* Ecio Rodrigues
Sob um extraordinário esforço do aparato de fiscalização, o que exige um
dispêndio financeiro proibitivo para as frágeis economias estaduais, certamente
é possível derrubar as taxas de desmatamento na Amazônia.
Não obstante, o que mantém as taxas baixas é a política pública. Ligeira
análise da curva do desmatamento na Amazônia, desde o início da medição em
1988, permite confirmar com certa facilidade essa assertiva. O ciclo de elevação
e decréscimo da intensidade do desmatamento é recorrente, com recordes
assustadores em 1995 e 2004, quando mais de 27.000 Km2 foram
transformados (a maior parte) em pastos.
O momento atual parece ser semelhante e, ao mesmo
tempo, muito preocupante. Depois que uma redução inédita foi comemorada em
2012, quando pela primeira vez o desmatamento atingiu uma área inferior a 5.000
Km2, já no ano seguinte houve um acréscimo de 29%; agora, de acordo
com dados preliminares já divulgados, de agosto a julho de 2014 houve ampliação
superior a 28% em relação ao aumento de 2013.
Os números demonstram que o repiquete do
desmatamento nos últimos dois anos é um fato. E embora seja cedo para apontar as
razões que expliquem o surgimento de um novo e trágico ciclo de destruição das
florestas amazônicas, pelo menos três versões devem surgir: a dos governos, a
dos ambientalistas e a dos pecuaristas.
Alguns pontos, contudo, devem ser esclarecidos.
Em primeiro lugar, as discussões que levaram à
aprovação do novo Código Florestal em 2012 expuseram a fragilidade do sistema
político bicameral e da relação deste com o Poder Executivo. Num vai e vem sem
precedentes, o Código transitou entre o Senado e a Câmara, e entre as duas
casas e a Presidência da República, sem que se solucionassem as inconsistências
presentes no projeto e que permaneceram na lei aprovada.
A maior parte das polêmicas envolveu dois tipos
especiais de florestas, as Reservas Legais e as Áreas de Preservação Permanente,
cuja manutenção é imposta às propriedades privadas. Além de confundir
conceitualmente essas duas formações florestais, o Código Florestal reduziu, de
forma drástica, a quantidade de florestas que deveriam ser mantidas nas margens
dos fluxos d’água.
Essa redução põe em risco a quantidade e a qualidade
da água que abastece, por exemplo, os reservatórios de hidrelétricas e as áreas
urbanas. Ou seja, para garantir um pouco mais de solo para a agropecuária,
cometeu-se a imprudência de se desprezar a constatação científica quanto à estreita
interação que existe entre água e florestas.
Por outro lado, não pode ser desconsiderado que o
atual repiquete do desmatamento apresenta uma dinâmica nova e alarmante. Mais
de 80% das florestas desmatadas são áreas inferiores a 20 hectares e estão
localizadas em pequenas propriedades. Ao observar-se a distribuição espacial
dessas áreas, nota-se que elas se afastam das rodovias, avançando sobre as
margens dos rios.
Ainda não dá para saber se essa dinâmica tem ou não vinculação
direta com o novo Código Florestal. Os resultados obtidos com a efetivação do
Cadastro Ambiental Rural, que levou a eternidade de dois anos para ser regulamentado,
poderá esclarecer essa questão no próximo ano.
O Acre surge com destaque no repiquete do
desmatamento. Os municípios de Tarauacá e Cruzeiro do Sul, incluídos na lista
dos que mais desmataram em julho último, são retratos da nova dinâmica,
representada pela presença expressiva da pequena propriedade e do eixo dos
rios. Pode ser que a contribuição do Acre nesse novo e perigoso quadro nada
tenha a ver com a extinção da Secretaria de Florestas. Pode ser que tenha.
Uma coisa é certa, só uma política pública que atente
para o valor da floresta manterá o desmatamento na Amazônia num nível aceitável
pelo mundo.
* Professor da Universidade
Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e
Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e
Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.
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