* Ecio Rodrigues
Diante das novas características do clima (embora
muitos não acreditem, é fato que o clima não é o mesmo), com conseqüências
drásticas no regime de chuvas (é fato que a distribuição das chuvas não é a
mesma), e, por conseguinte, na vazão dos rios (é fato que a vazão dos rios não
é a mesma), parece razoável discutir as novas atribuições que se impõem às
administrações públicas.
As estatísticas demonstram, com elevado grau de
precisão, que, na Amazônia, o equilíbrio hidrológico dos rios atingiu outro
patamar, o que significa que poderá haver, a cada ciclo completo de duas
estações climáticas (verão e inverno para os amazônidas), excesso de água nas
cheias e carência na seca.
Ocorre que (para usar o exemplo do Rio Acre) desde o
final da década passada – ou seja, a partir de 2009, quando as cotas desse
curso d’água estacionaram num mínimo em torno dos 16 metros no período das
cheias –, as alagações e secas extremas têm sido recorrentes, e acontecem todos
os anos. Mais grave ainda, as alagações estão batendo recordes, como ocorreu em
2015, e as secas devem seguir esse caminho.
Essa realidade precisa ser assumida pela sociedade e,
acima de tudo, pela gestão estatal. Os técnicos que planejam as ações governamentais,
na esfera estadual e municipal, devem contemplar uma perspectiva crucial: os
canais de escoamento superficial das águas (rios, igarapés e outros) passaram,
ao longo dos últimos 50 anos e com muito mais intensidade nos últimos 20, por
um processo ininterrupto de degradação.
Essa degradação é evidente na beira dos rios, num
tipo especial e importante de formação florestal – a mata ciliar.
O desmatamento da mata ciliar ocorre por várias
razões, mas, sobretudo, para dar lugar à criação de gado ou simplesmente para liberar
o trajeto que o boi faz até o rio, no intuito de beber os 36 litros de água que
consome diariamente.
Sem a barreira fornecida pela mata ciliar, todos os
anos o rio recebe toneladas de areia, terra preta e barro (para citar os principais
sedimentos) – uma quantidade que não tem vazão para transportar e que termina
no fundo do leito, reduzindo o calado e causando o que os técnicos chamam de
assoreamento.
Formar barreira para impedir o assoreamento e, desse
modo, melhorar a quantidade e a qualidade da água que flui no rio é uma das
funções mais significativas da mata ciliar, mas não a única. Há que se
considerar sua importância para a fauna, tanto da terra quanto do rio, bem como
os efeitos paisagísticos que proporciona.
Não à toa as funções desse tipo especial de floresta
estão previstas e amparadas numa série de dispositivos legais, inclusive no
Código Florestal de 2012.
Reforçam a exposição dos rios à degradação a
ampliação da densidade demográfica, a demanda por água potável e, talvez o mais
grave, as insistentes taxas de desmatamento medidas ao longo da bacia
hidrográfica.
Com baixa resiliência, o rio perde a capacidade de
assimilar e de reagir, de modo rápido, às flutuações extremas de vazão. A perda
de resiliência é, sem dúvida, o efeito mais perverso para os rios submetidos a
um processo longo e ininterrupto de degradação.
A ampliação da resiliência dos rios deve ser promovida
de forma prioritária pela política pública, e a boa notícia é que existe
capacidade técnica para isso. A restauração florestal da mata ciliar e o manejo
dessa floresta para aumentar a quantidade da água que flui no rio e diminuir o seu
nível de turbidez são procedimentos dominados pela Engenharia Florestal.
A ampliação da resiliência dos rios pode evitar, no
futuro, a drástica e caríssima alternativa da canalização do canal com concreto
armado. Mas tem que ser já!
* Professor Associado da
Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo e
Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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