* Ecio Rodrigues
Pode
ser que o inusitado resultado do plebiscito realizado na Bolívia no último domingo,
dia 21 de fevereiro, não reforce a tese de que uma profunda guinada no panorama
político está em curso na América do Sul; por outro lado, pode ser que reforce,
sim.
Para
explicar. O resultado foi considerado inusitado por estudiosos e cientistas
políticos e, inclusive, pelo governo boliviano. Perguntados se aceitavam mudar
a Constituição de seu país para permitir que o atual presidente concorresse a
uma nova eleição presidencial em 2019, 51,31% dos bolivianos disseram “Não”, contra
48,69% que votaram pelo “Sim”.
Duas
questões chamam a atenção nessa consulta. A primeira diz respeito à precocidade
de sua realização. Ora, se o presidente permanecerá no exercício do seu mandato
até o início de 2020, por que razões indaga – já agora, em 2016 – se poderá
disputar as próximas eleições, a fim de continuar no cargo até 2025?
Certamente
existem várias respostas para essa pergunta, todavia, é provável que a razão
principal esteja no que os sociólogos chamam de “realidade objetiva”.
Na
conjuntura boliviana, essa realidade se traduz numa aprovação recorde do
governo atual – em face, sobretudo, dos números apresentados pela economia,
considerados prodigiosos.
Diferente
do que acontece no vizinho Brasil, o PIB da Bolívia cresceu a uma taxa média de
4,8% nos últimos dez anos. Mais relevante ainda, a concentração de renda
reduziu, e as camadas menos favorecidas da população receberam um expressivo
aporte de ajuda por meio de programas sociais, muitos dos quais copiados do
vizinho.
O
momento parecia mais que oportuno para fazer a consulta, uma vez que a estratégia
era não correr risco de derrota. No entanto – e felizmente – os bolivianos,
demonstrando incomum discernimento político, conseguiram separar os indicadores
econômicos de um importantíssimo princípio democrático (especialmente no caso do
contexto latino-americano): a alternância de poder.
Poucos
se dão conta, mas juntamente com transparência na gestão e participação popular,
a alternância de poder constitui um dos pilares que sustentam o tripé do
sistema democrático.
Claro
que a importância e imprescindibilidade da alternância de poder não aludem,
exclusivamente, a circunstâncias como a da Bolívia, em que um indivíduo manipula
as regras democráticas para se manter na presidência, não admitindo que outro
candidato, ainda que do mesmo partido, assuma o governo do país.
Também
dizem respeito a situações em que um mesmo grupo político permanece por longo
tempo no poder – malgrado o fato de que, a cada eleição, uma cara nova é lançada
à escolha dos eleitores, fazendo valer o indefectível jargão cunhado pelos
marqueteiros: “mais do mesmo”.
Citando-se
o caso da Argentina, a alternância de poder naquele país se traduziu, em última
análise, numa guinada para outro modelo econômico e político, mais focado na
eficiência na aplicação dos recursos públicos, e avesso ao populismo que caracterizava
o governo anterior.
Na
Venezuela, por sua vez, desde as últimas eleições o parlamento não é mais
dominado pelo mesmo grupo que comanda o governo federal há quase 20 anos.
Enfim,
conquanto não tenha sido essa a intenção, é provável que os bolivianos tenham reforçado
o recado já dado pelos argentinos e venezuelanos, o de que um novo modelo econômico
e político está por vir.
Vamos
esperar que esse novo modelo também chegue por aqui.
*Professor
Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista
em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.