* Ecio Rodrigues
O governo não consegue expor para a sociedade,
de forma clara, a posição do Estado brasileiro em relação aos organismos
geneticamente modificados, os chamados transgênicos. Entre a ojeriza da
sociedade pouco informada e a completa omissão da classe política, as
discussões sobre a matéria sempre ocorrem como se fosse a primeira vez, como se
a produção de transgênicos no Brasil não fosse uma realidade.
Mal comparando, é mais ou menos o que acontece
com o tema das hidrelétricas. Existem mais de 120 usinas hidrelétricas em
funcionamento no Brasil e não há a menor possibilidade de que não venham a ser construídas,
no mínimo, outras 50. Mas a sociedade gosta de se posicionar contrariamente à
construção de cada nova usina.
A explicação para esse paradoxo está
justamente na omissão dos políticos, que, temendo perder votos, não esclarecem
que a opção pela geração de energia elétrica por meio do aproveitamento da
força das águas foi feita pelo país há pelo menos 50 anos. No final das contas,
não se discute o que tem que ser discutido, ou seja, o porquê dessa opção e as
suas decorrências.
No caso dos transgênicos, aliás, discursar
contra e decidir a favor tem sido a máxima empregada pelos políticos, sobretudo
nos últimos 10 anos.
A primeira legalização de um plantio de
sementes geneticamente modificadas em território brasileiro ocorreu em 2003. O
Brasil, atualmente, é um dos líderes mundiais na produção de soja transgênica.
Por outro lado, grande parte dos produtos do
agronegócio – soja, algodão e milho, para ficar nos mais comuns – já se encontra
no que os especialistas chamam de terceira geração do melhoramento genético.
Para exemplificar, vamos dizer que certa
espécie importante para alimentar, vestir ou transportar a humanidade foi
alterada em sua genética, a fim de resistir ao ataque de uma vespa. Antes da
primeira geração modificada dessa espécie, a vespa era controlada por meio do
uso de agrotóxicos, o que passou a não ser mais necessário.
Continuando, digamos que a espécie do exemplo se
deteriorasse rapidamente. Da colheita ao supermercado ou à sua industrialização,
suportasse não mais que 24 horas. Um prazo que foi alargado para cinco dias com
a segunda geração modificada da espécie.
Porém, o cultivo totalmente mecanizado da
espécie rendia duas toneladas por hectare de matéria-prima, o que era pouco
para atender à demanda da humanidade. A ampliação do plantio iria requerer o
desmatamento de 100 mil hectares de florestas todos os anos, a um custo
elevadíssimo. Com a terceira geração, a produtividade foi multiplicada por
quatro.
Dispensar a identificação explícita no rótulo
dos produtos cuja industrialização emprega até 1% de espécies transgênicas,
como aprovado pela Câmara em abril último, contribui para reduzir a omissão dos
políticos. Esse, sim, o maior problema. Se o país não sabe se libera ou não o
cultivo dos transgênicos, não pode se aferrar à discussão do rótulo.
O ponto não está no
rótulo, mas na opção que o país fez, de basear sua economia no agronegócio. O
agronegócio brasileiro, para não perder competitividade, está aderindo à
produção de transgênicos, como fizeram os americanos e os chineses.
No frigir dos ovos, a produção de transgênicos
exige regulamentação internacional, o que, por sinal, tem sido tema de debate
no âmbito da ONU. Mas desprezar o emprego de espécies geneticamente modificadas
no agronegócio é um tiro no pé. Nenhum produtor, ou região produtora, ou,
ainda, nenhuma nação para a qual o agronegócio representa quase a metade de seu
Produto Interno Bruto, como é caso do Brasil, irá deixar de usar espécies
transgênicas, se os demais países usam.
Discursar sobre a afixação duma caveira no
rótulo dos produtos agrada e não resolve nada. Mas parece que a ideia é essa.
*
Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal,
Especialista em
Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.