segunda-feira, 25 de maio de 2015

Rotular transgênicos não resolve nada



* Ecio Rodrigues
O governo não consegue expor para a sociedade, de forma clara, a posição do Estado brasileiro em relação aos organismos geneticamente modificados, os chamados transgênicos. Entre a ojeriza da sociedade pouco informada e a completa omissão da classe política, as discussões sobre a matéria sempre ocorrem como se fosse a primeira vez, como se a produção de transgênicos no Brasil não fosse uma realidade.
Mal comparando, é mais ou menos o que acontece com o tema das hidrelétricas. Existem mais de 120 usinas hidrelétricas em funcionamento no Brasil e não há a menor possibilidade de que não venham a ser construídas, no mínimo, outras 50. Mas a sociedade gosta de se posicionar contrariamente à construção de cada nova usina.
A explicação para esse paradoxo está justamente na omissão dos políticos, que, temendo perder votos, não esclarecem que a opção pela geração de energia elétrica por meio do aproveitamento da força das águas foi feita pelo país há pelo menos 50 anos. No final das contas, não se discute o que tem que ser discutido, ou seja, o porquê dessa opção e as suas decorrências.
No caso dos transgênicos, aliás, discursar contra e decidir a favor tem sido a máxima empregada pelos políticos, sobretudo nos últimos 10 anos.
A primeira legalização de um plantio de sementes geneticamente modificadas em território brasileiro ocorreu em 2003. O Brasil, atualmente, é um dos líderes mundiais na produção de soja transgênica.
Por outro lado, grande parte dos produtos do agronegócio – soja, algodão e milho, para ficar nos mais comuns – já se encontra no que os especialistas chamam de terceira geração do melhoramento genético.
Para exemplificar, vamos dizer que certa espécie importante para alimentar, vestir ou transportar a humanidade foi alterada em sua genética, a fim de resistir ao ataque de uma vespa. Antes da primeira geração modificada dessa espécie, a vespa era controlada por meio do uso de agrotóxicos, o que passou a não ser mais necessário.
Continuando, digamos que a espécie do exemplo se deteriorasse rapidamente. Da colheita ao supermercado ou à sua industrialização, suportasse não mais que 24 horas. Um prazo que foi alargado para cinco dias com a segunda geração modificada da espécie.
Porém, o cultivo totalmente mecanizado da espécie rendia duas toneladas por hectare de matéria-prima, o que era pouco para atender à demanda da humanidade. A ampliação do plantio iria requerer o desmatamento de 100 mil hectares de florestas todos os anos, a um custo elevadíssimo. Com a terceira geração, a produtividade foi multiplicada por quatro.
Dispensar a identificação explícita no rótulo dos produtos cuja industrialização emprega até 1% de espécies transgênicas, como aprovado pela Câmara em abril último, contribui para reduzir a omissão dos políticos. Esse, sim, o maior problema. Se o país não sabe se libera ou não o cultivo dos transgênicos, não pode se aferrar à discussão do rótulo.
O ponto não está no rótulo, mas na opção que o país fez, de basear sua economia no agronegócio. O agronegócio brasileiro, para não perder competitividade, está aderindo à produção de transgênicos, como fizeram os americanos e os chineses.
No frigir dos ovos, a produção de transgênicos exige regulamentação internacional, o que, por sinal, tem sido tema de debate no âmbito da ONU. Mas desprezar o emprego de espécies geneticamente modificadas no agronegócio é um tiro no pé. Nenhum produtor, ou região produtora, ou, ainda, nenhuma nação para a qual o agronegócio representa quase a metade de seu Produto Interno Bruto, como é caso do Brasil, irá deixar de usar espécies transgênicas, se os demais países usam.
Discursar sobre a afixação duma caveira no rótulo dos produtos agrada e não resolve nada. Mas parece que a ideia é essa.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.


segunda-feira, 11 de maio de 2015

Terceirização no setor florestal na Amazônia




* Ecio Rodrigues
Ainda que setores ditos progressistas da política nacional, com certo apoio da mídia, tenham considerado como retrocesso a eleição, para a presidência da Câmara, de um representante da bancada evangélica (cujas posições são muitas vezes questionadas pelos movimentos ligados aos direitos humanos), uma coisa é inegável: a produtividade dos parlamentares aumentou visivelmente.
Ao que parece, um pouco de personalidade e a recusa em manifestar subserviência na relação com o governo federal foram o bastante para conferir eficiência à atuação do presidente da Casa do Povo. Sem receio de contrariar o Executivo, os deputados estão sendo levados a discutir projetos polêmicos, antes engavetados por orientação do governo.
Como é o caso do projeto de lei que regulamenta a terceirização de serviços. A despeito do fato comprovado pela ciência econômica de que a terceirização decorre da especialização do trabalho – que por seu turno é ponto inexorável, ou seja, vai ocorrer por ser inerente ao sistema capitalista – parece haver certa relutância da sociedade em aceitá-la.
No âmbito da atividade florestal exercida na Amazônia não é diferente. Todavia, a relutância em aceitar a terceirização, nesse caso, importa em manifesta contradição, que se amplia ante a pouca ou nenhuma informação disponível sobre esse setor econômico crucial para a economia regional.
Acontece que os procedimentos relativos à derrubada de uma árvore no interior da floresta amazônica; ao processamento primário dessa árvore para o fim de transformá-la em toras; ao arraste das toras aos pontos de estocagem; ao transporte das toras até uma indústria de processamento – todos esses procedimentos, enfim, encerram uma grande quantidade de operações.
Essa lista, evidentemente, não se encerra aí, e cada um desses procedimentos requer a atuação de profissionais qualificados e, portanto, especializados. A lógica é: quanto maior a especialização, maior será a eficiência com que cada operação será realizada.
Por conseguinte, quanto maior essa eficiência, maior será a produtividade de cada operação, e menor (talvez esse seja o ponto mais importante) será o preço final a ser pago pelo consumidor. Significa dizer que uma maior especialização do trabalhador representa a entrega de um produto de melhor qualidade e menor custo para o consumidor.
Sem embargo, chegar a um nível tal de especialização que se traduza em eficiência, maior qualidade e menor preço é tarefa impraticável na alçada de um único empreendimento. Ainda mais levando-se em conta que parte das operações acontece dentro da floresta, onde as condições de trabalho são, para dizer o mínimo, muito complexas, e que a industrialização da madeira ocorre mediante o emprego de máquinas pesadas e difíceis de operar.
A correlação entre a especialização do trabalhador, a terceirização e o preço final do produto parece ser o ponto nevrálgico para compreender a importância da primeira e a inevitabilidade da segunda.
Para resumir, sem querer causar controvérsia: no que se refere à atividade florestal na Amazônia, não há especialização sem terceirização – simples assim. E para ser ainda mais incisivo, a terceirização florestal se processa desde a função elementar de abrir picadas (desempenhada pelo chamado “picadeiro”) até o serviço especializado exercido pelo engenheiro florestal.
Para o cluster florestal da Amazônia, a especialização do trabalhador e a decorrente terceirização do trabalho serão, sempre, as mais amplas possíveis.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.