* Ecio Rodrigues
Em geral, a liberação do uso medicinal da Cannabis sativa e da Cannabis indica, espécies vegetais que
possuem propriedades calmantes e analgésicas, das quais é obtida a maconha, é primeiro
passo para chegar-se ao uso recreativo.
Esse caminho vem sendo trilhado
pelo Uruguai e, eventualmente – em maior ou menor espaço de tempo –, deve ser
seguido pelos demais países latinos.
Mas a revolução da maconha virá, por suposto, dos americanos.
Transformar a produção, o beneficiamento
e o consumo da maconha num setor econômico foi o que os americanos fizeram quando
duas constatações científicas passaram a ser amplamente reconhecidas pela
opinião pública: primeiro, que a maconha tem efeitos terapêuticos; segundo, que
os custos da criminalização são absurdos para a sociedade.
Estudos envolvendo a maconha, alguns realizados
durante um período de mais de 50 anos, comprovaram as propriedades medicinais da
Cannabis.
Por outro lado, os custos para reprimir e penalizar
os delitos envolvendo o uso e o tráfico da maconha são extremamente elevados, mesmo
para um país da estatura econômica dos Estados Unidos. Quando se trata de economias
frágeis, como a do Brasil, os dispêndios são simplesmente proibitivos.
Já houve tempo, é verdade, em que esses gastos até
poderiam ser justificados, sob a alegação de que repressão aos usuários de
maconha desestimulava delitos mais sérios.
O efeito didático perde todo o sentido, todavia, quando
o número de jovens e adultos presos em função do consumo de maconha representa 30%
de uma das maiores populações carcerárias do mundo, como no triste caso
brasileiro.
Pois transformar em indústria foi a solução
encontrada pelos americanos. E já que nenhum povo sabe fazer isso melhor do que
eles, é difícil imaginar qualquer possibilidade de retrocesso.
Levando-se em conta as profundas implicações
sociais e econômicas decorrentes da grande proporção de empregos gerados e de riqueza
produzida, pode-se afirmar, sem medo de errar, que a indústria da maconha é uma
revolução.
E ainda há mais um ingrediente a ser considerado no
estudo dessa revolução sem volta. Trata-se das características botânicas da Cannabis.
Acontece que alguns exemplares da
flora planetária, em função de suas impressionantes qualidades agronômicas, se
tornaram extremamente importantes para a humanidade. O Eucalyptus, p. ex., gênero que compreende mais de 600 espécies, é
usado na produção de energia elétrica e mais uma gama infindável de artigos
imprescindíveis para o padrão de consumo atual.
Da mesma forma, a partir da soja é fornecida (além
de óleo de cozinha e um sem-número de outros produtos) a maior parte da ração
que alimenta os animais – que, por sua vez, fornecem a proteína consumida pela raça
humana.
Tanto o eucalipto quanto a soja alcançaram
esse grau de relevância porque podem ser adaptados a praticamente todas as
regiões do globo. A Cannabis faz
parte desse seleto grupo de espécies que têm muitas aplicações e são cultivadas
em qualquer lugar, por isso se tornam imprescindíveis.
Diga-se que, afora o fato de ser
pouco exigente em água e fertilidade do solo, a Cannabis é um arbusto que pode ser cultivado num pequeno jardim,
sendo que não exige o domínio de grandes técnicas de jardinagem – e cada
indivíduo fornece uma quantidade elevada de princípio ativo, ou seja, de maconha.
Para os países democráticos, vai ser muito difícil evitar
a revolução da maconha, mesmo que muitos queimem, com o perdão do trocadilho,
uma fortuna de recursos nesse propósito.
A revolução da maconha vai acontecer no século XXI,
enquanto por aqui ainda continuamos enrolados com entraves do início do século
XX – como reforma agrária e regularização fundiária.
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro
florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.