* Ecio Rodrigues
A castanheira (Bertholletia excelsa) deveria ser alçada à condição de “árvore símbolo”
da Amazônia – ou, pelo menos, do Acre.
Explica-se. Para além de sua beleza e exuberância
– a espécie ostenta exemplares de árvores que ultrapassam 40 metros de altura,
com fustes perfeitamente retilíneos e quase cilíndricos, sustentando copas robustas
e arredondadas, sinuosamente desenhadas nos cumes, onde surgem as flores e os
ouriços com as apreciadas castanhas – a castanheira tem grande significado
econômico, social e ecológico.
Nos locais de ocorrência da castanheira, a castanha-do-brasil
é, de longe, o produto florestal mais importante. É fácil afirmar que no
período de janeiro a março, quando acontece a safra de castanha, os produtores
conseguem renda superior à obtida na safra de borracha – que dura de seis a
oito meses, ou seja, mais que o dobro do tempo. A renda obtida em cada safra de
castanha é superior até mesmo à oriunda da exploração de madeira sob a tecnologia
do manejo florestal comunitário.
A produção de castanha, ademais, envolve um
contingente elevado de manejadores florestais, cujas unidades de produção se espalham
no interior do ecossistema florestal em toda a extensa superfície de ocorrência
da espécie, que vai do vale do rio Acre até o Amapá, formando um arco quase que
sobreposto ao denominado “arco do desmatamento”.
E é aí que mora o perigo.
Explica-se, novamente. Embora não se possa
desconsiderar a pressão para a derrubada da castanheira (em face da qualidade e
da quantidade de madeira presente no tronco de cada árvore), na verdade, o que põe
em risco as safras de castanha e a própria árvore em si é o fato de que, naquela
região do arco do desmatamento, a pecuária avança sobre a floresta, que é derrubada
para dar lugar à pastagem.
Algumas
espécies florestais amazônicas gozam de proteção legal. É o caso, entre outas,
do mogno e da virola – e também da castanheira. Todavia, a legislação proíbe a
derrubada da castanheira, mas não proíbe o desmatamento. Significa que, ao
promover o desmate duma determinada área de terra para fins agrícolas ou para
criação de gado, o fazendeiro não pode derrubar as árvores de castanheira ali presentes.
Ainda que a intenção dos legisladores tenha
sido a de proteger essa espécie (o que não deixa de ser um reconhecimento à sua
simbologia), a regra acaba por ter efeito contrário. As castanheiras ficam isoladas
no meio dos pastos, param de produzir castanhas e acabam por definhar e morrer.
É muito comum, na cena rural amazônica, avistarem-se as lindas castanheiras
secando e perecendo em meio à pastagem.
Moral da história: como a castanheira precisa
da floresta para cumprir suas funções econômicas, sociais e ecológicas, não
basta proibir o abate da árvore; nas áreas de ocorrência da espécie, o que deve
ser objeto de proteção é a floresta.
Ao permitir o desmatamento e proibir a
derrubada da castanheira (numa mesma área), a legislação criou o que pode ser
denominado “dilema da castanheira”.
Explica-se, mais uma vez. Tendo em vista que a
liberação do corte das castanheiras remanescentes em pastos consolidados poderia
proporcionar, no curto prazo, algum benefício ao pecuarista responsável pelo
desmatamento, prefere-se não resolver o problema, mesmo diante da certeza de
que os prejuízos resultantes desse problema são maiores que os eventualmente decorrentes
de sua solução.
Como quase tudo na vida, o dilema da castanheira
certamente possui uma saída racional que não significará benefício ao infrator
nem prejuízo para a sociedade (o confisco das árvores pelo Estado, por exemplo).
No entanto, como é muito difícil desagradar os
pecuaristas, o dilema permanece – e as castanheiras continuam a definhar.
* Professor Associado da
Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo
Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor
em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.