que a maior parcela de contribuição para a atual taxa de queimadas vem do pequeno e do médio produtor.
Ou seja, a nova dinâmica das queimadas expõe os agricultores familiares.
Ora, todos hão de concordar que uma coisa é culpar o grande produtor pecuarista – acusado de queimar os pastos para não gastar dinheiro com arados e adubos; outra coisa, bem diferente, é culpar o agricultor familiar, categoria que costuma gozar da cumplicidade dos políticos, da benevolência dos gestores públicos e da simpatia da sociedade.  
Mas essa nova dinâmica das queimadas no Acre traz mais uma novidade. Diferentemente das grandes propriedades, os responsáveis pelas queimas não estão localizados ao longo das rodovias, onde é fácil chegar. Estão na mata ciliar dos rios, em colocações bem distantes dos centros urbanos, a muitos dias de motor de rabeta da cidade.
Significa dizer que constituem alvo difícil de fiscalizar e mais ainda de autuar.
E não para aí. Como os focos de queimada estão localizados na área de influência dos rios Purus e Juruá (para ficar nos mais impactados), é provável que se repita, nessa região, o estrago causado no âmbito da bacia hidrográfica do rio Acre durante a década de 1980. Igualmente, a tendência é que as Reservas Extrativistas e as Terras Indígenas sejam levadas para o universo da criação de boi, da mesma forma como aconteceu com as unidades de conservação situadas no vale do rio Acre.
Lamúrias não vão adiantar depois que um novo recorde de queimadas for estabelecido em 2016. Os políticos e gestores públicos deveriam agir já.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.